A Destreza das Dúvidas: O "lapsus linguae" de Schäuble

13-03-2020
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Em política, quase sempre
o que parece é. As afirmações do todo-poderoso Ministro das Finanças da
Alemanha, sugerindo que o nosso país necessitaria de um novo “programa de
assistência económica e financeira”, eufemismo no jargão económico para resgate
ou salvamento da bancarrota, logo clarificadas, pelo próprio, na condição de
não cumprirmos as regras europeias, podem bem não ter sido um mero lapso ou
falta de tacto político.

O Governo de António
Costa não se pode gabar de resultados económicos consistentes. Provavelmente
também (quase) ninguém o esperaria, sabido como é que as verdadeiras reformas
estão por fazer, na estrutura do Estado e, sobretudo, no reforço do nosso
aparelho produtivo. Portugal não pode ser um conglomerado de prestação de
serviços, na medida em que a riqueza sustentada de uma Nação assim se não
constrói. Do mesmo passo, fruto de políticas da UE e de opções erradas dos
nossos governantes, serão necessárias décadas para que Portugal seja um país
com contas equilibradas e a produzir.

Não sou economista nem
pretendo sê-lo. Mas como qualquer cidadão preocupado com o nosso futuro
colectivo e com o mínimo acesso a dados estatísticos oficiais do INE,
resultantes dos apurados em Abril de 2016 e do “Boletim Mensal de Estatística”
de Maio de 2016 (o mais recente), há factores que saltam à vista do observador
comum e que nos devem pôr em estado de alerta. Assim, o saldo altamente
positivo das nossas exportações dá sinais de abrandamento, a taxa de desemprego
cujo valor mais recente é conhecido, relativa ao primeiro trimestre de 2016, é
de 12,4%, maior em 0,2% que no semestre passado, atingindo os 11,9% no 3.º
trimestre de 2015, depois de uns desgraçados 13,7% no 1.º trimestre do mesmo
ano. As exportações diminuíram 2,5% e as importações decresceram 7,3% em termos
nominais face ao mesmo mês de 2015.

Fruto da aposta no
crescimento por via do consumo privado, a capacidade de financiamento da
economia fixou-se em 1,0% do PIB no ano terminado no 1.º trimestre de 2016,
menos 0,1% que a observada no trimestre anterior. Mas os Portugueses parecem
desconfiar – e bem –, visto que a poupança bruta aumentou 1,6%. Porém, a taxa
de poupança das famílias fixou-se em 3,5%, menos 0,8% que no trimestre
precedente, traduzindo o maior aumento do consumo privado comparativamente ao
observado no rendimento disponível. Mais: o crescimento significativo do
consumo privado foi em larga medida resultado da aquisição de bens duradouros.
Voltamos à compra de automóvel novo, ao endividamento privado.

Mas nem tudo são más
notícias: a necessidade de financiamento das Administrações Públicas diminuiu,
passando de 4,4% do PIB no ano acabado no 4.º trimestre de 2015 para 3,8%. Esta
melhoria resultou do efeito conjugado do aumento de 0,5% da receita e de uma
redução de 0,6% da despesa. Contudo, veja-se que para quem acha que Portugal
deve ser quase só um destino de turismo, em Abril de 2016, hóspedes e dormidas tiveram menor crescimento e
as dormidas do mercado interno
encontram-se em desaceleração. Apesar disso, e estando em “exílio dourado” o
responsável pelo “brutal aumento de impostos”, em 2015, a carga fiscal
aumentou 4,4%, após o crescimento de 2,1% observado em 2014, correspondendo a
cerca de 34,5% do PIB.

Advertia Chateaubriand
que “a ambição de quem não tem capacidade é um crime”. Por seu turno, em “Maquiavel
em Democracia”, o experiente Edouard Balladur escreve: “o político deve falar e
agir de forma que o povo acredite, (…) convencido da sua sinceridade, confie na
sua palavra”. Será que o actual Governo o está a fazer? Descontada a evidente
“docilização” da verdade estudada por agências de comunicação e imagem e
batalhões de inefáveis assessores, o que passa é uma festa constante, de um
entusiasmo quase transbordante, com um PR que, cumprindo a sua missão, puxa
pelo país, de um Estado que vibra com a selecção nacional e que, naturalmente
cansado de um ano de trabalho, anseia pela silly
season. E, entretanto, a economia nunca deixa de mover-se.

Voltando a Schäuble,
parecem evidentes as tendências expansionistas (do prisma económico-financeiro)
da Alemanha, as quais vêm já de pouco depois do pós-Guerra. O Brexit está a dar uma ajuda e os
pintainhos assustados procuram refúgio nas amplas saias de Merkel, por isso
chamada pelo seu povo die Mutter (a Mãe). Será este um dos primeiros
sinais de que os germânicos nada aprenderam com a lição britânica e que não
percebem que uma União de directórios apenas, sejam eles de que latitudes, são
mesmo o princípio do fim deste projecto? A tragédia grega, que tanto insufla a
cultura europeia, não acaba naquele país. Alastra-se: para uns, por
incapacidade governativa e por anomia dos seus cidadãos; para outros, por uma
irreprimível vontade de mando que, a longo prazo, também a estes mata.

É ingénuo acreditar que Schäuble
tenha tido um lapsus linguae.
Limitou-se a espelhar o que a maioria do “núcleo duro” pensa dos Estados
periféricos: vamos concentrar-nos no filet
mignon e deixar cair os gordurosos do Sul. Se assim for, a visão do
Ministro ainda é mais pequena do que o conhecido. Se Portugal fosse um coelho,
provavelmente morreria atropelado a dez metros de Schäuble.

