A Destreza das Dúvidas: “Portugalidade”, comodismo e espírito inquieto

13-03-2020
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De entre as máximas de
Nietzsche encontramos esta: “A loucura é algo de raro nos indivíduos – mas em
grupos, partidos, povos, eras, é a regra”. De igual sorte, “O estômago é a
razão pela qual o homem não se toma facilmente por um deus”.

Vêm estes ensinamentos
lapidares a propósito de mais um 10 de Junho. Comemorar a “portugalidade” e,
com ela, Camões e as comunidades portuguesas (em tempos, a “raça lusa”, como
ainda há não muitos anos nos lembrava Cavaco), transformou-se em mais um
feriado óptimo para descansar e passear se o tempo estiver de feição.

Nada de errado nisso.
Uma das mais antigas Nações com fronteiras definidas da Europa (e do mundo) pode
dar-se a este “luxo”. O que já não deve é deixar, ao menos de tempos a tempos,
de reflectir sobre si mesma. Estamos cansados dos gloriosos feitos do passado
“que nos vão da lei da morte libertando”. Temos neles orgulho, mas não passam disso
mesmo: passado. Também se não duvida que após a adesão às então Comunidades
Europeias, Portugal se aproximou do nível médio de vida do Velho Continente,
embora ainda na cauda dos agora 28 Estados.

Uma específica terra,
uma dada História, eventuais componentes genéticas, influências psicológicas,
sociais e políticas fazem um Povo. Que, como abstracção que é, acaba por ser
sempre uma espécie de “caricatura”. A imagem que de nós temos – e que os
estrangeiros reflectem – de um povo afável, simpático, compassivo e desorganizado
é, por isso, aquilo que mais ressalta das características da maioria. Mas há
muitos portugueses com traços de personalidade de jaez árabe ou mais próximos
do centro da Europa. Diria que, se quisermos ser simplistas e resumir tudo a
uma palavra, ela seria “organização”.

Somos – mais uma vez
generalizando – profundamente desorganizados e pouco exigentes connosco e com
os demais. Trabalhamos, em média, mais horas que os nossos compagnons de route europeus e produzimos menos, por não sermos tão
concentrados e estruturados no uso do tempo. Adoramos reunir quando não
queremos tomar decisões e “empurramos com a barriga” amiúde. Se a população é
assim, em larga medida, os políticos não poderiam ser diferentes. Lacassagne
dizia que “cada sociedade tem os criminosos que merece”, o mesmo se podendo aplicar
às elites dirigentes. Enquanto não nos capacitarmos de que a boa cultura das
organizações com satisfação dos seus trabalhadores e um adequado plano para
compatibilizar vida pessoal e profissional urgem, manteremos os insatisfatórios
níveis actuais.

Do mesmo passo, ainda
que com os espartilhos auto-aceites, resultantes de uma transferência/partilha
de soberania com a UE, há espaço para que Portugal decida, colectivamente, o
que deseja ser no mundo. A nossa História e posição geoestratégica são ímpares
na ligação com os demais povos do globo. Mas que desejamos nós? Ser um destino
de serviços, em especial o turismo? Ou não abdicamos de um reforço dos sectores
produtivos como a agricultura e, sobretudo, a indústria, especialmente a
conexionada com a investigação e a inovação? A resposta parece evidente: nenhum
país é livre, nos quadros embora de uma economia transnacional e globalizada,
se se limitar a ser apenas um fornecedor de serviços. Os movimentos flutuantes
de transferência de mão-de-obra barata, vindos do Leste, com os quais não
podemos – nem desejamos – competir leva-nos à resposta dada pelos Estados mais
ricos. A Alemanha ou a França, p. ex., bem como os EUA, em distinta dimensão,
não abdicam dos sectores primário e secundário. Eles são penhor da possível
liberdade e soberania nos quadros hodiernos, como, de tantos outros, Steiner se
tem feito eco.

Portugal não é, por
outra banda, “um país de brandos costumes”, patranha construída pelo Estado
Novo, mas um país adormecido, pouco exigente consigo e com os demais. É, pois,
com agrado que se verifica uma – ao menos nominal – maior exigência do actual
Governo no concerto da Europa a 28. A ideia de que ser “o bom aluno” compensa
provou mal. Não se defende, porém, que passemos a ser o estudante sempre
irreverente e do contra, porque sim. Quem é professor sabe que aqueles que nos
ficam na memória são os atentos, questionadores, inquietos e que não aceitam
tudo com a força de um dogma.

Necessitamos
desconstruir tais verdades de adesão, aceites por comodismo, e tomar o futuro
nas nossas mãos, sabendo que embora o Welfare
State se deva manter na medida do possível, somos senhores do nosso destino
e responsáveis primeiros pelas nossas venturas e desgraças. Depender do vizinho
do lado, seja ele uma pessoa singular, seja o Estado, augura um futuro de
dependência similar ao dos servos da gleba nos idos feudais. 

Camões nadou para
salvar “Os Lusíadas”. Nademos também em direcção às mais fundas aspirações
individuais e colectivas que temos como Povo!


