Frequentemente, ouço que o povo americano é estúpido. [Não vou ser politicamente correcta, mas vocês sabem que eu não sou, normalmente.] Concordo que há pessoas estúpidas nos EUA porque as há em todo o lado; mas os Estados Unidos são um país que está construído para que até os estúpidos tenham oportunidades. É normal ir a restaurantes e serviços públicos e encontrar pessoas, que têm problemas mentais, a trabalhar. Na verdade, até quem é estúpido e quer fazer mal a outras pessoas, como quem é suspeito de terrorismo ou tem problemas mentais, pode comprar armas nos EUA. [Parece que não há mesmo maneira pacífica de mudar a lei. Terão de morrer mais umas centenas ou milhares de pessoas até que mude. O curioso é que nas sondagens de opinião pública, a maioria dos americanos apoia que haja um maior cuidado na avaliação das pessoas que querem comprar armas.] Eu própria considero que só estúpidos é que permitem que cegos, suspeitos de terrorismo, e pessoas com problemas mentais possam comprar armas sem que ninguém lhes faça grandes perguntas. Mas muitos políticos acham que pessoas como eu estão erradas [quiçá estúpidas], porque o que eu penso restringe a liberdade dessas pessoas e a liberdade é uma coisa que não tem preço.
Quando Bush II fez campanha para as presidenciais, as questões de liberdade e "estupidez" também foram invocadas, só que a questão da estupidez foi reduzida a uma questão de anti-intelectualismo. Dizia-se que Bush II não era um intelectual, era um homem com quem se podia beber uma cerveja; isso fazia dele uma pessoa com a qual a grande parte da população, que não é intelectual, se identificava. Para além disso, como os Republicanos têm muito respeitinho pela liberdade, Bush II era o Presidente ideal: um homem comum, que apreciava a liberdade. Mas foi durante a administração de Bush II que se instituiu o Patriot's Act, uma lei que não tem grande respeito pela liberdade, nem privacidade, dos americanos. E foi durante a administração do homem comum, que a economia americana, e depois a mundial, entraram em colapso e houve poucas pessoas que sentissem conforto em poder imaginar beber uma cerveja com o Presidente, enquanto o valor do portefólio dos seus investimentos caía a pique e no emprego os despediam.
Nas eleições deste ano, Donald Trump representa mais uma vez o anti-intelectual, que diz o que os americanos querem dizer, mas não podem por causa do politicamente correcto. Trump, que é um homem que tem um radar bem afinado e que muda de opinião consoante o que acha que as pessoas querem ouvir, é um forte candidato à Presidencia americana. No Washington Post, Henry Paulson, o antigo Secretário de Tesouraria do EUA e uma pessoa mais politicamente correcta do que eu, diz que, ao apoiar Trump, o GOP está a escolher o caminho do populismo e da ignorância e pede para as pessoas colocarem o país acima do partido:
"The GOP, in putting Trump at the top of the ticket, is endorsing a brand of populism rooted in ignorance, prejudice, fear and isolationism. This troubles me deeply as a Republican, but it troubles me even more as an American. Enough is enough. It’s time to put country before party and say it together: Never Trump."
~ Henry Paulson, The Washington Post
Se Trump ganhar as próximas eleições, já sei que muita gente vai dizer "Os americanos são tão estúpidos!"; aliás, nem basta ele ganhar, só o facto de ele estar na corrida é mais do que prova suficiente para muita gente, mas até os estúpidos têm direito a votar. Mas nos EUA, ainda há o Electoral College, que, supostamente, nos dá uma camada de protecção contra a estupidez do povo.
Boris Johnson, um dos líderes do movimento Brexit, tem bastantes semelhanças com Trump: ambos nasceram em Nova Iorque, têm cabelo maluco, já tiveram disputas com o IRS (Johnson reteve até recentemente a cidadania americana, para além da britânica), e mudam de opinião consoante lhes seja mais vantajoso--ele é contra o Brexit em privado, a favor em público. Antes do referendo, Johnson queria que o Reino Unido saísse da UE; depois do referendo, diz que não há pressa. Se a saída da UE fosse uma coisa claramente tão vantajosa para o Reino Unido, por que razão não sair o mais depressa possível para começar a colher os frutos da saída?
