portugal dos pequeninos

27-12-2019
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Com aquela beatitude ignorante e a costumeira hipocrisia de circunstância, o regime prepara a transladação do corpo de Jorge de Sena para Portugal. Esta semana, em nome de uma coisa que não existe chamada ministério da cultura, Pinto Ribeiro e o sr. Couto, da Biblioteca Nacional, assinaram umas papeletas que resumiram a entrega do "espólio" do escritor, poeta, engenheiro (de verdade) e ensaísta à dita instituição, tudo devidamente acompanhado pela exposição da praxe. Sena já tinha sido maltratado pelo "fascismo". E o regime do "25 de Abril" a que, para felicidade dele, pouco mais sobreviveu não fez melhor. A "academia" - a mesma e os seus nefastos "herdeiros" que agora derramam lágrimas de crocodilo - nunca suportaram o homem. Um engenheiro não podia, por acaso ou exemplo, ser um grande camonista. Como em tudo neste país, tudo tem donos. E os donos não abdicam das suas pequeninas trelas, das suas capelinhas, dos seus cortesãos. Sena voltou a Portugal para o "10 de Junho" de 1977, a convite de Eanes, e fez o melhor discurso até hoje proferido nessas tétricas comemorações. Desfez-nos, como lhe competia, e deu-nos um Camões humano e sofrido como só um emigrante altivo e solitário como ele nos podia ter fornecido. Não admira, pois, que Sena seja o poeta deste versos,Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.Nem minha amada, porque é só madrasta.Nem pátria minha, porque eu não mereçoa pouca sorte de nascido nela.Nada me prende ou liga a uma baixeza tantaquanto esse arroto de passadas glórias.Amigos meus mais caros tenho nela,saudosamente nela, mas amigos sãopor serem meus amigos, e mais nadae o escritor desta prosa:«[A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja em si, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua.»


Com aquela beatitude ignorante e a costumeira hipocrisia de circunstância, o regime prepara a transladação do corpo de Jorge de Sena para Portugal. Esta semana, em nome de uma coisa que não existe chamada ministério da cultura, Pinto Ribeiro e o sr. Couto, da Biblioteca Nacional, assinaram umas papeletas que resumiram a entrega do "espólio" do escritor, poeta, engenheiro (de verdade) e ensaísta à dita instituição, tudo devidamente acompanhado pela exposição da praxe. Sena já tinha sido maltratado pelo "fascismo". E o regime do "25 de Abril" a que, para felicidade dele, pouco mais sobreviveu não fez melhor. A "academia" - a mesma e os seus nefastos "herdeiros" que agora derramam lágrimas de crocodilo - nunca suportaram o homem. Um engenheiro não podia, por acaso ou exemplo, ser um grande camonista. Como em tudo neste país, tudo tem donos. E os donos não abdicam das suas pequeninas trelas, das suas capelinhas, dos seus cortesãos. Sena voltou a Portugal para o "10 de Junho" de 1977, a convite de Eanes, e fez o melhor discurso até hoje proferido nessas tétricas comemorações. Desfez-nos, como lhe competia, e deu-nos um Camões humano e sofrido como só um emigrante altivo e solitário como ele nos podia ter fornecido. Não admira, pois, que Sena seja o poeta deste versos,Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.Nem minha amada, porque é só madrasta.Nem pátria minha, porque eu não mereçoa pouca sorte de nascido nela.Nada me prende ou liga a uma baixeza tantaquanto esse arroto de passadas glórias.Amigos meus mais caros tenho nela,saudosamente nela, mas amigos sãopor serem meus amigos, e mais nadae o escritor desta prosa:«[A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja em si, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua.»

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