Doces Desportivos: Ironman finisher… 11:57:43

01-09-2020
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Bom, por estes dias não consegui parar para escrever um pouco sobre o que foi esta experiência, e só agora arranjei o momento para dar o feedback a todos os que por aqui passam e têm curiosidade em saber os sentimentos que me suscitaram ser um Ironman finisher. Os dias que passámos na Alemanha foram calmos, num hotel rural de uma família que nos acolheu de forma muito simpática e na companhia da minha própria família, e dois colegas (o Daniel e o Faber)… não houve “treinos”, apenas uma corridinha de 5Km, uma voltinha de bike de 20Km e umas braçadas no Guggenberger See, onde decorreria o segmento de natação… o tempo foi passado em passeios pela Floresta Bávara, pela cidade património mundial, Regensburg, numa Volksfest (festa bávara)… ou e, simples passeios pelas aldeias… foi óptimo para descontrair e acabei por conhecer uma parte significativa do percurso de ciclismo. Acabei por não sentir muito nervosismo… e apenas uma falha do fecho do fato isotérmico, 15min antes da largada, fez acelerar-me os batimentos cardíacos (pelo menos assim o senti) para valores mais altos. Conjuntamente com o Daniel e com o Faber (que já tinha feito esta prova há um ano atrás), optámos por nos posicionarmos à esquerda do local da partida da natação. Para mim resultou bem… Ainda se tocou/cantou o hino alemão. Olhei à volta e vislumbrei muitos olhares humedecidos… eu: não senti quase nada. Largada… e aí vamos nós, mais de 2000… Este segmento foi feito em gestão de esforço. A “coisa” estava a começar. Até deu para recapitular como seria a transição para o ciclismo e de me lembrar que não tinha colocado o contador dos Kms da bike a zero… Tentei seguir os pés de outros companheiros, mas muitas vezes nadei lado a lado, assim, não tinha o trabalho de ser eu a fazer as despesas de orientação… optei sempre por um ritmo calmo, sem forçar, e até deu para reparar no mar de gente que rodeava todo o lago. As distracções com estas coisas faziam-me perder qualidade técnica na natação e de vez enquanto pensava nisso e tentava ser mais certinho. Fui sempre confortável e quando cheguei à última bóia, estaria a 200mts de sair do lago, lá resolvi acelerar e fui mais forte. Sai da água, olhei o meu Garmin e vi 1:14:00 … o que, sinceramente, me surpreendeu, porque achei que estava a nadar para 1:25:00 … A transição foi feita com calma, mas sem qualquer percalço. Recolhi o saco, tirei o fato isotérmico, vesti as roupas de ciclismo … esperava-nos muita chuva… protegi-me do frio que iria ter… e fui buscar a bicicleta. Montei-a e… de repente, estava no meio de um mar de gente… aqui sim, deixei-me levar pelo vento que tinha pelas costas e pelo imenso público que abarrotava as bermas da estrada. Sei que sorri muito, muito mesmo, por dentro emocionei-me imenso: aquela gente toda que rodeava o lago estava agora a gritar, aplaudir e a apoiar todos os ciclistas. Ao longo de todo o segmento de ciclismo havia muitos grupos de populares a apoiar os atletas, algo que não mais esquecerei. Uns mais entusiastas, outros mais calmos, fizeram do acto de assistir ao ciclismo uma enorme festa. Mesmo com chuva, havia barraquinhas improvisadas em que serviam chá (?) ou café (?) e bolinhos, que tornava o acto de ali estar, algo prazenteiro (para o público). Mas que para nós (atletas) foi espectacular (“super”, gritavam eles…)… Também no ciclismo, foram 180 Km que fiz em gestão de esforço. Aos 90Km tinha uma média de 30Km/h e aos 180Km, 29Km/h. Demorei 6:11:00 … dentro do que achava perfeitamente aceitável. As subidas entre os Kms 15-30 e 95-110 eram bem difíceis e resolvi ir sempre calminho, sem pensar na média. No entanto, momentos houve em que tentei aumentar o ritmo com o objectivo de fazer este segmento em 6h… Mas, perante uma sensação de cansaço maior ou com a percepção da respiração a ficar mais ofegante, acalmava. Só senti as pernas pesadas (ou pelo menos, foquei-me nisso) entre os 40-60Km, na fase plana, depois da primeira subida e numa fase em que tínhamos o vento pela frente (que chato que foi)… e, novamente, depois dos 160Km. Foi mesmo por volta dos 160-170Km de ciclismo que me deparo pelo primeiro grande desafio do dia… Não havia volta a dar-lhe… o cansaço estava lá, as pernas pesavam e havia muitas pequenas moléstias nas pernas… já eram muitos quilómetros. A dúvida surge naturalmente: “será que vou ser capaz de correr uma maratona?”