A Febre do Tartaruga: Etapa 2: Troia

08-01-2020
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Troia – Canal Caveira = 56,1 km

Total Etapa 2 = 56,1 km

Após o descanso e enchimento durante
a viagem no ferry, saí em Troia revigorado e pronto a dar forte no andamento. Arranquei
pelas 9h10m, menos 1h20m do que a saída inicialmente prevista a partir de Troia
o que era um bom sinal, sobretudo porque poderia evitar mais calor na zona do Alentejo
profundo. Não deu para espreitar nada de Troia, a não ser a vizinhança de
vivendas e espaços aprazíveis que a tornam uma das zonas talvez mais paradisíacas
do nosso país.

Tomei a estrada em direção a sul,
rumo à Comporta. De vez em quando iam passando um carro, e outro, e outro,
muito espaçados.

A paisagem inspirava-me um misto
de deleite com solidão; com o Atlântico à direita, tão próximo e poderoso,
silencioso nesse dia ainda sem sol, e com uma brisa agradável a tornar menos
pesada a viagem, e as zonas de pântanos e lodosas à esquerda, com a vista da
Setenave lá mais longe, uma cópia da Lisnave, localizada na península de
Setúbal, mas em tudo parecida, pelo menos vista da outra margem.

A estrada estava em boas
condições e o andamento fazia-se sem grande cansaço, com vento pelas costas e
com terreno essencialmente plano. O trajeto começava a ser monótono, pois não
havia nem carros, nem pessoas. Aquele cenário selvagem, intocado e virgem,
protegido, é bonito mas igual, durante grandes extensões.

Na zona da Comporta parei numa
bomba e comprei finalmente o protetor solar. Dois dedos de conversa com a moça
que estava de serviço e era hora de seguir.

À direita surgiam agora arrozais,
extensos, num verde tão largo que a vista não lhe alcançava o fim. Pelo movimento
dos carros que me iam ultrapassando percebia o horário dos ferrys, pois eram
por levas.

Ia-se passando uma terra com meia
dúzia de casas à beira da estrada, e outra e ainda mais outra, mas muito pouco
sinal de pessoas.

A determinada altura não percebia
sequer se estava com um bom andamento ou não, tinha-me deixado cair na
monotonia e começava a senti-la. Começou a custar a pedalar, não pelas
condições físicas mas sobretudo pela disposição e pela solidão. Ainda faltava
tanto e não era bom sinal. Decidi parar, beber e comer mais uma metade de uma
sandes, sensivelmente pelas 10h30m, o que queria dizer, pensava eu, que teria
meio caminho percorrido até ao Canal Caveira.

Foi um tónico importante, a
partir dessa pequena paragem voltei a ganhar ritmo, ou pelo menos a perceção de
que ia com um bom ritmo. A bicicleta estava em ótimas condições, o corpo
respondia, a motivação voltava e mais à frente começo a ver as placas a
direcionar para Melides, Sines, etc., o que significava que estava a chegar
perto.

A determinada altura a placa para
Grândola e a entrada no IP1, para fazer a meia dúzia de quilómetros até ao
almoço.

Aproveitando as características
da estrada, com uma boa inclinação a descer, sentia-me voar. À esquerda um
carro parado na berma, meio escondido, com uma perna e um salto alto a
espreitarem pela porta do condutor aberta, a recordar que por aquelas bandas se
mantêm atividades antigas, agora com mais mobilidade.

Já não passava nesta estrada há
muitos anos e eis que surge a “torre” à vista, aquela torre que sempre
anunciava a paragem para comes e bebes.

Assim foi desta feita e qual não
foi o meu espanto quando olho para o relógio e vejo que era 11h26m e havia
percorrido os 56 km em 2h15m, sensivelmente, um ritmo que me deixou de pé
atrás, pois se por um lado me sentia bem, por outro ainda só levava um terço da
aventura pelas costas e faltava o mais difícil.

Não sentia qualquer dor nas
pernas e no assento, as que tive foi por volta dos 80 ou 90 km, o que é
habitual e penso que seja a fase em que o corpo se adapta efetivamente à longa
distância, após as três horas e meia ou quatro horas de esforço. E perceberia
mais à frente algo que tenho constatado nas longas saídas: é um modelo binário,
este, da gestão do esforço, quando surgem as dores ou há reação e se continuam
e as dores param, ou não dá mais e acaba a brincadeira. E por isso a diferença
é feita muito com base no plano mental, asseguradas que estejam as condições de
treino de base.