Já Nigel Farage, outro dos líderes do movimento do Brexit, diz que uma das promessas centrais feitas não será cumprida: o National Health Service não receberá os £350 milhões/semana que o Reino Unido agora envia para a União Europeia. Disse Farage que tal promessa nunca devia ter sido feita; mas foi feita e foi um argumento central para sair da UE. Por falar em movimento do Brexit, assim, de repente, ficou um movimento orfão, que ninguém quer assumir...
De acordo com uma amostragem da votação por faixa etária, 61% das pessoas com idade superior a 65 anos, que são também os que mais dependem dos serviços de saúde públicos, votaram a favor da saída, mas sendo apenas uma amostra, a sua representatividade depende da forma como foi recolhida. Se olharmos para os resultados por localidade do próprio referendo, concluímos que votar em "sair" está correlacionado com a idade dos eleitores, mas teríamos de usar métodos mais sofisticados de análise para poder medir o tamanho do efeito, controlando outros factores.
A participação no voto também é determinante, pois tradicionalmente as pessoas mais velhas participam mais em eleições do que os jovens e, com o envelhecimento da população, os jovens são uma das faixas etárias cujo peso está a diminuir, mas são também os que sofrerão mais tempo as consequências das votações. O nosso leitor Luís Barreiro (LB), que não é nada tacanho, fez uma pergunta muito pertinente num dos meus posts anteriores:
"se as pessoas que votaram a favor do brexit se criarem uma petição não terão mais 4% das assinaturas do que a petição para o remain?"
A resposta a esta pergunta é quase de certeza "Não." porque, enquanto que o referendo foi administrado por voto presencial e correio, as petições estão a ser organizadas pela Internet e o uso da Internet não é representativo da participação no voto do referendo, pois os jovens usam mais a Internet do que os idosos. Como, de acordo com a tal amostragem, os jovens até 24 anos votaram 75% a favor de ficar, e 39% dos de 65 ou mais anos votaram a favor de ficar, o rácio idosos/jovens da participação nas petições via Internet teria ser igual ao do da participação no referendo para o resultado ser o mesmo que o do referendo.
E depois também há outro aspecto, que é o da informação a priori: agora que o Brexit ganhou, as pessoas viram o pânico que se instalou e muitas delas finalmente tiveram noção de que ninguém sabe muito bem o que esperar disto, logo há quem esteja a reconsiderar o seu voto.
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Frequentemente, ouço que o povo americano é estúpido. [Não vou ser politicamente correcta, mas vocês sabem que eu não sou, normalmente.] Concordo que há pessoas estúpidas nos EUA porque as há em todo o lado; mas os Estados Unidos são um país que está construído para que até os estúpidos tenham oportunidades. É normal ir a restaurantes e serviços públicos e encontrar pessoas, que têm problemas mentais, a trabalhar. Na verdade, até quem é estúpido e quer fazer mal a outras pessoas, como quem é suspeito de terrorismo ou tem problemas mentais, pode comprar armas nos EUA. [Parece que não há mesmo maneira pacífica de mudar a lei. Terão de morrer mais umas centenas ou milhares de pessoas até que mude. O curioso é que nas sondagens de opinião pública, a maioria dos americanos apoia que haja um maior cuidado na avaliação das pessoas que querem comprar armas.] Eu própria considero que só estúpidos é que permitem que cegos, suspeitos de terrorismo, e pessoas com problemas mentais possam comprar armas sem que ninguém lhes faça grandes perguntas. Mas muitos políticos acham que pessoas como eu estão erradas [quiçá estúpidas], porque o que eu penso restringe a liberdade dessas pessoas e a liberdade é uma coisa que não tem preço.
Quando Bush II fez campanha para as presidenciais, as questões de liberdade e "estupidez" também foram invocadas, só que a questão da estupidez foi reduzida a uma questão de anti-intelectualismo. Dizia-se que Bush II não era um intelectual, era um homem com quem se podia beber uma cerveja; isso fazia dele uma pessoa com a qual a grande parte da população, que não é intelectual, se identificava. Para além disso, como os Republicanos têm muito respeitinho pela liberdade, Bush II era o Presidente ideal: um homem comum, que apreciava a liberdade. Mas foi durante a administração de Bush II que se instituiu o Patriot's Act, uma lei que não tem grande respeito pela liberdade, nem privacidade, dos americanos. E foi durante a administração do homem comum, que a economia americana, e depois a mundial, entraram em colapso e houve poucas pessoas que sentissem conforto em poder imaginar beber uma cerveja com o Presidente, enquanto o valor do portefólio dos seus investimentos caía a pique e no emprego os despediam.
