A Febre do Tartaruga: Brevet Randonneurs Mondiaux L’Antique 200 – 2015 ou o fecho das contas de há um ano

22-06-2020
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Este BRM era um desafio por vários motivos:

- Era o primeiro BRM que repetia, conhecendo já o caminho
(quase todo como veremos … mas com uns lapsos);

- Havia marcado a minha estreia há um ano com um final 20
minutos além do tempo limite, devido a um furo irreparável a 3 km da chegada;

- Era um BRM em que há partida tinha mais 7 mil km acumulados
nas pernas, uma experiência adquirida de mais um ano com várias aventuras entre
100km, 200km e 300 km e uma confiança naturalmente maior;

- E, finalmente, tinha que fechar um ciclo completando este
BRM na GIANT com 23 anos de idade, pois há um ano também tinha sido com essa
bicicleta que me havia feito à estrada.

Posto isto, lá estava na partida em vila franca de xira, no
dia 23 de janeiro pelas 7 da manhã. Íamos sair pelas 8 h mas antes havia que
dar uma ajuda na receção aos perto de 40 randonneurs. Tinha ajudado a confirmar
que estava tudo ok com o percurso uma semana antes, num excelente passeio com o
NL, onde galgámos cerca de 80 km, entre Alpiarça, Muge, Alpiarça novamente, Chamusca
e fecho em Alpiarça, pelas estradas e terrenos agrícolas longe do mundo. Um
excelente mote para o dia.

Este ano optei por não levar mochila às costas. Nos bolsos
tudo o que necessitava, 2 powerade, bolachas, dinheiro, 2 camaras de ar
suplentes e uma bomba. Muito melhor prevenido do que há um ano. O que se
revelou, não apenas prudente, mas fundamental para atingir os objetivos.

Na saída não esperei pelo grupo e às 8 horas avancei e
segui. Todos os minutos contavam. Rapidamente chegámos à nacional 10 e à viragem
para a zona de Castanheira do Ribatejo, para a estação de comboios. Pedalávamos
em grande grupo e o ritmo ia calmo em jeito de aquecimento.

No primeiro ponto de controlo as pontes estavam em obras e
no meio do lamaçal quem ia de BTT seguiu rapidamente e apanhou-se uns minutos
mais à frente do resto do pelotão, algo que durou até à estrada da azambuja. Ia
memorizando todo o trajeto pois sabia que estaria muito tempo sozinho e não
poderia falhar qualquer ponto, sobretudo com a noite cerrada e sem iluminação
no regresso.

Entrados nas estradas agrícolas começámos a desfrutar do
silêncio e da paz ribatejanas. Seguia, durante meia dúzia de quilómetros, com o
Carlos e com o Henrique, e o frio subia da terra deixando a paisagem
ligeiramente enevoada. O dia corria limpo e lindo, com sol e sem vento por aí
além.

Passado o Reguengo do Alviela, mesmo ao lado do rio que
parecia uma piscina cheia, muito calmo e com o caudal bem alto, rapidamente
cheguei a Muge, onde parecia que todos os randnoneurs haviam parado para
relaxar ao mesmo tempo. Anotei rapidamente as coordenadas do 2.º ponto de
controlo, comi umas bolachas, hidratei e segui, pois do ano passado ficara a necessidade
de não gastar muito tempo nos controlos.

Iam-se formando vários grupos e não me colei a ninguém em
particular para não acelerar desnecessariamente. Segui com a companhia de um
randonneur que não conhecia e até à subida para Santarém fomos de palheta. Aí acabei
por subir um pouco mais rápido e eis-me chegado às portas do sol, ao 1.º posto
de controlo com carimbo.

O serviço do café/restaurante estava péssimo, não dava conta
do grupo alargado de randonneurs e consegui despachar-me tão rápido quanto
possível, sem perder muito tempo. Mais uma vez segui o caminho já conhecido
rumo à Golegã.

Passada a estação, novamente pelas estradas secundárias
comecei a ser apanhado pelos grupos que iam circulando a um ritmo superior ao
meu. Ainda tive uns dedos de conversa com o Pedro Alves, com o Carlos e com o Henrique,
bem como com o nosso randonneur visitante de San Diego. 