… a resposta não me surgiu logo. Apenas com o início da corrida a tive. Os últimos 10Km foram feitos por acessos à cidade de Regensbourg, por entre rotundas e muito ziguezaguear… até ao local da transição. Esta foi feita com algum improviso. Levei a bicicleta até ao local onde ficaria, tirei os sapatos de ciclismo e corri para o WC (foi o meu único xixi da prova…aliás, também fiz na natação)… recolhi o saco e troquei de roupa. Comecei a correr e segui lento, porque estava com dificuldades em colocar o gel no cinto (queria utilizar a minha alimentação, à qual estava habituado… era mais líquida). Mas… sentia-me bem… A maratona consistia em 4 voltas de 10,5Km, com os primeiros 3 pela zona antiga da cidade, com imenso público, e os outros 7 por um parque urbano pelas margens do rio Danúbio… haviam zonas de empedrado e alguns topos que chateavam a malta (todos é claro)… Mas foi no primeiro contacto com uma enorme massa de gente que mais me emocionei. O primeiro Km estava cheio de gente a gritar e aplaudir… foi emocionante. À minha frente alguns atletas paravam para cumprimentar familiares… e ao passar pela bifurcação que separava as voltas do acesso à linha de meta, o público era absolutamente louco no apoio aos atletas. Muita emoção mesmo.Só não chorei porque racionalizei e não me fazia sentido um homem de 38 anos verter-se em lágrimas por causa “daquilo”… Bom, resolvido o problema da colocação do gel, em sítios acessíveis (não só no cinto), percebi que estava a correr bem. Houve momentos em que vi o meu Garmin a 4:45 (o público entusiasmou imenso)… mas abrandava… Mesmo a 5:00 era rápido de mais… o plano era 5:20 – 5:30… E assim fui. Mas, pouco tempo depois (aos 10Km), tinha que forçar o ritmo para estar nos 5:30… tentei fazer um pequeno esforço. E aos 20Km reavaliaria a coisa. A partir dos 20Km só conseguia ir a mais de 6:00… continuei, estava na zona de muito público e distraído, lá segui. Com os 23 km achei que estava a ficar KO… algumas dúvidas me assolaram naqueles momentos (nesta altura estava a passar mal). Tinha planeado andar quando me sentisse muito mal, mas contava que acontecesse apenas na última das 4 voltas… e eu ia na 3ª. Ao Km 25, resolvi seguir a pé. Ainda era capaz de continuar a correr, mas resolvi acalmar logo ali… Até aos 31 Km fui a correr e andar, e com algumas dúvidas. Mas o reencontro com a família (foi difícil encontrá-los nas voltas anteriores) deu-me muita força. A última volta foi lenta, mas muito confortável. Decidi que andaria nas subidas e nos postos de abastecimento. Assim o fiz, e quando corria, era sempre abaixo dos 6:00… ultrapassei bastante gente na última volta e estava a sentir muito, mesmo muito prazer. Ajustei o ritmo para fazer abaixo das 12 horas. Dei-lhe uma margem de manobra… e foi a esse ritmo que fui. O prazer foi enorme… Na recta da meta, o Alexandre, o meu filho mais velho estava lá no meio com uma bandeira de Portugal numa mão e com a outra esticada, com outros miúdos, a cumprimentar os finishers. Agarrei-lhe nessa mão esticada e seguimos juntos para a meta (o André, o meu filho mais novo, dormia)… foi espetaaaaaaaaaaaaacular. Acabei. Nunca acabei uma maratona tão confortável, tão capaz de olhar à volta e tirar prazer de tudo, do sorriso do Alexandre (ainda a correr para a meta), da felicidade de todos os que estava ali a acabar também. Aconselho. Repetirei.