No Canal Caveira decidi não
embarcar em aventuras gastronómicas. Optei por uma sopa de legumes, bem nutrida
e reconfortante, uma coca-cola e um pastel de nata. Foi igualmente altura de
enviar uma mensagem à malta que me seguia mais de perto e que iam incentivando
ao longo do caminho. Falei para “casa” e pouco depois tive oportunidade de
trocar algumas palavras com o Pedro e com o Nuno. Que talvez estivesse a andar
rápido, mas agora era seguir e aproveitar enquanto o sol ainda não descobria. Até
aqui não tinha provado sequer uma migalha de calor perturbador.

Aproveitei para me barrar com
protetor solar, era meio-dia e mais hora menos hora ele aí estaria. Saí do
Canal Caveira pelas 11h58m, com cerca de 2 horas de avanço face ao plano e
estimativa iniciais, o que era bom, pois dava margem para o trajeto seguinte,
que para além do calor, tinha um percurso de sobe e desce em extensão a té
Beja, ondulado, sem grandes inclinações mas com comprimento bastante.

Despedi-me do pessoal do
restaurante que me desejou boa viagem, pois havia chamado a atenção com
capacete, luvas e colete, e comentámos as incidências até ali e dali para a
frente. Encorajaram-me dizendo que era sempre a descer até Vila Real de Santo
António J,
mas que fosse depressa pois o sol ainda ia aparecer certamente, era raro o dia
estar fresco aquela hora. Agradeci e arranquei, rumo a Beja. Estômago cheio,
protegido do sol, com as pernas descansadas, chegara a hora de começar a gerir
uma das variáveis mais perigosas e que poderia motivar a passagem ao plano B,
encostar pelo caminho em alguma localidade ou no limite em Beja, caso aquecesse
demais.

Com 107km percorridos as pernas
estavam excelentes e a motivação em alta. O efeito do vento não se fazia
sentir, mas estava lá bem gravado no relógio e na margem que ia acumulando. Não
sabia, mas estava passada uma fase importante, mentalmente, a da superação das
pequenas dores iniciais de alerta das pernas e do traseiro, e a da inércia que
se instala quando se percorrem troços muito longos sem as devidas paragens.

Em termos estratégicos, as
paragens de hora e meia em hora e meia, rápidas, tipo dez minutos para hidratar
e petiscar, junto com as paragens maiores de meia hora a cada cinquenta ou
sessenta quilómetros, revelar-se-iam perfeitas.

Troia – Canal Caveira = 56,1 km

Total Etapa 2 = 56,1 km

Após o descanso e enchimento durante
a viagem no ferry, saí em Troia revigorado e pronto a dar forte no andamento. Arranquei
pelas 9h10m, menos 1h20m do que a saída inicialmente prevista a partir de Troia
o que era um bom sinal, sobretudo porque poderia evitar mais calor na zona do Alentejo
profundo. Não deu para espreitar nada de Troia, a não ser a vizinhança de
vivendas e espaços aprazíveis que a tornam uma das zonas talvez mais paradisíacas
do nosso país.

Tomei a estrada em direção a sul,
rumo à Comporta. De vez em quando iam passando um carro, e outro, e outro,
muito espaçados.

A paisagem inspirava-me um misto
de deleite com solidão; com o Atlântico à direita, tão próximo e poderoso,
silencioso nesse dia ainda sem sol, e com uma brisa agradável a tornar menos
pesada a viagem, e as zonas de pântanos e lodosas à esquerda, com a vista da
Setenave lá mais longe, uma cópia da Lisnave, localizada na península de
Setúbal, mas em tudo parecida, pelo menos vista da outra margem.

A estrada estava em boas
condições e o andamento fazia-se sem grande cansaço, com vento pelas costas e
com terreno essencialmente plano. O trajeto começava a ser monótono, pois não
havia nem carros, nem pessoas. Aquele cenário selvagem, intocado e virgem,
protegido, é bonito mas igual, durante grandes extensões.

Na zona da Comporta parei numa
bomba e comprei finalmente o protetor solar. Dois dedos de conversa com a moça
que estava de serviço e era hora de seguir.

À direita surgiam agora arrozais,
extensos, num verde tão largo que a vista não lhe alcançava o fim. Pelo movimento
dos carros que me iam ultrapassando percebia o horário dos ferrys, pois eram
por levas.

Ia-se passando uma terra com meia
dúzia de casas à beira da estrada, e outra e ainda mais outra, mas muito pouco
sinal de pessoas.