Chegados à Azinhaga e à
Ponte de Cação uma ligeira pausa para anotar a data de inauguração da ponte,
desfrutar da alma da paisagem e pôr-me novamente a caminho.

Entravamos na zona, para mim, com circulação e orientação
mais difícil. Um quilómetro à frente e novamente, como há um ano, percebi que
tinha furado (para o a. no devo ter que fazer novamente ste brevet para ver se
pela terceira vez consigo passar incólume). Nessa altura seguia com um outro Carlos,
que estava meio perdido com o percurso e seguiu em frente em vez de virar à
direita. Ainda o chamei mas havia agora bastante vento e já não ouviu. Parei,
tentei encher o pneu dado que o furo não era de monta, e assim chegaria à
Golegã onde mais facilmente mudaria o pneu. Assim fiz e segui até à estrada já
em cima da Golegã. Decidi então mudar a camara de ar tendo perdido aí uns 15
minutos. Estava com um sentimento misto de frustração por ter acontecido
novamente, e ao mesmo tempo decidido a avançar apesar do contratempo.

Rumo à Golegã apanhei a estrada principal e vi mais à frente
o Rui Rodrigues e a Patrícia. Percebi que também me tinha enganado numa das
viragens à direita e feito mais umas centenas de metros de caminho. Cumprimentos
rápidos e nem parei pois queria chegar a uma bomba para encher melhor o pneu e
verificar se estva amesmo tudo ok.

Entretanto a bicicleta fazia um barulho na roda dianteira mas
andava e não me parecia estar nada em risco. Chegado à Quinta da Cardiga foi só
olhar para o relógio na torre, anotar os minutos e seguir para o Entrocamento. Este
ano … nada de paragens, já tinha perdido tempo suficiente. Ainda assim estava
com cerca de 30 minutos de avanço face ao ano anterior e dentro do tempo.
Começava a sentir o calor do meio do dia, o sol ia alto, o dia estava bonito e
não pretendia abrandar antes do próximo controlo.

Rapidamente cheguei a uma bomba a seguir ao Entrocamento, a
caminho de Tancos. O Rui e a Patricia  passavam-me a descer nas suas bicicletas de
estrada. Nas subidas eu recuperava e passava-os ganhando um pouco de avanço. A descer
para Constância o barulho na roda continuava e o tempo tinha que ser contado. Começámos
a cruzar-nos com os primeiros Randonneurs a regressar, após comerem a bela da
sopa a meio do dia de passeio.

Cheguei a Constância cerca de trinta minutos antes do ano
transato, o que significava algum avanço mas nada folgado. Mais uma vez no
posto de controlo dei o cartão para carimbo e o café/restaurante parecia
invadido por Randonneurs, creio que a maioria estava a fechar o almoço e a
arrancar. Com uma ajuda do Pedro viramos a roda ao contrário e esperei que  barulho terminasse ali. Atualizei a conversa
com os grupos com quem tinha pedalado um pouco, comi uma sopa retemperadora e
não gastei mais de 20 minutos. 

Créditos fotográficos @ randonneurs portugal.

Novamente a caminho, era tempo de recuperar
algum atraso com um percurso plano e o vento de lado/costas. Até à Chamusca fui
acelerando com um randonneur na roda, sem grande espírito de entreajuda L, limitando-se a ir
atrás e a aproveitar a boleia. Aind tive que chamar 2 vezes a atenção para que
não se passam sinais vermelhos, mesmo os de sensor no meio das estradas e sem
carros à vista, mas parece que em Portugal as regras são algo que as pessoas,
globalmente, desprezam. Sinais do país, e que talvez ajudem a explicar o estado
do país. Decidi parar para hidratar antes de entrarmos novamente nas estradas
secundárias. O rapaz seguiu o seu caminho e eu segui depois, pelos buracos que
havia reconhecido uma semana antes. Mais uns 15 km e estava a chegar a
Alpiarça. Dentro do tempo, com uma hora de avanço para o ano anterior e a
cabeça muito focalizada em gastar pouco tempo.

