O poeta português António Ramos Rosa, morto esta semana aos 80 anos.
Não desisti de habitar a arca azul
Não desisti
de habitar a arca azul
do antiquíssimo sossego do universo.
A minha ascendência é o sol e uma montanha
verde
e a lisa ondulação do mar unânime.
Há novecentas mil nebulosas espirais
mas só o teu corpo é um arbusto que sangra
e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes.
Aos confins tranqüilos entre ilhas mar e
montes
vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia.
Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos
de uma mulher de onde a chuva jorra pelos
poros.
Ó nascente clara e mais ardente do que o
sangue,
sorvo o cálice do teu sexo de orquídea
incandescente!
A minha vida é uma lenta pulsação
sob o grande vinho da sombra, sob o sono do
sol.
Há bois lentos e profundos no meu corpo
de um outono compacto e negro como um século.
Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas
mãos
a deusa da noite, sonâmbula, desliza.
Ao rumor da folhagem e da areia
escrevo o teu odor de sangue, a tua livre
arquitectura.
Prisioneiro de longínquas raízes
ergo sobre a minha ferida uma torre vertical.
Vislumbro uma luz incompreensível
sobre os campos áridos das semanas.
Elevo o canto profundo do meu corpo
sob o arco das tuas pernas deslumbrantes.
Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões
ou como se tocasse os teus joelhos planetários
ou adormecesse languidamente no teu sexo.
in: Antologia poética (do livro Três, de 1975). Sel.de Ana Paula Coutinho Mendes
Categorias
Entidades
O poeta português António Ramos Rosa, morto esta semana aos 80 anos.
Não desisti de habitar a arca azul
Não desisti
de habitar a arca azul
do antiquíssimo sossego do universo.
A minha ascendência é o sol e uma montanha
verde
e a lisa ondulação do mar unânime.
Há novecentas mil nebulosas espirais
mas só o teu corpo é um arbusto que sangra
e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes.
Aos confins tranqüilos entre ilhas mar e
montes
vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia.
Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos
de uma mulher de onde a chuva jorra pelos
poros.
Ó nascente clara e mais ardente do que o
sangue,
sorvo o cálice do teu sexo de orquídea
incandescente!
A minha vida é uma lenta pulsação
sob o grande vinho da sombra, sob o sono do
sol.
Há bois lentos e profundos no meu corpo
de um outono compacto e negro como um século.
Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas
mãos
a deusa da noite, sonâmbula, desliza.
Ao rumor da folhagem e da areia
escrevo o teu odor de sangue, a tua livre
arquitectura.
Prisioneiro de longínquas raízes
ergo sobre a minha ferida uma torre vertical.
Vislumbro uma luz incompreensível
sobre os campos áridos das semanas.
Elevo o canto profundo do meu corpo
sob o arco das tuas pernas deslumbrantes.
Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões
ou como se tocasse os teus joelhos planetários
ou adormecesse languidamente no teu sexo.
in: Antologia poética (do livro Três, de 1975). Sel.de Ana Paula Coutinho Mendes