Bom, por estes dias não consegui parar para escrever um pouco sobre o que foi esta experiência, e só agora arranjei o momento para dar o feedback a todos os que por aqui passam e têm curiosidade em saber os sentimentos que me suscitaram ser um Ironman finisher. Os dias que passámos na Alemanha foram calmos, num hotel rural de uma família que nos acolheu de forma muito simpática e na companhia da minha própria família, e dois colegas (o Daniel e o Faber)… não houve “treinos”, apenas uma corridinha de 5Km, uma voltinha de bike de 20Km e umas braçadas no Guggenberger See, onde decorreria o segmento de natação… o tempo foi passado em passeios pela Floresta Bávara, pela cidade património mundial, Regensburg, numa Volksfest (festa bávara)… ou e, simples passeios pelas aldeias… foi óptimo para descontrair e acabei por conhecer uma parte significativa do percurso de ciclismo. Acabei por não sentir muito nervosismo… e apenas uma falha do fecho do fato isotérmico, 15min antes da largada, fez acelerar-me os batimentos cardíacos (pelo menos assim o senti) para valores mais altos. Conjuntamente com o Daniel e com o Faber (que já tinha feito esta prova há um ano atrás), optámos por nos posicionarmos à esquerda do local da partida da natação. Para mim resultou bem… Ainda se tocou/cantou o hino alemão. Olhei à volta e vislumbrei muitos olhares humedecidos… eu: não senti quase nada. Largada… e aí vamos nós, mais de 2000… Este segmento foi feito em gestão de esforço. A “coisa” estava a começar. Até deu para recapitular como seria a transição para o ciclismo e de me lembrar que não tinha colocado o contador dos Kms da bike a zero… Tentei seguir os pés de outros companheiros, mas muitas vezes nadei lado a lado, assim, não tinha o trabalho de ser eu a fazer as despesas de orientação… optei sempre por um ritmo calmo, sem forçar, e até deu para reparar no mar de gente que rodeava todo o lago. As distracções com estas coisas faziam-me perder qualidade técnica na natação e de vez enquanto pensava nisso e tentava ser mais certinho. Fui sempre confortável e quando cheguei à última bóia, estaria a 200mts de sair do lago, lá resolvi acelerar e fui mais forte. Sai da água, olhei o meu Garmin e vi 1:14:00 … o que, sinceramente, me surpreendeu, porque achei que estava a nadar para 1:25:00 … A transição foi feita com calma, mas sem qualquer percalço. Recolhi o saco, tirei o fato isotérmico, vesti as roupas de ciclismo … esperava-nos muita chuva… protegi-me do frio que iria ter… e fui buscar a bicicleta. Montei-a e… de repente, estava no meio de um mar de gente… aqui sim, deixei-me levar pelo vento que tinha pelas costas e pelo imenso público que abarrotava as bermas da estrada. Sei que sorri muito, muito mesmo, por dentro emocionei-me imenso: aquela gente toda que rodeava o lago estava agora a gritar, aplaudir e a apoiar todos os ciclistas. Ao longo de todo o segmento de ciclismo havia muitos grupos de populares a apoiar os atletas, algo que não mais esquecerei. Uns mais entusiastas, outros mais calmos, fizeram do acto de assistir ao ciclismo uma enorme festa. Mesmo com chuva, havia barraquinhas improvisadas em que serviam chá (?) ou café (?) e bolinhos, que tornava o acto de ali estar, algo prazenteiro (para o público). Mas que para nós (atletas) foi espectacular (“super”, gritavam eles…)… Também no ciclismo, foram 180 Km que fiz em gestão de esforço. Aos 90Km tinha uma média de 30Km/h e aos 180Km, 29Km/h. Demorei 6:11:00 … dentro do que achava perfeitamente aceitável. As subidas entre os Kms 15-30 e 95-110 eram bem difíceis e resolvi ir sempre calminho, sem pensar na média. No entanto, momentos houve em que tentei aumentar o ritmo com o objectivo de fazer este segmento em 6h… Mas, perante uma sensação de cansaço maior ou com a percepção da respiração a ficar mais ofegante, acalmava. Só senti as pernas pesadas (ou pelo menos, foquei-me nisso) entre os 40-60Km, na fase plana, depois da primeira subida e numa fase em que tínhamos o vento pela frente (que chato que foi)… e, novamente, depois dos 160Km. Foi mesmo por volta dos 160-170Km de ciclismo que me deparo pelo primeiro grande desafio do dia… Não havia volta a dar-lhe… o cansaço estava lá, as pernas pesavam e havia muitas pequenas moléstias nas pernas… já eram muitos quilómetros. A dúvida surge naturalmente: “será que vou ser capaz de correr uma maratona?”