O Paulo estava a fazer o controlo. Um dos companheiros do
ano anterior em que fiz mais de metade do percurso com um furo lento a encher
recorrentemente o pneu. Desta vez brincámos, tinha furado no mesmo local mas
havia tido juízo e engenho. A minha preocupação era a roda, já sem barulho, mas
ainda faltavam 60 km para concluir, muito caminho com a noite a aproximar-se. Fiquei
também a saber que a Ângela tinha terminado o seu passeio com uma queda (que
felizmente se resolveu uma semana mais tarde no hospital, dado quer queda se
deveu a um tumor e no meio de tudo foi uma grande sorte … força Ângela, boa
recuperação).

Rapidamente avancei e arranquei. Tinha um objetivo
intermédio, deixar as estradas agrícolas ainda de dia. O reconhecimento de há
uma semana estava fresco e sozinho pude desfrutar de um por do sol de sonho na
lezíria, um encanto que não cabe em descrições. Um momento único, mais uma vez
uma recompensa por ter começado a andar de bicicleta e a pedalar para grandes
distâncias, muitas vezes sozinho, na plenitude com a natureza, apenas. Neste
brevet fiz cerca de 160 quilometros sozinho, o que para além de um grande
prazer e realização, me permitiu estar comigo, mais uma vez, durante muito
tempo numa espécie de retiro. Bons momentos de reflexão, de autoconhecimento e
quem sabe, de crescimento. E, talvez, mais um bom treino para novos desafios,
mais longos e eventualmente mais solitários.

A noite caía quando passei em Benfica do Ribatejo. O objetivo
intermédio estava atingido. Chegado a Muge, de noite, ainda derivei um pouco e
perdi-me no meio da vila mas encontrei o caminho para a ponte. Escuro, sem
nenhuma iluminação, começava um novo desafio. Desta vez circulei pela ponte na
zona pedonal do lado direito. Um exercício de equilíbrio mas com uma bicicleta
de BTT estava mais fácil. Aposta ganha, pois já estava quase no final da ponte
quando passou o primeiro carro no meu sentido. Havia ganho cerca de três ou
quatro minutos e tinha conseguido não parar e consequentemente arrefcer.

Chegado ao lado sul da ponte de Muge, uma pequena paragem
para hidratar e verificar as luzes. Teria agora cerca de 20 km de terreno
escuro, sem qualquer iluminação e sem companhia. Ao contrário do ano passado,
onde integrava um grupo de 5 randonneurs, desta feita estava por mim. Ainda vi
4 luzes lá adiante, não conseguia precisar quanto (vim depois a saber que eram
o Carlos, o Henrique e mais 2 randonneurs) mas a minha preocupação era manter
um ritmo confortável e em segurança. Começava a doer-me a zona do pescoço e os
ombros, da trepidação dos caminhos agrícolas, e a minha preocupação, estando
dentro do tempo, com avanço, era preservar a roda e não furar mais, bem como
não ter qualquer incidente.

Até à Azambuja ainda tive o privilégio de me cruzar com um
ciclista que, aparentemente, fará o trajeto frequentemente, pois vinha embalado
e certamente tendo virado em Muge, voltou a apanhar-me, numa bicicleta de
estrada, muito bem iluminada, em jeito de quem estava a treinar num final de tarde
de sábado. Também sozinho, também em comunhão com aquele espaço que em vez de
amedrontar, era libertador. O céu estava lindo, estrelado, a noite calma, reinava
uma paz difícil de traduzir. Desta vez nem ouvia qualquer cão nas quintas, nada
de estranho, apenas um ou dois carros se cruzaram comigo, tudo perfeito.

Chegado à estação da Azambuja parei. No ano transato estava
sem luz, com um pneu coxo, ia “cambaleante”. Desta vez confiante, com tempo,
mais experiente, começava a desfrutar da reta final do passeio. Segui para a estrada
nacional e sem qualquer problema cheguei a Vila Nova da Rainha. 