De entre as máximas de
Nietzsche encontramos esta: “A loucura é algo de raro nos indivíduos – mas em
grupos, partidos, povos, eras, é a regra”. De igual sorte, “O estômago é a
razão pela qual o homem não se toma facilmente por um deus”.

Vêm estes ensinamentos
lapidares a propósito de mais um 10 de Junho. Comemorar a “portugalidade” e,
com ela, Camões e as comunidades portuguesas (em tempos, a “raça lusa”, como
ainda há não muitos anos nos lembrava Cavaco), transformou-se em mais um
feriado óptimo para descansar e passear se o tempo estiver de feição.

Nada de errado nisso.
Uma das mais antigas Nações com fronteiras definidas da Europa (e do mundo) pode
dar-se a este “luxo”. O que já não deve é deixar, ao menos de tempos a tempos,
de reflectir sobre si mesma. Estamos cansados dos gloriosos feitos do passado
“que nos vão da lei da morte libertando”. Temos neles orgulho, mas não passam disso
mesmo: passado. Também se não duvida que após a adesão às então Comunidades
Europeias, Portugal se aproximou do nível médio de vida do Velho Continente,
embora ainda na cauda dos agora 28 Estados.

Uma específica terra,
uma dada História, eventuais componentes genéticas, influências psicológicas,
sociais e políticas fazem um Povo. Que, como abstracção que é, acaba por ser
sempre uma espécie de “caricatura”. A imagem que de nós temos – e que os
estrangeiros reflectem – de um povo afável, simpático, compassivo e desorganizado
é, por isso, aquilo que mais ressalta das características da maioria. Mas há
muitos portugueses com traços de personalidade de jaez árabe ou mais próximos
do centro da Europa. Diria que, se quisermos ser simplistas e resumir tudo a
uma palavra, ela seria “organização”.

Somos – mais uma vez
generalizando – profundamente desorganizados e pouco exigentes connosco e com
os demais. Trabalhamos, em média, mais horas que os nossos compagnons de route europeus e produzimos menos, por não sermos tão
concentrados e estruturados no uso do tempo. Adoramos reunir quando não
queremos tomar decisões e “empurramos com a barriga” amiúde. Se a população é
assim, em larga medida, os políticos não poderiam ser diferentes. Lacassagne
dizia que “cada sociedade tem os criminosos que merece”, o mesmo se podendo aplicar
às elites dirigentes. Enquanto não nos capacitarmos de que a boa cultura das
organizações com satisfação dos seus trabalhadores e um adequado plano para
compatibilizar vida pessoal e profissional urgem, manteremos os insatisfatórios
níveis actuais.

Do mesmo passo, ainda
que com os espartilhos auto-aceites, resultantes de uma transferência/partilha
de soberania com a UE, há espaço para que Portugal decida, colectivamente, o
que deseja ser no mundo. A nossa História e posição geoestratégica são ímpares
na ligação com os demais povos do globo. Mas que desejamos nós? Ser um destino
de serviços, em especial o turismo? Ou não abdicamos de um reforço dos sectores
produtivos como a agricultura e, sobretudo, a indústria, especialmente a
conexionada com a investigação e a inovação? A resposta parece evidente: nenhum
país é livre, nos quadros embora de uma economia transnacional e globalizada,
se se limitar a ser apenas um fornecedor de serviços. Os movimentos flutuantes
de transferência de mão-de-obra barata, vindos do Leste, com os quais não
podemos – nem desejamos – competir leva-nos à resposta dada pelos Estados mais
ricos. A Alemanha ou a França, p. ex., bem como os EUA, em distinta dimensão,
não abdicam dos sectores primário e secundário. Eles são penhor da possível
liberdade e soberania nos quadros hodiernos, como, de tantos outros, Steiner se
tem feito eco.

Portugal não é, por
outra banda, “um país de brandos costumes”, patranha construída pelo Estado
Novo, mas um país adormecido, pouco exigente consigo e com os demais. É, pois,
com agrado que se verifica uma – ao menos nominal – maior exigência do actual
Governo no concerto da Europa a 28. A ideia de que ser “o bom aluno” compensa
provou mal. Não se defende, porém, que passemos a ser o estudante sempre
irreverente e do contra, porque sim. Quem é professor sabe que aqueles que nos
ficam na memória são os atentos, questionadores, inquietos e que não aceitam
tudo com a força de um dogma.

Necessitamos
desconstruir tais verdades de adesão, aceites por comodismo, e tomar o futuro
nas nossas mãos, sabendo que embora o Welfare
State se deva manter na medida do possível, somos senhores do nosso destino
e responsáveis primeiros pelas nossas venturas e desgraças. Depender do vizinho
do lado, seja ele uma pessoa singular, seja o Estado, augura um futuro de
dependência similar ao dos servos da gleba nos idos feudais. 

Camões nadou para
salvar “Os Lusíadas”. Nademos também em direcção às mais fundas aspirações
individuais e colectivas que temos como Povo!

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