Em política, quase sempre
o que parece é. As afirmações do todo-poderoso Ministro das Finanças da
Alemanha, sugerindo que o nosso país necessitaria de um novo “programa de
assistência económica e financeira”, eufemismo no jargão económico para resgate
ou salvamento da bancarrota, logo clarificadas, pelo próprio, na condição de
não cumprirmos as regras europeias, podem bem não ter sido um mero lapso ou
falta de tacto político.

O Governo de António
Costa não se pode gabar de resultados económicos consistentes. Provavelmente
também (quase) ninguém o esperaria, sabido como é que as verdadeiras reformas
estão por fazer, na estrutura do Estado e, sobretudo, no reforço do nosso
aparelho produtivo. Portugal não pode ser um conglomerado de prestação de
serviços, na medida em que a riqueza sustentada de uma Nação assim se não
constrói. Do mesmo passo, fruto de políticas da UE e de opções erradas dos
nossos governantes, serão necessárias décadas para que Portugal seja um país
com contas equilibradas e a produzir.

Não sou economista nem
pretendo sê-lo. Mas como qualquer cidadão preocupado com o nosso futuro
colectivo e com o mínimo acesso a dados estatísticos oficiais do INE,
resultantes dos apurados em Abril de 2016 e do “Boletim Mensal de Estatística”
de Maio de 2016 (o mais recente), há factores que saltam à vista do observador
comum e que nos devem pôr em estado de alerta. Assim, o saldo altamente
positivo das nossas exportações dá sinais de abrandamento, a taxa de desemprego
cujo valor mais recente é conhecido, relativa ao primeiro trimestre de 2016, é
de 12,4%, maior em 0,2% que no semestre passado, atingindo os 11,9% no 3.º
trimestre de 2015, depois de uns desgraçados 13,7% no 1.º trimestre do mesmo
ano. As exportações diminuíram 2,5% e as importações decresceram 7,3% em termos
nominais face ao mesmo mês de 2015.

Fruto da aposta no
crescimento por via do consumo privado, a capacidade de financiamento da
economia fixou-se em 1,0% do PIB no ano terminado no 1.º trimestre de 2016,
menos 0,1% que a observada no trimestre anterior. Mas os Portugueses parecem
desconfiar – e bem –, visto que a poupança bruta aumentou 1,6%. Porém, a taxa
de poupança das famílias fixou-se em 3,5%, menos 0,8% que no trimestre
precedente, traduzindo o maior aumento do consumo privado comparativamente ao
observado no rendimento disponível. Mais: o crescimento significativo do
consumo privado foi em larga medida resultado da aquisição de bens duradouros.
Voltamos à compra de automóvel novo, ao endividamento privado.

Mas nem tudo são más
notícias: a necessidade de financiamento das Administrações Públicas diminuiu,
passando de 4,4% do PIB no ano acabado no 4.º trimestre de 2015 para 3,8%. Esta
melhoria resultou do efeito conjugado do aumento de 0,5% da receita e de uma
redução de 0,6% da despesa. Contudo, veja-se que para quem acha que Portugal
deve ser quase só um destino de turismo, em Abril de 2016, hóspedes e dormidas tiveram menor crescimento e
as dormidas do mercado interno
encontram-se em desaceleração. Apesar disso, e estando em “exílio dourado” o
responsável pelo “brutal aumento de impostos”, em 2015, a carga fiscal
aumentou 4,4%, após o crescimento de 2,1% observado em 2014, correspondendo a
cerca de 34,5% do PIB.

Advertia Chateaubriand
que “a ambição de quem não tem capacidade é um crime”. Por seu turno, em “Maquiavel
em Democracia”, o experiente Edouard Balladur escreve: “o político deve falar e
agir de forma que o povo acredite, (…) convencido da sua sinceridade, confie na
sua palavra”. Será que o actual Governo o está a fazer? Descontada a evidente
“docilização” da verdade estudada por agências de comunicação e imagem e
batalhões de inefáveis assessores, o que passa é uma festa constante, de um
entusiasmo quase transbordante, com um PR que, cumprindo a sua missão, puxa
pelo país, de um Estado que vibra com a selecção nacional e que, naturalmente
cansado de um ano de trabalho, anseia pela silly
season. E, entretanto, a economia nunca deixa de mover-se.

Voltando a Schäuble,
parecem evidentes as tendências expansionistas (do prisma económico-financeiro)
da Alemanha, as quais vêm já de pouco depois do pós-Guerra. O Brexit está a dar uma ajuda e os
pintainhos assustados procuram refúgio nas amplas saias de Merkel, por isso
chamada pelo seu povo die Mutter (a Mãe). Será este um dos primeiros
sinais de que os germânicos nada aprenderam com a lição britânica e que não
percebem que uma União de directórios apenas, sejam eles de que latitudes, são
mesmo o princípio do fim deste projecto? A tragédia grega, que tanto insufla a
cultura europeia, não acaba naquele país. Alastra-se: para uns, por
incapacidade governativa e por anomia dos seus cidadãos; para outros, por uma
irreprimível vontade de mando que, a longo prazo, também a estes mata.

É ingénuo acreditar que Schäuble
tenha tido um lapsus linguae.
Limitou-se a espelhar o que a maioria do “núcleo duro” pensa dos Estados
periféricos: vamos concentrar-nos no filet
mignon e deixar cair os gordurosos do Sul. Se assim for, a visão do
Ministro ainda é mais pequena do que o conhecido. Se Portugal fosse um coelho,
provavelmente morreria atropelado a dez metros de Schäuble.

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