Cascais. Entre o postal ilustrado e o lado B

21-09-2020
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Veja também: Coimbra. Eles emigraram e voltaram, mas a porta de saída nunca se fecha

"E de súbito ao atravessar a porta um universo abriu-se diante dos seus olhos. Era um lugar mágico onde os sonhos se iriam tornar realidade”. A frase está escrita com letras coloridas na ludoteca do bairro da Adroana, em Alcabideche, Cascais. Quando põem um pé fora daquele espaço, as dezenas de crianças que ali brincam, maioritariamente de ascendência guineense, vêem filas organizadas de prédios onde vivem 500 pessoas. Amarelo-branco-amarelo-branco. São menos de dez quilómetros até o centro da vila, contudo o suficiente para a glamourosa Cascais mostrar o lado B. O “postal” de Cascais tem uma imagem fixa na memória dos portugueses, a das praias da Linha. Mas para muitos meninos do concelho, sobretudo as que vivem nos bairros sociais das freguesias do interior (Alcabideche e São Domingues de Rana), o mar não é mais do que uma miragem. Tudo porque os transportes são poucos e o dinheiro ainda mais escasso. “A proximidade à praia é ilusória. A maioria dos miúdos não tem sequer uma toalha de banho. Apenas tinham vindo aqui uma vez ou duas com a escola. Para quem vive nos bairros de Alcabideche e de São Domingos de Rana a mobilidade é muito reduzida”, diz à Renascença Nuno Fazenda, coordenador do Surf Art. É um projecto que leva 35 menores, entre os oito e os 13 anos, dos bairros desfavorecidos a praticar surf uma vez por semana. Ali, no litoral, tudo o que as crianças vêem muda. As casas deixam de se encavalitar umas nas outras e a altura das mesmas cai a pique. Muitas têm a forma dos castelos de um romance. Todavia, as diferenças não se ficam pelo aspecto. Cimentam-se no preço. Quem ali quiser comprar habitação tem de multiplicar por dez o valor do metro quadrado em relação ao que acontece no interior do concelho. “Em Alcabideche e em São Domingos de Rana, o preço é de 700 euros, o que é bastante expressivo quando olhamos para os valores mais altos de seis mil ou sete mil [no Estoril ou no centro de Cascais]”, avança o especialista Ricardo Sousa, líder da rede imobiliária Century 21. Por isso, é normal que as moradias transaccionadas no segmento de luxo rondem os oito milhões de euros e que até ultrapassem esta fasquia.

imobiliaria

Um Portugal em pequenino Portugal continua entre os países mais desiguais e com maiores níveis de pobreza consolidada da OCDE, segundo os dados mais recentes. E Cascais é um microcosmos desta realidade. No “III Plano de Desenvolvimento Social de Cascais 2012-2015”, a autarquia já identificava como um dos maiores desafios o aumento dos “já elevados graus de desigualdades sociais, de pobreza e de exclusão social, em especial na vertente territorial. “Nas freguesias mais populosas (Alcabideche e S. D. Rana), onde a precaridade económica é acentuada, é onde existe uma menor intervenção e menos respostas sociais”, lê-se no documento. A distribuição dessas desigualdades, mais uma vez, é tirada a papel químico do resto do país. A dicotomia litoral-interior não desaparece seja qual for a escala que usarmos. Até nas freguesias junto ao mar, como Carcavelos. “As pessoas não vêm cá para nada, a não ser para irem à praia. E, se vêm, deslocam-se para a parte de baixo – e não para o lado terra. Não há atracção nenhuma no interior da freguesia”, queixa-se o proprietário do café Solarika, Bruno Antunes, no lado de cima da estação de comboios da linha. Lisboa ali tão… longe Se há um eixo estruturante no concelho de Cascais, ele é, sem dúvida, a linha férrea que percorre todo o litoral do concelho em direcção a Lisboa. São milhares os que todas as manhãs seguem de comboio para o trabalho e que à tarde regressam a casa. Uma viagem cada vez mais difícil para quem não mora perto das estações. Os transportes são caros dentro do município – por vezes, nem sequer existe – e muito caros para fora. Assistentes sociais, comerciantes e líderes de associações de utentes vão todos na mesma direcção. “Quando se fala de empregabilidade, estamos a sentir que é muito difícil as famílias saírem daqui e irem até Lisboa. Muitos não têm dinheiro para irem a uma entrevista de emprego em Lisboa”, relata Susana Bernardo, assistente social da Pressley Ridge, associação que desenvolve um projecto de intervenção com famílias dos bairros camarários. Carla Semedo, coordenadora técnica da ludoteca da Adroana, enfatiza a mesma questão: “O bairro está situado fora do centro, os transportes são mais caros, e as pessoas não têm recursos”. Carla e Susana asseguram, no entanto, que há um esforço da autarquia para mobilizar associações que contornem o problema. Um comboio que passa e que pára cada vez menos Há várias décadas que José Medinas faz o caminho entre a Parede e o Cais do Sodré no ferro dos carris. Uma vivência que fez dele o porta-voz da comissão de utentes. O diagnóstico é de degradação, de desinvestimento e de perda de qualidade. “Estes comboios têm mais de 50 anos. O material circulante não é substituído. Há pequenos descarrilamentos, batidas por desgaste de material no terminal do Cais do Sodré. E não é só um ou dois casos”, comenta. “Entramos no comboio e sentimos um bafo muito quente. Comparo-o a um forno crematório.”

