portugal dos pequeninos: EPIFANIA DO ÊXITO E DO FRACASSO

15-12-2019
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Estava a almoçar - sardinhas assadas - com uma amiga que me perguntou o que queria dizer a expressão x em latim. O sobrinho, de vinte e tal anos, andava a ler qualquer coisa do José Luís Peixoto e deparou-se-lhe a latinada. E, diz-me ela, não passa dali enquanto tudo não for bem explicadinho. Com Braga por fundo da conversa, ocorreu-me que ao moço talvez não fizesse mal a leitura do "Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor", do Pacheco, o verdadeiro, o Luíz. Todavia, que sentido fará para um adolescente de vinte e poucos anos um Pacheco vintage, princípio dos anos sessenta, do "ala para angola é nossa"? Nenhum, porventura. E, no entanto, esse impromtu literário, escrito em Braga, a "16 ou 17 de Outubro, 1961", é, não no sentido piroso do termo, um marco. Delirante, inverosímil, impossível, escabroso, improvável e verdadeiro, porém, um marco. Os parágrafos finais são uma pequena epifania do êxito e do fracasso, em forma de magala, de um prazer por vir. Pacheco faz sempre sentido mesmo quando, apenas em aparência, não faz sentido algum. "Como a Natureza previu todas as nossas fraquezas e ausências, dotou-nos também com outro caralho para o cu detrás. Meto o dedo (médio?) todo no cu, bato a punheta. E a ejaculação, forte porque há dias que estou sem deitar nada cá para fora, dá-me contracções no esfíncter. Gozadíssimas. Venho-me imenso. Estou cada vez mais excitado. Cada passo na escada julgo que é o António que vem e me penetra e me obriga a chupar-lhe o delicioso caralho que não vi. Escândalo. Tribunal Militar. Vergonha. Filhos a saberem tudo. Loucura. Suicídio. Tomo meio Calmax. A pouco e pouco a corda vai-se aligeirando, estou melhor. Mas que vontade de ter pecado. De pecar. Como assim: de viver. Descubro que o êxito e o fracasso são uma e a mesma cadeia e em tudo. O êxito para cima, o fracasso para baixo, e quando digo baixo digo baixo: sujidões, dívidas, vergonhas, podridão, loucura. Mas o que torna tudo igual é que ambas as cadeias se encontram, nada a fazer, meus caros, daqui a cem anos ninguém se lembra. E a nossa lição-abjecção a quem aproveitará? Já tanto faz. Tanto nos faz."


Estava a almoçar - sardinhas assadas - com uma amiga que me perguntou o que queria dizer a expressão x em latim. O sobrinho, de vinte e tal anos, andava a ler qualquer coisa do José Luís Peixoto e deparou-se-lhe a latinada. E, diz-me ela, não passa dali enquanto tudo não for bem explicadinho. Com Braga por fundo da conversa, ocorreu-me que ao moço talvez não fizesse mal a leitura do "Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor", do Pacheco, o verdadeiro, o Luíz. Todavia, que sentido fará para um adolescente de vinte e poucos anos um Pacheco vintage, princípio dos anos sessenta, do "ala para angola é nossa"? Nenhum, porventura. E, no entanto, esse impromtu literário, escrito em Braga, a "16 ou 17 de Outubro, 1961", é, não no sentido piroso do termo, um marco. Delirante, inverosímil, impossível, escabroso, improvável e verdadeiro, porém, um marco. Os parágrafos finais são uma pequena epifania do êxito e do fracasso, em forma de magala, de um prazer por vir. Pacheco faz sempre sentido mesmo quando, apenas em aparência, não faz sentido algum. "Como a Natureza previu todas as nossas fraquezas e ausências, dotou-nos também com outro caralho para o cu detrás. Meto o dedo (médio?) todo no cu, bato a punheta. E a ejaculação, forte porque há dias que estou sem deitar nada cá para fora, dá-me contracções no esfíncter. Gozadíssimas. Venho-me imenso. Estou cada vez mais excitado. Cada passo na escada julgo que é o António que vem e me penetra e me obriga a chupar-lhe o delicioso caralho que não vi. Escândalo. Tribunal Militar. Vergonha. Filhos a saberem tudo. Loucura. Suicídio. Tomo meio Calmax. A pouco e pouco a corda vai-se aligeirando, estou melhor. Mas que vontade de ter pecado. De pecar. Como assim: de viver. Descubro que o êxito e o fracasso são uma e a mesma cadeia e em tudo. O êxito para cima, o fracasso para baixo, e quando digo baixo digo baixo: sujidões, dívidas, vergonhas, podridão, loucura. Mas o que torna tudo igual é que ambas as cadeias se encontram, nada a fazer, meus caros, daqui a cem anos ninguém se lembra. E a nossa lição-abjecção a quem aproveitará? Já tanto faz. Tanto nos faz."

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