A Destreza das Dúvidas: EUA: “Estados Umanos da América”

13-03-2020
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“Herrar é umano” – para
além de “in God we trust”, esta poderia bem ser a divisa da superpotência que
domina o globo. Fá-lo não somente a nível económico-financeiro, mas também
militar, social e cultural. Não se veja neste escrito um qualquer
anti-americanismo primário, mas uma recusa de um acrítico “pensamento único”.

Os Estados novos têm
problemas específicos, mas a juventude do país em causa já não é desculpa para
construções inadmissíveis para uma boa parte do mundo. Refiro-me,
especificamente, ao modo como aquele país lida com as questões do sistema
penal. Sobretudo desde a era Reagan e a “war on drugs”, o Direito Criminal
daqueles Estados vem-se caracterizando por um “punitive turn”, por uma
concepção de justiça no essencial retributiva, pela manutenção da pena de morte
em vários deles e por legislação draconiana em vários domínios. A título de
ilustração: o país da Liberdade é também aquele que admite que, p. ex., um seu
tribunal condene o arguido – com o seu consentimento – a sofrer a pena, pelo
crime de violência doméstica, de a ofendida lhe cuspir na cara em solene
audiência de julgamento (“shame sanctions”). Ou de os ofensores por crimes
rodoviários serem obrigados a conduzir com autocolantes que os identificam como
delinquentes, para já não falar na legislação em vários pontos medieva,  em matéria de crimes sexuais, como as chamadas
“leis de Megan”, em que os condenados que já cumpriram pena de prisão por tais
delitos podem ser monitorizados, por todos, a qualquer instante através de um
simples “click” na internet. Do mesmo passo, para quem reincidir, adaptando uma
regra do basebol (“three strikes and you’re out”), à terceira condenação – que
nem tem de ser por um delito grave (“felony”), podendo ser por uma “misdemeanor”
(algo similar, em Portugal, a alguns delitos pouco graves ou a
contra-ordenações) –, o mínimo punitivo é de 25 anos e, normalmente, é aplicada
prisão perpétua.

É nesse mesmo Estado
que se morre por não existirem cuidados de saúde universais. É também aí que os
desperdícios alimentares são maiores e onde uma lei do uso e porte de arma, que
não saiu do “far west”, vem trazendo para as notícias dramas como o mais
recente, na cidade de Orlando. Este último, ao que se sabe, terá motivações
terroristas, ligadas ao Daesh, mas indicia também um “crime de ódio”, figura
muito estudada pela doutrina norte-americana. Aconteceu em Orlando, como podia
ter sucedido em qualquer outro lugar. Tais actos merecem toda a nossa repulsa e
o empenho em julgar os responsáveis por tais crimes atrozes, violadores do
fundamento da personalidade humana: matar porque alguém tem uma diversa
orientação sexual é atentar contra o mais lídimo de cada ser, é dizer a alguém
que é “impuro” por ter gostos diversos da maioria estatística.

Certo é que Obama
tentou fechar Guantánamo, alterar a legislação em matéria de armas e lançar o
“Obamacare”. Em muitos destes pontos, uma maioria ultraconservadora republicana
no Senado bloqueou tais iniciativas. Acredito que, para vários deles, ter um
Presidente negro continua a ser um sapo que custa engolir. As marcas da Guerra
Civil parecem ainda não erodidas pela História, em especial nos Estados do Sul.

Continuamos na história
do horror ao contemplarmos a hipótese de Donald Trump ser o próximo Presidente.
Se o for, é porque os eleitores se identificam com os seus programa (?) e
personalidade. Em artigo recente aqui no “Público”, traçava-se um interessante
retrato das suas principais características. Narcisismo, incapacidade de
empatia com os outros, desprezo pelas opiniões contrárias e inadaptação a uma
sociedade cada vez mais multicultural. Se Trump for eleito, tudo isto são,
também, traços vincados da maioria dos norte-americanos. Os muçulmanos são
todos terroristas, as mulheres são objectos condenados a servir os homens, os
negócios e a economia são selvas, os mais fracos morrem e as minorias são
estranhas e merecem repressão.

Como vários cidadãos
conhecidos e menos conhecidos têm dito, também emigraria para o Canadá com
alguém assim ao leme. Mas a questão é bem mais profunda: o sucesso de Trump
deve-se a uma incapacidade das anteriores Administrações em cultivar valores
universais de respeito pelos direitos humanos e de colocar em prática a palavra
“God” de que se usa e abusa em qualquer discurso oficial. Os EUA estão
assustados com o terrorismo e com uma brutal crise económica e alguém “out of
the box”, politicamente incorrecto, surge como bóia de salvação para uma
América que diz querer voltar a ser “grande”.

Se Trump vencer, é
melhor destruir a estátua da Liberdade, ou melhor, transplantá-la para Cuba, p.
ex. Será que a população americana em debandada acaba a tomar banhos de sol em
Varadero?