transportes

Mas esta não é a única questão. José foca como uma das principais debilidades da rede de transportes a falta de ligação entre a periferia e a linha férrea. Houve supressões de carreiras por falta de rentabilidade para a Scotturb, empresa que serve o concelho. Há locais em que a perda do transporte após chegar à estação de comboios pode levar a uma espera de duas horas. E na conta de somar das queixas acrescenta-se a subtracção de 51 ligações e o aumento do tempo médio da duração das viagens. Um barómetro chamado comércio A Renascença pediu à CP os dados relativos à frequência da linha nos últimos quatro anos. A empresa não os revela. À falta de dados oficiais, o comércio serve-nos de termómetro da realidade de afluência à linha de Cascais. Edna Salomoni trabalha há dez anos na papelaria da estação da Parede. E não tem dúvidas: “Há muito menos pessoas. Dantes havia muito movimento, as lojas estavam todas abertas. Agora, não se vê quase ninguém a passar. Muitas lojas fecharam. Os nossos clientes já não compram jornais nem revistas. Só lêem as gordas. Deve ser a falta de dinheiro.” A menos de três quilómetros dali, em Carcavelos, o dono do café Solarika, Bruno Antunes, começa por traçar o cenário “macro”: “Ao longo dos anos, Carcavelos tem perdido habitantes. Cada vez mais pessoas que trabalham em Lisboa, como os transportes são caros, preferem pagar menos de passe e mais de renda em Lisboa.” Bruno adianta que a maior quebra teve início em 2011. Diz que o desemprego foi o gatilho da quebra. “Há uns anos, ao pequeno-almoço, as pessoas pediam duas meias de leite e uma sandes mista. Agora, é um café e um pão com manteiga. Muitas das vezes nem o pão com manteiga”, resume. A venda de café caiu para metade. O dono do Solarika bate na tecla dos preços dos transportes públicos. Diz que não motivam ninguém. Só fazem uma coisa: empurram para o carro. E a saúde, sofre? A questão dos transportes num território de mais de 97 km2 e de quase 270 mil residentes é central. E mexe com todas as dimensões da vida. Principalmente para os que têm menos recursos. Guilherme Antunes, da comissão de utentes de saúde de Cascais, sublinha que quem está longe, por exemplo, na Malveira da Serra, a viagem para o hospital pode obrigar a apanhar três autocarros. Mas este não é o único problema. A perseguição ao pessoal clínico, horários desajustados e pessoas contratadas sem formação para auxiliares são pontos que levam Guilherme a sentenciar: “Há uma grande dificuldade em atender bem.” "Manèr k' bou ta?" Se a forma como cada um se move dentro de Cascais é factor de desigualdade, a língua também leva à exclusão. “Manèr k' bou ta?” ou “Está tudo bem”. Duas formas de dizer o mesmo. Um mero cumprimento, dir-se-á. Não. No bairro da Adroana, a maioria guineense tende a optar pelo crioulo. Um obstáculo para os mais novos. “Queremos que falem português por uma questão de respeito”, refere Carla Semedo, que ali coordena a ludoteca.

