A Destreza das Dúvidas

13-03-2020
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Em Regulação, existe uma tensão permanente entre a chamada regulação ex-ante e a regulação ex-post. 

Simplificando, a regulação ex-ante diz respeito ao conjunto das regras de funcionamento de um determinado mercado regulado. Esta é uma regulação necessariamente intrusiva, na medida em que define aquilo que os intervenientes no mercado podem fazer - e, por conseguinte, aquilo que não podem fazer. A ideia da regulação ex-ante é a de impor princípios, ou regras, aos participantes de um determinado mercado - princípios sem os quais, teoricamente, o mercado não funcionaria do modo desejado (por exemplo, não seria concorrencial; ou não sera eficiente; ou não produziria resultados justos). 

A regulação ex-post intervem quando os intervenientes num determinado mercado se portam mal. Serve para punir uma determinada conduta que se acha ter efeitos negativos, por exemplo, para os consumidores. Se quisermos, a regulação ex-post intervem quando o caldo já está entornado; a regulação ex-ante obriga o cozinheiro a fazer caldo numa panela que não entorna (ou pesada o suficiente para não ser fácil entorná-la). 

E então? O que é melhor? Impor um tipo de panela ao cozinheiro - e arriscar que se imponha um modelo de panela ineficiente e ultrapassado -, ou confiar que a punição ao cozinheiro é suficiente para que ele se porte bem - e arriscar que a panela entorne à mesma, e depois seja tarde demais intervir? Depende. De tanta coisa. Olhem, para começar depende do país. A imagem abaixo explica. 

Como resolver a anormalidade crónica dos portugueses, que insistem em estacionar os automóveis em cima do passeio? Uma escola de pensamento alega que basta a lei. Está na lei que é proibido estacionar em cima do passeio. Se alguém ousar desafiar a lei, a polícia traz o reboque, o condutor fica sem carro uns dias e tem de pagar uma multa. 

Ora a lei já existe, e todos sabemos que os condutores continuam a estacionar os carros no passeio. De pouco serve a lei para defender o deficiente que num dado momento quer passar de cadeira de rodas, ou o dono de um café que não pode estender a esplanada, ou os moradores que têm de levar com a poluição visual. Ainda assim, há quem alegue que, se a ameaça de punição por alguma razão falha, é porque a punição não é severa o suficiente, ou porque a policia não faz o suficiente para apanhar os prevaricadores. Comprem-se mais reboques, ou aumente-se a multa, ou os dois. Ora a multa já é bastante alta (100 euros, se bem me lembro), e reboques, na zona onde a foto acima foi tirada. atuam dia e noite. A solução possível, neste estado de coisas, é colocar aqueles pilaretes que impedem os condutores de estacionarem os carros no passeio (ou os danificam bastante, se tentarem). É a regulação ex-ante. Existe quando a probabilidade de a regulação ex-post ser suficiente é baixa. 

Os pilaretes são feios, é um facto. Dificultam a passagem dos peões, ainda que, seguramente, menos que a existência de carros estacionados. Seria muito melhor que não tivessem de existir, se a lei, por si só, bastasse. Mas, não bastando, é melhor que a alternativa. 

Toda esta longa explicação para introduzir o tema dos arrendamentos temporários em Lisboa. Hoje tive uma conversa com uma leitora deste blog, a Vera Barros, no Facebook, em que ela se mostrava veementemente contra a possibilidade de um condomínio proibir os proprietários desse mesmo condomínio de arrendarem os seus apartamentos em regime de curta duração. Ela chegou mesmo a alegar que seria inconstitucional - era só o que faltava que alguém me viesse dizer o que é que eu posso ou não fazer com a minha propriedade. O problema é que o proprietário não se limita a arrendar a sua propriedade privada. Também arrenda o direito de passagem e usufruto das partes comuns. Também permite a possibilidade de os inquilinos fazerem barulho e perturbarem o sossego dos outros habitantes do prédio. É um falso problema, diria a Vera. As regras são claras e aplicam-se a todos: se alguém estragar alguma coisa nas partes comuns, o proprietário é responsável; se alguém fizer barulho depois das onze da noite, o mesmo. Mas como é que o proprietário que decide arrendar a curto prazo pode controlar os seus inquilinos? Pode impor-lhes uma punição, por exemplo, ficar-lhes com parte do depósito. Mas como é que isso ajuda os outros proprietários, que levaram com bêbedos a subir as escadas do prédio às 5 da manhã e a cantar o "you will never walk alone" entre sucessivos bolsares, e que se estão a lixar para as repercursões porque, uns dias depois, já estão noutro sítio qualquer (gostaria que este tivesse sido um exemplo em abstrato, mas infelizmente não é...)? Claro que o condomínio podia impor uma multa ao proprietário, se algo deste tipo acontecesse. Mas quem é que iria conseguir provar que foram aqueles inquilinos, que entretanto já bazaram? E quanto tempo demoraria a provar? E quem é que teria a paciência para isto tudo? 

O veto do condomínio não é um primeiro ótimo. Seria melhor que não tivesse de existir, tal como os pilaretes e o controlo de preços da energia. Mas parece-me que é melhor que a alternativa. 