Parei, hidratei
e desfrutei mais uma vez da sensação de circular com tempo e da calma da noite
e da solidão. Era tempo de meter novamente para as estradas secundárias rumo a Castanheira
do Ribatejo. Novamente escuro, muito escuro, mas novamente aquela sensação de plenitude.
Com cuidado lá segui, sempre muito atento ao piso e à bicicleta. Havia sido por
ali o ponto fulcral no ano anterior.

Quase sem dar pela distância eis-me chegado novamente à
nacional 10. Faltavam 2 km e já nada me poderia impedir de concretizar o
objetivo. Mesmo a pé lá chegaria. Bebi os últimos goles de água e com calma
segui pela estrada. Virei à direita antes de Vila Franca de Xira para a
urbanização indicada no percurso e dirigi-me às piscinas.

A sensação era forte, de plena e completa realização. Havia
passado um ano e tinha conseguido, com a mesma bicicleta e curiosamente com
condições semelhantes (furo), concretizar o passeio perfeitamente dentro do
tempo que tinha estabelecido como meta, ultrapassando os obstáculos e
capitalizando a experiência destes quilómetros nas pernas e na cabeça. A uma
média real de 6 horas para cada 100 km, estavam feitos os 215 km em 12h45m,
desde que partira.

Cheguei às piscinas de Vila Franca eram 20h45m. Tinha 45 m
de avanço sobre o tempo limite. Apenas o meu Amigo António Luís aguardava por
mim, um Vila Franquense que sabe receber na sua terra J. O Albano carimbou o cartão e
ficámos de palheta. Alonguei com calma, desfrutei da conquista e saboreei o
final de mais um desafio. Um pouco mais tarde chegaram o Rui e a Patrícia, e
por fim o José. Falei com todos e era hora de arrancar para casa. Serenamente
cheguei cedo e ainda tive tempo de contar a aventura aos que estavam acordados.

Obrigado a todos os que me ajudaram a concretizar mais este
desafio, aos companheiros de viagem e à malta de casa que compreende e apoia
estas saídas longas estas aventuras solitárias. O próximo post será para as
lições aprendidas.

Um Obrigado aos Randonneurs Porutgal pela organização do Brevet e aos voluntários porque o tornaram possível.

Este BRM era um desafio por vários motivos:

- Era o primeiro BRM que repetia, conhecendo já o caminho
(quase todo como veremos … mas com uns lapsos);

- Havia marcado a minha estreia há um ano com um final 20
minutos além do tempo limite, devido a um furo irreparável a 3 km da chegada;

- Era um BRM em que há partida tinha mais 7 mil km acumulados
nas pernas, uma experiência adquirida de mais um ano com várias aventuras entre
100km, 200km e 300 km e uma confiança naturalmente maior;

- E, finalmente, tinha que fechar um ciclo completando este
BRM na GIANT com 23 anos de idade, pois há um ano também tinha sido com essa
bicicleta que me havia feito à estrada.

Posto isto, lá estava na partida em vila franca de xira, no
dia 23 de janeiro pelas 7 da manhã. Íamos sair pelas 8 h mas antes havia que
dar uma ajuda na receção aos perto de 40 randonneurs. Tinha ajudado a confirmar
que estava tudo ok com o percurso uma semana antes, num excelente passeio com o
NL, onde galgámos cerca de 80 km, entre Alpiarça, Muge, Alpiarça novamente, Chamusca
e fecho em Alpiarça, pelas estradas e terrenos agrícolas longe do mundo. Um
excelente mote para o dia.

Este ano optei por não levar mochila às costas. Nos bolsos
tudo o que necessitava, 2 powerade, bolachas, dinheiro, 2 camaras de ar
suplentes e uma bomba. Muito melhor prevenido do que há um ano. O que se
revelou, não apenas prudente, mas fundamental para atingir os objetivos.

Na saída não esperei pelo grupo e às 8 horas avancei e
segui. Todos os minutos contavam. Rapidamente chegámos à nacional 10 e à viragem
para a zona de Castanheira do Ribatejo, para a estação de comboios. Pedalávamos
em grande grupo e o ritmo ia calmo em jeito de aquecimento.