adorna

“As relações ficam facilitadas. A falar crioulo isso não acontece. A língua não pode ser um entrave à inclusão das crianças”, acrescenta. É através do brincar, do saber brincar, e do brincar em conjunto que a Fundação Champagnat consegue abrir uma via verde para actuar junto das famílias do bairro. A segregação, de que se dizem vítimas os que moram nos bairros sociais, tem, de acordo com esta assistente social, um outro lado, e que depende exclusivamente de quem lá vive. “Ajudamos a perceber que, quando as pessoas vêm ao bairro, a forma de estar não pode ser a de afastar”, defende. Susana Bernardo, também ela a trabalhar com famílias carenciadas, põe a tónica da mudança nos mais pequenos. Os adultos, apesar de mutáveis, têm já aspectos ligados à personalidade cuja alteração é complicada. “São pessoas que desde muito cedo deixaram de acreditar nelas próprias, que pensam que não têm competências e que não valem nada”, diagnostica. Meninos ricos vão ver os meninos pobres Mas se estas associações chegaram agora ao terreno, desde a década de 70 que a irmã Elvira, que pertence à Ordem das Irmãs Salesianas, trabalha no bairro da Galiza com crianças desfavorecidas pertencentes a várias etnias e nacionalidades. Já viu muita coisa e, para ilustrar as desigualdades entre ricos e pobres, recupera uma história antiga. “No Natal e na Páscoa, as famílias de Cascais e do Estoril traziam os filhos para conhecerem os pobres e a vida dos pobres. Assim, começavam a compreender que há pobres e ricos. Os ricos diziam aos filhos para escolherem os brinquedos que podiam dispensar. Mas, às vezes, os meninos arrependiam-se de os ter dado e queriam recuperá-los. Aí, os pais tentavam explicar que quando está dado está dado”, finaliza. A irmã, que dá nome a uma rua que eterniza a sua dedicação aos jovens, já assistiu a muitas mudanças. A mais visível: os prédios em forma de caixote que substituíram as antigas barracas. “Ao nível da habitação melhorou muito”, comenta Elvira, que mora numa das fracções desses andares. Porém, há coisas que não mudam: as causas da marginalidade de alguns que ali vivem – a droga e o desemprego. A primeira leva à segunda e a segunda leva à primeira. Na água somos todos iguais Nuno Fazenda é de outra geração e, por isso, tem estratégias diferentes para lidar com os problemas das crianças. Como realça o coordenador do projecto, a mensagem subliminar do Surf Art é "no mar somos todos iguais", já que “na água o extracto económico desaparece. É o fato, a prancha e mais nada.”

surf

Veja também: Coimbra. Eles emigraram e voltaram, mas a porta de saída nunca se fecha

"E de súbito ao atravessar a porta um universo abriu-se diante dos seus olhos. Era um lugar mágico onde os sonhos se iriam tornar realidade”. A frase está escrita com letras coloridas na ludoteca do bairro da Adroana, em Alcabideche, Cascais. Quando põem um pé fora daquele espaço, as dezenas de crianças que ali brincam, maioritariamente de ascendência guineense, vêem filas organizadas de prédios onde vivem 500 pessoas. Amarelo-branco-amarelo-branco. São menos de dez quilómetros até o centro da vila, contudo o suficiente para a glamourosa Cascais mostrar o lado B. O “postal” de Cascais tem uma imagem fixa na memória dos portugueses, a das praias da Linha. Mas para muitos meninos do concelho, sobretudo as que vivem nos bairros sociais das freguesias do interior (Alcabideche e São Domingues de Rana), o mar não é mais do que uma miragem. Tudo porque os transportes são poucos e o dinheiro ainda mais escasso. “A proximidade à praia é ilusória. A maioria dos miúdos não tem sequer uma toalha de banho. Apenas tinham vindo aqui uma vez ou duas com a escola. Para quem vive nos bairros de Alcabideche e de São Domingos de Rana a mobilidade é muito reduzida”, diz à Renascença Nuno Fazenda, coordenador do Surf Art. É um projecto que leva 35 menores, entre os oito e os 13 anos, dos bairros desfavorecidos a praticar surf uma vez por semana. Ali, no litoral, tudo o que as crianças vêem muda. As casas deixam de se encavalitar umas nas outras e a altura das mesmas cai a pique. Muitas têm a forma dos castelos de um romance. Todavia, as diferenças não se ficam pelo aspecto. Cimentam-se no preço. Quem ali quiser comprar habitação tem de multiplicar por dez o valor do metro quadrado em relação ao que acontece no interior do concelho. “Em Alcabideche e em São Domingos de Rana, o preço é de 700 euros, o que é bastante expressivo quando olhamos para os valores mais altos de seis mil ou sete mil [no Estoril ou no centro de Cascais]”, avança o especialista Ricardo Sousa, líder da rede imobiliária Century 21. Por isso, é normal que as moradias transaccionadas no segmento de luxo rondem os oito milhões de euros e que até ultrapassem esta fasquia.

