A vez da Maria

07-12-2019
marcar artigo

(Imagem daqui)

Naquele dia, a violência derrubou-lhe qualquer defesa e o medo ficou. Apressava-se para chegar a horas, que não era de se atrasar para um compromisso. Passo ritmado nos sapatos pretos, calças da mesma cor, blusa branca e uma écharpe preta e vermelha. Como era habitual, um leve sorriso nos lábios. Pára, frente ao elevador, de costas para o pequeno átrio. Pressente alguém atrás dela e não estranha. Afinal, o prédio tem algum movimento já que alberga diversos escritórios. O elevador chega, vazio, ela abre a porta e tudo se precipita. Um corpo pesado empurra-a de encontro ao fundo com tanta violência que a cara se encosta, espalmada, ao espelho. Tenta ver através dele mas não é capaz. Só um casaco escuro que lhe tapa a cabeça. É demasiado baixa e o atacante é muito alto. Algo pontiagudo magoa-lhe as costelas do lado direito. Tenta mexer-se, escapar daquele corpo que a esmaga mas não tem força para tanto. Lágrimas escorrem-lhe pela cara, enquanto o elevador pára ao atingir não sabe qual andar. "Está quieta, cabra, ou furo-te!" Foram quantos minutos? Cinco? O homem abriu a porta e saiu de rompante. Nem teve forças para se virar de imediato. A blusa esgaçada e as calças manchadas de esperma. Saiu. Estava no último andar de 7. Os escritórios acabavam no 6º. Limpou as lágrimas, pegou na bolsa que tinha caído no chão, desceu dois andares pelas escadas, abriu a porta da sala com a chave que tirou do bolso e fechou-se por dentro. Pegou no telemóvel, ligou para a pessoa que deveria receber dentro de meia hora e disse-lhe que estava doente. Estava doente! 

Escolheu não dizer a ninguém. Limpou as calças manchadas como pôde, disfarçou a blusa esgaçada com a bolsa à tiracolo, foi para casa, tomou um duche e deitou a roupa toda ao lixo. Difícil foi voltar lá, ao prédio onde acontecera. Não voltou a usar o elevador.

Uns meses mais tarde, leu no jornal local que um homem tinha sido apanhado a atacar uma mulher num elevador. Tinha antecedentes de violência sobre mulheres. Presente a tribunal, fora solto com termo de identidade e residência. Não teria valido a pena contar, pensou. Apesar de tudo...

(Imagem daqui)

Naquele dia, a violência derrubou-lhe qualquer defesa e o medo ficou. Apressava-se para chegar a horas, que não era de se atrasar para um compromisso. Passo ritmado nos sapatos pretos, calças da mesma cor, blusa branca e uma écharpe preta e vermelha. Como era habitual, um leve sorriso nos lábios. Pára, frente ao elevador, de costas para o pequeno átrio. Pressente alguém atrás dela e não estranha. Afinal, o prédio tem algum movimento já que alberga diversos escritórios. O elevador chega, vazio, ela abre a porta e tudo se precipita. Um corpo pesado empurra-a de encontro ao fundo com tanta violência que a cara se encosta, espalmada, ao espelho. Tenta ver através dele mas não é capaz. Só um casaco escuro que lhe tapa a cabeça. É demasiado baixa e o atacante é muito alto. Algo pontiagudo magoa-lhe as costelas do lado direito. Tenta mexer-se, escapar daquele corpo que a esmaga mas não tem força para tanto. Lágrimas escorrem-lhe pela cara, enquanto o elevador pára ao atingir não sabe qual andar. "Está quieta, cabra, ou furo-te!" Foram quantos minutos? Cinco? O homem abriu a porta e saiu de rompante. Nem teve forças para se virar de imediato. A blusa esgaçada e as calças manchadas de esperma. Saiu. Estava no último andar de 7. Os escritórios acabavam no 6º. Limpou as lágrimas, pegou na bolsa que tinha caído no chão, desceu dois andares pelas escadas, abriu a porta da sala com a chave que tirou do bolso e fechou-se por dentro. Pegou no telemóvel, ligou para a pessoa que deveria receber dentro de meia hora e disse-lhe que estava doente. Estava doente! 

Escolheu não dizer a ninguém. Limpou as calças manchadas como pôde, disfarçou a blusa esgaçada com a bolsa à tiracolo, foi para casa, tomou um duche e deitou a roupa toda ao lixo. Difícil foi voltar lá, ao prédio onde acontecera. Não voltou a usar o elevador.

Uns meses mais tarde, leu no jornal local que um homem tinha sido apanhado a atacar uma mulher num elevador. Tinha antecedentes de violência sobre mulheres. Presente a tribunal, fora solto com termo de identidade e residência. Não teria valido a pena contar, pensou. Apesar de tudo...

marcar artigo