Nas eleições deste ano, Donald Trump representa mais uma vez o anti-intelectual, que diz o que os americanos querem dizer, mas não podem por causa do politicamente correcto. Trump, que é um homem que tem um radar bem afinado e que muda de opinião consoante o que acha que as pessoas querem ouvir, é um forte candidato à Presidencia americana. No Washington Post, Henry Paulson, o antigo Secretário de Tesouraria do EUA e uma pessoa mais politicamente correcta do que eu, diz que, ao apoiar Trump, o GOP está a escolher o caminho do populismo e da ignorância e pede para as pessoas colocarem o país acima do partido:
"The GOP, in putting Trump at the top of the ticket, is endorsing a brand of populism rooted in ignorance, prejudice, fear and isolationism. This troubles me deeply as a Republican, but it troubles me even more as an American. Enough is enough. It’s time to put country before party and say it together: Never Trump."
~ Henry Paulson, The Washington Post
Se Trump ganhar as próximas eleições, já sei que muita gente vai dizer "Os americanos são tão estúpidos!"; aliás, nem basta ele ganhar, só o facto de ele estar na corrida é mais do que prova suficiente para muita gente, mas até os estúpidos têm direito a votar. Mas nos EUA, ainda há o Electoral College, que, supostamente, nos dá uma camada de protecção contra a estupidez do povo.
Boris Johnson, um dos líderes do movimento Brexit, tem bastantes semelhanças com Trump: ambos nasceram em Nova Iorque, têm cabelo maluco, já tiveram disputas com o IRS (Johnson reteve até recentemente a cidadania americana, para além da britânica), e mudam de opinião consoante lhes seja mais vantajoso--ele é contra o Brexit em privado, a favor em público. Antes do referendo, Johnson queria que o Reino Unido saísse da UE; depois do referendo, diz que não há pressa. Se a saída da UE fosse uma coisa claramente tão vantajosa para o Reino Unido, por que razão não sair o mais depressa possível para começar a colher os frutos da saída?
Já Nigel Farage, outro dos líderes do movimento do Brexit, diz que uma das promessas centrais feitas não será cumprida: o National Health Service não receberá os £350 milhões/semana que o Reino Unido agora envia para a União Europeia. Disse Farage que tal promessa nunca devia ter sido feita; mas foi feita e foi um argumento central para sair da UE. Por falar em movimento do Brexit, assim, de repente, ficou um movimento orfão, que ninguém quer assumir...
De acordo com uma amostragem da votação por faixa etária, 61% das pessoas com idade superior a 65 anos, que são também os que mais dependem dos serviços de saúde públicos, votaram a favor da saída, mas sendo apenas uma amostra, a sua representatividade depende da forma como foi recolhida. Se olharmos para os resultados por localidade do próprio referendo, concluímos que votar em "sair" está correlacionado com a idade dos eleitores, mas teríamos de usar métodos mais sofisticados de análise para poder medir o tamanho do efeito, controlando outros factores.
A participação no voto também é determinante, pois tradicionalmente as pessoas mais velhas participam mais em eleições do que os jovens e, com o envelhecimento da população, os jovens são uma das faixas etárias cujo peso está a diminuir, mas são também os que sofrerão mais tempo as consequências das votações. O nosso leitor Luís Barreiro (LB), que não é nada tacanho, fez uma pergunta muito pertinente num dos meus posts anteriores:
"se as pessoas que votaram a favor do brexit se criarem uma petição não terão mais 4% das assinaturas do que a petição para o remain?"
A resposta a esta pergunta é quase de certeza "Não." porque, enquanto que o referendo foi administrado por voto presencial e correio, as petições estão a ser organizadas pela Internet e o uso da Internet não é representativo da participação no voto do referendo, pois os jovens usam mais a Internet do que os idosos. Como, de acordo com a tal amostragem, os jovens até 24 anos votaram 75% a favor de ficar, e 39% dos de 65 ou mais anos votaram a favor de ficar, o rácio idosos/jovens da participação nas petições via Internet teria ser igual ao do da participação no referendo para o resultado ser o mesmo que o do referendo.
E depois também há outro aspecto, que é o da informação a priori: agora que o Brexit ganhou, as pessoas viram o pânico que se instalou e muitas delas finalmente tiveram noção de que ninguém sabe muito bem o que esperar disto, logo há quem esteja a reconsiderar o seu voto.