No primeiro ponto de controlo as pontes estavam em obras e
no meio do lamaçal quem ia de BTT seguiu rapidamente e apanhou-se uns minutos
mais à frente do resto do pelotão, algo que durou até à estrada da azambuja. Ia
memorizando todo o trajeto pois sabia que estaria muito tempo sozinho e não
poderia falhar qualquer ponto, sobretudo com a noite cerrada e sem iluminação
no regresso.

Entrados nas estradas agrícolas começámos a desfrutar do
silêncio e da paz ribatejanas. Seguia, durante meia dúzia de quilómetros, com o
Carlos e com o Henrique, e o frio subia da terra deixando a paisagem
ligeiramente enevoada. O dia corria limpo e lindo, com sol e sem vento por aí
além.

Passado o Reguengo do Alviela, mesmo ao lado do rio que
parecia uma piscina cheia, muito calmo e com o caudal bem alto, rapidamente
cheguei a Muge, onde parecia que todos os randnoneurs haviam parado para
relaxar ao mesmo tempo. Anotei rapidamente as coordenadas do 2.º ponto de
controlo, comi umas bolachas, hidratei e segui, pois do ano passado ficara a necessidade
de não gastar muito tempo nos controlos.

Iam-se formando vários grupos e não me colei a ninguém em
particular para não acelerar desnecessariamente. Segui com a companhia de um
randonneur que não conhecia e até à subida para Santarém fomos de palheta. Aí acabei
por subir um pouco mais rápido e eis-me chegado às portas do sol, ao 1.º posto
de controlo com carimbo.

O serviço do café/restaurante estava péssimo, não dava conta
do grupo alargado de randonneurs e consegui despachar-me tão rápido quanto
possível, sem perder muito tempo. Mais uma vez segui o caminho já conhecido
rumo à Golegã.

Passada a estação, novamente pelas estradas secundárias
comecei a ser apanhado pelos grupos que iam circulando a um ritmo superior ao
meu. Ainda tive uns dedos de conversa com o Pedro Alves, com o Carlos e com o Henrique,
bem como com o nosso randonneur visitante de San Diego. 

Chegados à Azinhaga e à
Ponte de Cação uma ligeira pausa para anotar a data de inauguração da ponte,
desfrutar da alma da paisagem e pôr-me novamente a caminho.

Entravamos na zona, para mim, com circulação e orientação
mais difícil. Um quilómetro à frente e novamente, como há um ano, percebi que
tinha furado (para o a. no devo ter que fazer novamente ste brevet para ver se
pela terceira vez consigo passar incólume). Nessa altura seguia com um outro Carlos,
que estava meio perdido com o percurso e seguiu em frente em vez de virar à
direita. Ainda o chamei mas havia agora bastante vento e já não ouviu. Parei,
tentei encher o pneu dado que o furo não era de monta, e assim chegaria à
Golegã onde mais facilmente mudaria o pneu. Assim fiz e segui até à estrada já
em cima da Golegã. Decidi então mudar a camara de ar tendo perdido aí uns 15
minutos. Estava com um sentimento misto de frustração por ter acontecido
novamente, e ao mesmo tempo decidido a avançar apesar do contratempo.

Rumo à Golegã apanhei a estrada principal e vi mais à frente
o Rui Rodrigues e a Patrícia. Percebi que também me tinha enganado numa das
viragens à direita e feito mais umas centenas de metros de caminho. Cumprimentos
rápidos e nem parei pois queria chegar a uma bomba para encher melhor o pneu e
verificar se estva amesmo tudo ok.

Entretanto a bicicleta fazia um barulho na roda dianteira mas
andava e não me parecia estar nada em risco. Chegado à Quinta da Cardiga foi só
olhar para o relógio na torre, anotar os minutos e seguir para o Entrocamento. Este
ano … nada de paragens, já tinha perdido tempo suficiente. Ainda assim estava
com cerca de 30 minutos de avanço face ao ano anterior e dentro do tempo.
Começava a sentir o calor do meio do dia, o sol ia alto, o dia estava bonito e
não pretendia abrandar antes do próximo controlo.