Em Regulação, existe uma tensão permanente entre a chamada regulação ex-ante e a regulação ex-post. 

Simplificando, a regulação ex-ante diz respeito ao conjunto das regras de funcionamento de um determinado mercado regulado. Esta é uma regulação necessariamente intrusiva, na medida em que define aquilo que os intervenientes no mercado podem fazer - e, por conseguinte, aquilo que não podem fazer. A ideia da regulação ex-ante é a de impor princípios, ou regras, aos participantes de um determinado mercado - princípios sem os quais, teoricamente, o mercado não funcionaria do modo desejado (por exemplo, não seria concorrencial; ou não sera eficiente; ou não produziria resultados justos). 

A regulação ex-post intervem quando os intervenientes num determinado mercado se portam mal. Serve para punir uma determinada conduta que se acha ter efeitos negativos, por exemplo, para os consumidores. Se quisermos, a regulação ex-post intervem quando o caldo já está entornado; a regulação ex-ante obriga o cozinheiro a fazer caldo numa panela que não entorna (ou pesada o suficiente para não ser fácil entorná-la). 

E então? O que é melhor? Impor um tipo de panela ao cozinheiro - e arriscar que se imponha um modelo de panela ineficiente e ultrapassado -, ou confiar que a punição ao cozinheiro é suficiente para que ele se porte bem - e arriscar que a panela entorne à mesma, e depois seja tarde demais intervir? Depende. De tanta coisa. Olhem, para começar depende do país. A imagem abaixo explica. 

Como resolver a anormalidade crónica dos portugueses, que insistem em estacionar os automóveis em cima do passeio? Uma escola de pensamento alega que basta a lei. Está na lei que é proibido estacionar em cima do passeio. Se alguém ousar desafiar a lei, a polícia traz o reboque, o condutor fica sem carro uns dias e tem de pagar uma multa. 

Ora a lei já existe, e todos sabemos que os condutores continuam a estacionar os carros no passeio. De pouco serve a lei para defender o deficiente que num dado momento quer passar de cadeira de rodas, ou o dono de um café que não pode estender a esplanada, ou os moradores que têm de levar com a poluição visual. Ainda assim, há quem alegue que, se a ameaça de punição por alguma razão falha, é porque a punição não é severa o suficiente, ou porque a policia não faz o suficiente para apanhar os prevaricadores. Comprem-se mais reboques, ou aumente-se a multa, ou os dois. Ora a multa já é bastante alta (100 euros, se bem me lembro), e reboques, na zona onde a foto acima foi tirada. atuam dia e noite. A solução possível, neste estado de coisas, é colocar aqueles pilaretes que impedem os condutores de estacionarem os carros no passeio (ou os danificam bastante, se tentarem). É a regulação ex-ante. Existe quando a probabilidade de a regulação ex-post ser suficiente é baixa. 

Os pilaretes são feios, é um facto. Dificultam a passagem dos peões, ainda que, seguramente, menos que a existência de carros estacionados. Seria muito melhor que não tivessem de existir, se a lei, por si só, bastasse. Mas, não bastando, é melhor que a alternativa. 

Toda esta longa explicação para introduzir o tema dos arrendamentos temporários em Lisboa. Hoje tive uma conversa com uma leitora deste blog, a Vera Barros, no Facebook, em que ela se mostrava veementemente contra a possibilidade de um condomínio proibir os proprietários desse mesmo condomínio de arrendarem os seus apartamentos em regime de curta duração. Ela chegou mesmo a alegar que seria inconstitucional - era só o que faltava que alguém me viesse dizer o que é que eu posso ou não fazer com a minha propriedade. O problema é que o proprietário não se limita a arrendar a sua propriedade privada. Também arrenda o direito de passagem e usufruto das partes comuns. Também permite a possibilidade de os inquilinos fazerem barulho e perturbarem o sossego dos outros habitantes do prédio. É um falso problema, diria a Vera. As regras são claras e aplicam-se a todos: se alguém estragar alguma coisa nas partes comuns, o proprietário é responsável; se alguém fizer barulho depois das onze da noite, o mesmo. Mas como é que o proprietário que decide arrendar a curto prazo pode controlar os seus inquilinos? Pode impor-lhes uma punição, por exemplo, ficar-lhes com parte do depósito. Mas como é que isso ajuda os outros proprietários, que levaram com bêbedos a subir as escadas do prédio às 5 da manhã e a cantar o "you will never walk alone" entre sucessivos bolsares, e que se estão a lixar para as repercursões porque, uns dias depois, já estão noutro sítio qualquer (gostaria que este tivesse sido um exemplo em abstrato, mas infelizmente não é...)? Claro que o condomínio podia impor uma multa ao proprietário, se algo deste tipo acontecesse. Mas quem é que iria conseguir provar que foram aqueles inquilinos, que entretanto já bazaram? E quanto tempo demoraria a provar? E quem é que teria a paciência para isto tudo? 

O veto do condomínio não é um primeiro ótimo. Seria melhor que não tivesse de existir, tal como os pilaretes e o controlo de preços da energia. Mas parece-me que é melhor que a alternativa. 

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