imobiliaria

Um Portugal em pequenino Portugal continua entre os países mais desiguais e com maiores níveis de pobreza consolidada da OCDE, segundo os dados mais recentes. E Cascais é um microcosmos desta realidade. No “III Plano de Desenvolvimento Social de Cascais 2012-2015”, a autarquia já identificava como um dos maiores desafios o aumento dos “já elevados graus de desigualdades sociais, de pobreza e de exclusão social, em especial na vertente territorial. “Nas freguesias mais populosas (Alcabideche e S. D. Rana), onde a precaridade económica é acentuada, é onde existe uma menor intervenção e menos respostas sociais”, lê-se no documento. A distribuição dessas desigualdades, mais uma vez, é tirada a papel químico do resto do país. A dicotomia litoral-interior não desaparece seja qual for a escala que usarmos. Até nas freguesias junto ao mar, como Carcavelos. “As pessoas não vêm cá para nada, a não ser para irem à praia. E, se vêm, deslocam-se para a parte de baixo – e não para o lado terra. Não há atracção nenhuma no interior da freguesia”, queixa-se o proprietário do café Solarika, Bruno Antunes, no lado de cima da estação de comboios da linha. Lisboa ali tão… longe Se há um eixo estruturante no concelho de Cascais, ele é, sem dúvida, a linha férrea que percorre todo o litoral do concelho em direcção a Lisboa. São milhares os que todas as manhãs seguem de comboio para o trabalho e que à tarde regressam a casa. Uma viagem cada vez mais difícil para quem não mora perto das estações. Os transportes são caros dentro do município – por vezes, nem sequer existe – e muito caros para fora. Assistentes sociais, comerciantes e líderes de associações de utentes vão todos na mesma direcção. “Quando se fala de empregabilidade, estamos a sentir que é muito difícil as famílias saírem daqui e irem até Lisboa. Muitos não têm dinheiro para irem a uma entrevista de emprego em Lisboa”, relata Susana Bernardo, assistente social da Pressley Ridge, associação que desenvolve um projecto de intervenção com famílias dos bairros camarários. Carla Semedo, coordenadora técnica da ludoteca da Adroana, enfatiza a mesma questão: “O bairro está situado fora do centro, os transportes são mais caros, e as pessoas não têm recursos”. Carla e Susana asseguram, no entanto, que há um esforço da autarquia para mobilizar associações que contornem o problema. Um comboio que passa e que pára cada vez menos Há várias décadas que José Medinas faz o caminho entre a Parede e o Cais do Sodré no ferro dos carris. Uma vivência que fez dele o porta-voz da comissão de utentes. O diagnóstico é de degradação, de desinvestimento e de perda de qualidade. “Estes comboios têm mais de 50 anos. O material circulante não é substituído. Há pequenos descarrilamentos, batidas por desgaste de material no terminal do Cais do Sodré. E não é só um ou dois casos”, comenta. “Entramos no comboio e sentimos um bafo muito quente. Comparo-o a um forno crematório.”