A determinada altura não percebia
sequer se estava com um bom andamento ou não, tinha-me deixado cair na
monotonia e começava a senti-la. Começou a custar a pedalar, não pelas
condições físicas mas sobretudo pela disposição e pela solidão. Ainda faltava
tanto e não era bom sinal. Decidi parar, beber e comer mais uma metade de uma
sandes, sensivelmente pelas 10h30m, o que queria dizer, pensava eu, que teria
meio caminho percorrido até ao Canal Caveira.

Foi um tónico importante, a
partir dessa pequena paragem voltei a ganhar ritmo, ou pelo menos a perceção de
que ia com um bom ritmo. A bicicleta estava em ótimas condições, o corpo
respondia, a motivação voltava e mais à frente começo a ver as placas a
direcionar para Melides, Sines, etc., o que significava que estava a chegar
perto.

A determinada altura a placa para
Grândola e a entrada no IP1, para fazer a meia dúzia de quilómetros até ao
almoço.

Aproveitando as características
da estrada, com uma boa inclinação a descer, sentia-me voar. À esquerda um
carro parado na berma, meio escondido, com uma perna e um salto alto a
espreitarem pela porta do condutor aberta, a recordar que por aquelas bandas se
mantêm atividades antigas, agora com mais mobilidade.

Já não passava nesta estrada há
muitos anos e eis que surge a “torre” à vista, aquela torre que sempre
anunciava a paragem para comes e bebes.

Assim foi desta feita e qual não
foi o meu espanto quando olho para o relógio e vejo que era 11h26m e havia
percorrido os 56 km em 2h15m, sensivelmente, um ritmo que me deixou de pé
atrás, pois se por um lado me sentia bem, por outro ainda só levava um terço da
aventura pelas costas e faltava o mais difícil.

Não sentia qualquer dor nas
pernas e no assento, as que tive foi por volta dos 80 ou 90 km, o que é
habitual e penso que seja a fase em que o corpo se adapta efetivamente à longa
distância, após as três horas e meia ou quatro horas de esforço. E perceberia
mais à frente algo que tenho constatado nas longas saídas: é um modelo binário,
este, da gestão do esforço, quando surgem as dores ou há reação e se continuam
e as dores param, ou não dá mais e acaba a brincadeira. E por isso a diferença
é feita muito com base no plano mental, asseguradas que estejam as condições de
treino de base.

No Canal Caveira decidi não
embarcar em aventuras gastronómicas. Optei por uma sopa de legumes, bem nutrida
e reconfortante, uma coca-cola e um pastel de nata. Foi igualmente altura de
enviar uma mensagem à malta que me seguia mais de perto e que iam incentivando
ao longo do caminho. Falei para “casa” e pouco depois tive oportunidade de
trocar algumas palavras com o Pedro e com o Nuno. Que talvez estivesse a andar
rápido, mas agora era seguir e aproveitar enquanto o sol ainda não descobria. Até
aqui não tinha provado sequer uma migalha de calor perturbador.

Aproveitei para me barrar com
protetor solar, era meio-dia e mais hora menos hora ele aí estaria. Saí do
Canal Caveira pelas 11h58m, com cerca de 2 horas de avanço face ao plano e
estimativa iniciais, o que era bom, pois dava margem para o trajeto seguinte,
que para além do calor, tinha um percurso de sobe e desce em extensão a té
Beja, ondulado, sem grandes inclinações mas com comprimento bastante.

Despedi-me do pessoal do
restaurante que me desejou boa viagem, pois havia chamado a atenção com
capacete, luvas e colete, e comentámos as incidências até ali e dali para a
frente. Encorajaram-me dizendo que era sempre a descer até Vila Real de Santo
António J,
mas que fosse depressa pois o sol ainda ia aparecer certamente, era raro o dia
estar fresco aquela hora. Agradeci e arranquei, rumo a Beja. Estômago cheio,
protegido do sol, com as pernas descansadas, chegara a hora de começar a gerir
uma das variáveis mais perigosas e que poderia motivar a passagem ao plano B,
encostar pelo caminho em alguma localidade ou no limite em Beja, caso aquecesse
demais.

Com 107km percorridos as pernas
estavam excelentes e a motivação em alta. O efeito do vento não se fazia
sentir, mas estava lá bem gravado no relógio e na margem que ia acumulando. Não
sabia, mas estava passada uma fase importante, mentalmente, a da superação das
pequenas dores iniciais de alerta das pernas e do traseiro, e a da inércia que
se instala quando se percorrem troços muito longos sem as devidas paragens.

Em termos estratégicos, as
paragens de hora e meia em hora e meia, rápidas, tipo dez minutos para hidratar
e petiscar, junto com as paragens maiores de meia hora a cada cinquenta ou
sessenta quilómetros, revelar-se-iam perfeitas.

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