“Herrar é umano” – para
além de “in God we trust”, esta poderia bem ser a divisa da superpotência que
domina o globo. Fá-lo não somente a nível económico-financeiro, mas também
militar, social e cultural. Não se veja neste escrito um qualquer
anti-americanismo primário, mas uma recusa de um acrítico “pensamento único”.

Os Estados novos têm
problemas específicos, mas a juventude do país em causa já não é desculpa para
construções inadmissíveis para uma boa parte do mundo. Refiro-me,
especificamente, ao modo como aquele país lida com as questões do sistema
penal. Sobretudo desde a era Reagan e a “war on drugs”, o Direito Criminal
daqueles Estados vem-se caracterizando por um “punitive turn”, por uma
concepção de justiça no essencial retributiva, pela manutenção da pena de morte
em vários deles e por legislação draconiana em vários domínios. A título de
ilustração: o país da Liberdade é também aquele que admite que, p. ex., um seu
tribunal condene o arguido – com o seu consentimento – a sofrer a pena, pelo
crime de violência doméstica, de a ofendida lhe cuspir na cara em solene
audiência de julgamento (“shame sanctions”). Ou de os ofensores por crimes
rodoviários serem obrigados a conduzir com autocolantes que os identificam como
delinquentes, para já não falar na legislação em vários pontos medieva,  em matéria de crimes sexuais, como as chamadas
“leis de Megan”, em que os condenados que já cumpriram pena de prisão por tais
delitos podem ser monitorizados, por todos, a qualquer instante através de um
simples “click” na internet. Do mesmo passo, para quem reincidir, adaptando uma
regra do basebol (“three strikes and you’re out”), à terceira condenação – que
nem tem de ser por um delito grave (“felony”), podendo ser por uma “misdemeanor”
(algo similar, em Portugal, a alguns delitos pouco graves ou a
contra-ordenações) –, o mínimo punitivo é de 25 anos e, normalmente, é aplicada
prisão perpétua.

É nesse mesmo Estado
que se morre por não existirem cuidados de saúde universais. É também aí que os
desperdícios alimentares são maiores e onde uma lei do uso e porte de arma, que
não saiu do “far west”, vem trazendo para as notícias dramas como o mais
recente, na cidade de Orlando. Este último, ao que se sabe, terá motivações
terroristas, ligadas ao Daesh, mas indicia também um “crime de ódio”, figura
muito estudada pela doutrina norte-americana. Aconteceu em Orlando, como podia
ter sucedido em qualquer outro lugar. Tais actos merecem toda a nossa repulsa e
o empenho em julgar os responsáveis por tais crimes atrozes, violadores do
fundamento da personalidade humana: matar porque alguém tem uma diversa
orientação sexual é atentar contra o mais lídimo de cada ser, é dizer a alguém
que é “impuro” por ter gostos diversos da maioria estatística.

Certo é que Obama
tentou fechar Guantánamo, alterar a legislação em matéria de armas e lançar o
“Obamacare”. Em muitos destes pontos, uma maioria ultraconservadora republicana
no Senado bloqueou tais iniciativas. Acredito que, para vários deles, ter um
Presidente negro continua a ser um sapo que custa engolir. As marcas da Guerra
Civil parecem ainda não erodidas pela História, em especial nos Estados do Sul.

Continuamos na história
do horror ao contemplarmos a hipótese de Donald Trump ser o próximo Presidente.
Se o for, é porque os eleitores se identificam com os seus programa (?) e
personalidade. Em artigo recente aqui no “Público”, traçava-se um interessante
retrato das suas principais características. Narcisismo, incapacidade de
empatia com os outros, desprezo pelas opiniões contrárias e inadaptação a uma
sociedade cada vez mais multicultural. Se Trump for eleito, tudo isto são,
também, traços vincados da maioria dos norte-americanos. Os muçulmanos são
todos terroristas, as mulheres são objectos condenados a servir os homens, os
negócios e a economia são selvas, os mais fracos morrem e as minorias são
estranhas e merecem repressão.

Como vários cidadãos
conhecidos e menos conhecidos têm dito, também emigraria para o Canadá com
alguém assim ao leme. Mas a questão é bem mais profunda: o sucesso de Trump
deve-se a uma incapacidade das anteriores Administrações em cultivar valores
universais de respeito pelos direitos humanos e de colocar em prática a palavra
“God” de que se usa e abusa em qualquer discurso oficial. Os EUA estão
assustados com o terrorismo e com uma brutal crise económica e alguém “out of
the box”, politicamente incorrecto, surge como bóia de salvação para uma
América que diz querer voltar a ser “grande”.

Se Trump vencer, é
melhor destruir a estátua da Liberdade, ou melhor, transplantá-la para Cuba, p.
ex. Será que a população americana em debandada acaba a tomar banhos de sol em
Varadero?

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