transportes

Mas esta não é a única questão. José foca como uma das principais debilidades da rede de transportes a falta de ligação entre a periferia e a linha férrea. Houve supressões de carreiras por falta de rentabilidade para a Scotturb, empresa que serve o concelho. Há locais em que a perda do transporte após chegar à estação de comboios pode levar a uma espera de duas horas. E na conta de somar das queixas acrescenta-se a subtracção de 51 ligações e o aumento do tempo médio da duração das viagens. Um barómetro chamado comércio A Renascença pediu à CP os dados relativos à frequência da linha nos últimos quatro anos. A empresa não os revela. À falta de dados oficiais, o comércio serve-nos de termómetro da realidade de afluência à linha de Cascais. Edna Salomoni trabalha há dez anos na papelaria da estação da Parede. E não tem dúvidas: “Há muito menos pessoas. Dantes havia muito movimento, as lojas estavam todas abertas. Agora, não se vê quase ninguém a passar. Muitas lojas fecharam. Os nossos clientes já não compram jornais nem revistas. Só lêem as gordas. Deve ser a falta de dinheiro.” A menos de três quilómetros dali, em Carcavelos, o dono do café Solarika, Bruno Antunes, começa por traçar o cenário “macro”: “Ao longo dos anos, Carcavelos tem perdido habitantes. Cada vez mais pessoas que trabalham em Lisboa, como os transportes são caros, preferem pagar menos de passe e mais de renda em Lisboa.” Bruno adianta que a maior quebra teve início em 2011. Diz que o desemprego foi o gatilho da quebra. “Há uns anos, ao pequeno-almoço, as pessoas pediam duas meias de leite e uma sandes mista. Agora, é um café e um pão com manteiga. Muitas das vezes nem o pão com manteiga”, resume. A venda de café caiu para metade. O dono do Solarika bate na tecla dos preços dos transportes públicos. Diz que não motivam ninguém. Só fazem uma coisa: empurram para o carro. E a saúde, sofre? A questão dos transportes num território de mais de 97 km2 e de quase 270 mil residentes é central. E mexe com todas as dimensões da vida. Principalmente para os que têm menos recursos. Guilherme Antunes, da comissão de utentes de saúde de Cascais, sublinha que quem está longe, por exemplo, na Malveira da Serra, a viagem para o hospital pode obrigar a apanhar três autocarros. Mas este não é o único problema. A perseguição ao pessoal clínico, horários desajustados e pessoas contratadas sem formação para auxiliares são pontos que levam Guilherme a sentenciar: “Há uma grande dificuldade em atender bem.” "Manèr k' bou ta?" Se a forma como cada um se move dentro de Cascais é factor de desigualdade, a língua também leva à exclusão. “Manèr k' bou ta?” ou “Está tudo bem”. Duas formas de dizer o mesmo. Um mero cumprimento, dir-se-á. Não. No bairro da Adroana, a maioria guineense tende a optar pelo crioulo. Um obstáculo para os mais novos. “Queremos que falem português por uma questão de respeito”, refere Carla Semedo, que ali coordena a ludoteca.

adorna

“As relações ficam facilitadas. A falar crioulo isso não acontece. A língua não pode ser um entrave à inclusão das crianças”, acrescenta. É através do brincar, do saber brincar, e do brincar em conjunto que a Fundação Champagnat consegue abrir uma via verde para actuar junto das famílias do bairro. A segregação, de que se dizem vítimas os que moram nos bairros sociais, tem, de acordo com esta assistente social, um outro lado, e que depende exclusivamente de quem lá vive. “Ajudamos a perceber que, quando as pessoas vêm ao bairro, a forma de estar não pode ser a de afastar”, defende. Susana Bernardo, também ela a trabalhar com famílias carenciadas, põe a tónica da mudança nos mais pequenos. Os adultos, apesar de mutáveis, têm já aspectos ligados à personalidade cuja alteração é complicada. “São pessoas que desde muito cedo deixaram de acreditar nelas próprias, que pensam que não têm competências e que não valem nada”, diagnostica. Meninos ricos vão ver os meninos pobres Mas se estas associações chegaram agora ao terreno, desde a década de 70 que a irmã Elvira, que pertence à Ordem das Irmãs Salesianas, trabalha no bairro da Galiza com crianças desfavorecidas pertencentes a várias etnias e nacionalidades. Já viu muita coisa e, para ilustrar as desigualdades entre ricos e pobres, recupera uma história antiga. “No Natal e na Páscoa, as famílias de Cascais e do Estoril traziam os filhos para conhecerem os pobres e a vida dos pobres. Assim, começavam a compreender que há pobres e ricos. Os ricos diziam aos filhos para escolherem os brinquedos que podiam dispensar. Mas, às vezes, os meninos arrependiam-se de os ter dado e queriam recuperá-los. Aí, os pais tentavam explicar que quando está dado está dado”, finaliza. A irmã, que dá nome a uma rua que eterniza a sua dedicação aos jovens, já assistiu a muitas mudanças. A mais visível: os prédios em forma de caixote que substituíram as antigas barracas. “Ao nível da habitação melhorou muito”, comenta Elvira, que mora numa das fracções desses andares. Porém, há coisas que não mudam: as causas da marginalidade de alguns que ali vivem – a droga e o desemprego. A primeira leva à segunda e a segunda leva à primeira. Na água somos todos iguais Nuno Fazenda é de outra geração e, por isso, tem estratégias diferentes para lidar com os problemas das crianças. Como realça o coordenador do projecto, a mensagem subliminar do Surf Art é "no mar somos todos iguais", já que “na água o extracto económico desaparece. É o fato, a prancha e mais nada.”

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