Rapidamente cheguei a uma bomba a seguir ao Entrocamento, a
caminho de Tancos. O Rui e a Patricia  passavam-me a descer nas suas bicicletas de
estrada. Nas subidas eu recuperava e passava-os ganhando um pouco de avanço. A descer
para Constância o barulho na roda continuava e o tempo tinha que ser contado. Começámos
a cruzar-nos com os primeiros Randonneurs a regressar, após comerem a bela da
sopa a meio do dia de passeio.

Cheguei a Constância cerca de trinta minutos antes do ano
transato, o que significava algum avanço mas nada folgado. Mais uma vez no
posto de controlo dei o cartão para carimbo e o café/restaurante parecia
invadido por Randonneurs, creio que a maioria estava a fechar o almoço e a
arrancar. Com uma ajuda do Pedro viramos a roda ao contrário e esperei que  barulho terminasse ali. Atualizei a conversa
com os grupos com quem tinha pedalado um pouco, comi uma sopa retemperadora e
não gastei mais de 20 minutos. 

Créditos fotográficos @ randonneurs portugal.

Novamente a caminho, era tempo de recuperar
algum atraso com um percurso plano e o vento de lado/costas. Até à Chamusca fui
acelerando com um randonneur na roda, sem grande espírito de entreajuda L, limitando-se a ir
atrás e a aproveitar a boleia. Aind tive que chamar 2 vezes a atenção para que
não se passam sinais vermelhos, mesmo os de sensor no meio das estradas e sem
carros à vista, mas parece que em Portugal as regras são algo que as pessoas,
globalmente, desprezam. Sinais do país, e que talvez ajudem a explicar o estado
do país. Decidi parar para hidratar antes de entrarmos novamente nas estradas
secundárias. O rapaz seguiu o seu caminho e eu segui depois, pelos buracos que
havia reconhecido uma semana antes. Mais uns 15 km e estava a chegar a
Alpiarça. Dentro do tempo, com uma hora de avanço para o ano anterior e a
cabeça muito focalizada em gastar pouco tempo.

O Paulo estava a fazer o controlo. Um dos companheiros do
ano anterior em que fiz mais de metade do percurso com um furo lento a encher
recorrentemente o pneu. Desta vez brincámos, tinha furado no mesmo local mas
havia tido juízo e engenho. A minha preocupação era a roda, já sem barulho, mas
ainda faltavam 60 km para concluir, muito caminho com a noite a aproximar-se. Fiquei
também a saber que a Ângela tinha terminado o seu passeio com uma queda (que
felizmente se resolveu uma semana mais tarde no hospital, dado quer queda se
deveu a um tumor e no meio de tudo foi uma grande sorte … força Ângela, boa
recuperação).

Rapidamente avancei e arranquei. Tinha um objetivo
intermédio, deixar as estradas agrícolas ainda de dia. O reconhecimento de há
uma semana estava fresco e sozinho pude desfrutar de um por do sol de sonho na
lezíria, um encanto que não cabe em descrições. Um momento único, mais uma vez
uma recompensa por ter começado a andar de bicicleta e a pedalar para grandes
distâncias, muitas vezes sozinho, na plenitude com a natureza, apenas. Neste
brevet fiz cerca de 160 quilometros sozinho, o que para além de um grande
prazer e realização, me permitiu estar comigo, mais uma vez, durante muito
tempo numa espécie de retiro. Bons momentos de reflexão, de autoconhecimento e
quem sabe, de crescimento. E, talvez, mais um bom treino para novos desafios,
mais longos e eventualmente mais solitários.

A noite caía quando passei em Benfica do Ribatejo. O objetivo
intermédio estava atingido. Chegado a Muge, de noite, ainda derivei um pouco e
perdi-me no meio da vila mas encontrei o caminho para a ponte. Escuro, sem
nenhuma iluminação, começava um novo desafio. Desta vez circulei pela ponte na
zona pedonal do lado direito. Um exercício de equilíbrio mas com uma bicicleta
de BTT estava mais fácil. Aposta ganha, pois já estava quase no final da ponte
quando passou o primeiro carro no meu sentido. Havia ganho cerca de três ou
quatro minutos e tinha conseguido não parar e consequentemente arrefcer.