… a resposta não me surgiu logo. Apenas com o início da corrida a tive. Os últimos 10Km foram feitos por acessos à cidade de Regensbourg, por entre rotundas e muito ziguezaguear… até ao local da transição. Esta foi feita com algum improviso. Levei a bicicleta até ao local onde ficaria, tirei os sapatos de ciclismo e corri para o WC (foi o meu único xixi da prova…aliás, também fiz na natação)… recolhi o saco e troquei de roupa. Comecei a correr e segui lento, porque estava com dificuldades em colocar o gel no cinto (queria utilizar a minha alimentação, à qual estava habituado… era mais líquida). Mas… sentia-me bem… A maratona consistia em 4 voltas de 10,5Km, com os primeiros 3 pela zona antiga da cidade, com imenso público, e os outros 7 por um parque urbano pelas margens do rio Danúbio… haviam zonas de empedrado e alguns topos que chateavam a malta (todos é claro)… Mas foi no primeiro contacto com uma enorme massa de gente que mais me emocionei. O primeiro Km estava cheio de gente a gritar e aplaudir… foi emocionante. À minha frente alguns atletas paravam para cumprimentar familiares… e ao passar pela bifurcação que separava as voltas do acesso à linha de meta, o público era absolutamente louco no apoio aos atletas. Muita emoção mesmo.Só não chorei porque racionalizei e não me fazia sentido um homem de 38 anos verter-se em lágrimas por causa “daquilo”… Bom, resolvido o problema da colocação do gel, em sítios acessíveis (não só no cinto), percebi que estava a correr bem. Houve momentos em que vi o meu Garmin a 4:45 (o público entusiasmou imenso)… mas abrandava… Mesmo a 5:00 era rápido de mais… o plano era 5:20 – 5:30… E assim fui. Mas, pouco tempo depois (aos 10Km), tinha que forçar o ritmo para estar nos 5:30… tentei fazer um pequeno esforço. E aos 20Km reavaliaria a coisa. A partir dos 20Km só conseguia ir a mais de 6:00… continuei, estava na zona de muito público e distraído, lá segui. Com os 23 km achei que estava a ficar KO… algumas dúvidas me assolaram naqueles momentos (nesta altura estava a passar mal). Tinha planeado andar quando me sentisse muito mal, mas contava que acontecesse apenas na última das 4 voltas… e eu ia na 3ª. Ao Km 25, resolvi seguir a pé. Ainda era capaz de continuar a correr, mas resolvi acalmar logo ali… Até aos 31 Km fui a correr e andar, e com algumas dúvidas. Mas o reencontro com a família (foi difícil encontrá-los nas voltas anteriores) deu-me muita força. A última volta foi lenta, mas muito confortável. Decidi que andaria nas subidas e nos postos de abastecimento. Assim o fiz, e quando corria, era sempre abaixo dos 6:00… ultrapassei bastante gente na última volta e estava a sentir muito, mesmo muito prazer. Ajustei o ritmo para fazer abaixo das 12 horas. Dei-lhe uma margem de manobra… e foi a esse ritmo que fui. O prazer foi enorme… Na recta da meta, o Alexandre, o meu filho mais velho estava lá no meio com uma bandeira de Portugal numa mão e com a outra esticada, com outros miúdos, a cumprimentar os finishers. Agarrei-lhe nessa mão esticada e seguimos juntos para a meta (o André, o meu filho mais novo, dormia)… foi espetaaaaaaaaaaaaacular. Acabei. Nunca acabei uma maratona tão confortável, tão capaz de olhar à volta e tirar prazer de tudo, do sorriso do Alexandre (ainda a correr para a meta), da felicidade de todos os que estava ali a acabar também. Aconselho. Repetirei.

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