Chegado ao lado sul da ponte de Muge, uma pequena paragem
para hidratar e verificar as luzes. Teria agora cerca de 20 km de terreno
escuro, sem qualquer iluminação e sem companhia. Ao contrário do ano passado,
onde integrava um grupo de 5 randonneurs, desta feita estava por mim. Ainda vi
4 luzes lá adiante, não conseguia precisar quanto (vim depois a saber que eram
o Carlos, o Henrique e mais 2 randonneurs) mas a minha preocupação era manter
um ritmo confortável e em segurança. Começava a doer-me a zona do pescoço e os
ombros, da trepidação dos caminhos agrícolas, e a minha preocupação, estando
dentro do tempo, com avanço, era preservar a roda e não furar mais, bem como
não ter qualquer incidente.

Até à Azambuja ainda tive o privilégio de me cruzar com um
ciclista que, aparentemente, fará o trajeto frequentemente, pois vinha embalado
e certamente tendo virado em Muge, voltou a apanhar-me, numa bicicleta de
estrada, muito bem iluminada, em jeito de quem estava a treinar num final de tarde
de sábado. Também sozinho, também em comunhão com aquele espaço que em vez de
amedrontar, era libertador. O céu estava lindo, estrelado, a noite calma, reinava
uma paz difícil de traduzir. Desta vez nem ouvia qualquer cão nas quintas, nada
de estranho, apenas um ou dois carros se cruzaram comigo, tudo perfeito.

Chegado à estação da Azambuja parei. No ano transato estava
sem luz, com um pneu coxo, ia “cambaleante”. Desta vez confiante, com tempo,
mais experiente, começava a desfrutar da reta final do passeio. Segui para a estrada
nacional e sem qualquer problema cheguei a Vila Nova da Rainha. 

Parei, hidratei
e desfrutei mais uma vez da sensação de circular com tempo e da calma da noite
e da solidão. Era tempo de meter novamente para as estradas secundárias rumo a Castanheira
do Ribatejo. Novamente escuro, muito escuro, mas novamente aquela sensação de plenitude.
Com cuidado lá segui, sempre muito atento ao piso e à bicicleta. Havia sido por
ali o ponto fulcral no ano anterior.

Quase sem dar pela distância eis-me chegado novamente à
nacional 10. Faltavam 2 km e já nada me poderia impedir de concretizar o
objetivo. Mesmo a pé lá chegaria. Bebi os últimos goles de água e com calma
segui pela estrada. Virei à direita antes de Vila Franca de Xira para a
urbanização indicada no percurso e dirigi-me às piscinas.

A sensação era forte, de plena e completa realização. Havia
passado um ano e tinha conseguido, com a mesma bicicleta e curiosamente com
condições semelhantes (furo), concretizar o passeio perfeitamente dentro do
tempo que tinha estabelecido como meta, ultrapassando os obstáculos e
capitalizando a experiência destes quilómetros nas pernas e na cabeça. A uma
média real de 6 horas para cada 100 km, estavam feitos os 215 km em 12h45m,
desde que partira.

Cheguei às piscinas de Vila Franca eram 20h45m. Tinha 45 m
de avanço sobre o tempo limite. Apenas o meu Amigo António Luís aguardava por
mim, um Vila Franquense que sabe receber na sua terra J. O Albano carimbou o cartão e
ficámos de palheta. Alonguei com calma, desfrutei da conquista e saboreei o
final de mais um desafio. Um pouco mais tarde chegaram o Rui e a Patrícia, e
por fim o José. Falei com todos e era hora de arrancar para casa. Serenamente
cheguei cedo e ainda tive tempo de contar a aventura aos que estavam acordados.

Obrigado a todos os que me ajudaram a concretizar mais este
desafio, aos companheiros de viagem e à malta de casa que compreende e apoia
estas saídas longas estas aventuras solitárias. O próximo post será para as
lições aprendidas.

Um Obrigado aos Randonneurs Porutgal pela organização do Brevet e aos voluntários porque o tornaram possível.

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