"Se me tivessem dado ouvidos se calhar o BES ainda existia": as reações à acusação do MP

15-07-2020
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O antigo administrador do Banco Espírito Santo, José Maria Ricciardi, considera que foi premonitório na análise à situação do BES e diz que se tivesse sido ouvido o banco poderia ainda existir. “As iniciativas que empreendi, nomeadamente naquela altura de 2013 e 2014, para alterar a governance do BES, aconteceram porque não havia nessa governance qualquer escrutínio, havia um poder absoluto”, afirmou, em declarações à Rádio Observador, que pode ouvir aqui.

Propus o afastamento do dr. Ricardo Salgado e tinha toda a razão de ser, ao contrário dos comentários que ouvi na altura. Diziam que era incompreensível, etc. Tinha toda a razão. Se me tivessem dado ouvidos em 2013 se calhar o BES ainda existia“.

O antigo administrador do banco apontou ainda: “Ele obviamente não se demitia porque tinha que esconder aquilo que estamos a ver. Na altura fui muito criticado e tentou-se vender a ideia que queria o lugar dele, não era nada disso. Na altura, nem nos piores cenários alguma vez imaginei a extensão e gravidade das fraudes e crimes praticados e dos prejuízos causados a terceiros, nomeadamente aos lesados do Banco Espírito Santo. Se soubesse, ainda teria tentado ser mais incisivo e atuante naquilo que tentei fazer para evitar o colapso”.

José Maria Ricciardi diz que não foi bem sucedido nas tentativas de afastar Ricardo Salgado da liderança do banco “porque os acionistas na altura não quiseram dar ouvidos”. Mas “houve muita gente, não foram só os acionistas que não quiseram dar ouvidos”.

Para o antigo banqueiro, “podia ter-se evitado grande parte desta hecatombe que se deu num dos principais grupos económicos, com 150 anos de vida e com uma reputação extraordinária até à chegada do dr. Ricardo Salgado — e no país, que sofreu muito com isto”.

Ricciardi aproveitou ainda “para responder” a alguns críticos, que lhe perguntam como “não se apercebia disto estando lá dentro”. O antigo banqueiro apontou: “Para apurar isto foram precisos seis anos e uma equipa completa do Ministério do Público com o Banco de Portugal, a CMVM e Autoridade Tributária, com capacidades investigatórias que nunca poderia ter, nomeadamente no exterior, fora de Portugal. Eu é que conseguia apurar como simples administrador do banco? Por amor de Deus, tenham vergonha.”

Sobre o processo e as fases percorridas até esta acusação, José Maria Ricciardi apontou: “Acho que o trabalho foi feito é extraordinário. As pessoas têm de ter consciência que estes crimes económicos são extremamente complexos, feitos com grande engenharia financeira e às vezes com advogados e outro tipo de experts eficazes e sofisticados. São feitos muitas vezes em jurisdições como o Panamá, Ilhas Virgens Britânicas, Suíça, Luxemburgo, Dubai, onde for…”

Quando a complexidade é desta natureza, é extremamente difícil, por isso acho notável o trabalho que se fez. Portugal, infelizmente, pelas suas limitações orçamentais, não tem os meios humanos e materiais se calhar necessários para conseguir ser mais rápido em processos desta dimensão e complexidade”, referiu ainda.

Lembrando que foi “testemunha deste processo” e também “da Operação Marquês”, o economista acrescentou: “Se vai demorar muito tempo? Temos o Código de Processo Penal que temos, as leis que temos. Os acusados têm todo o direito à sua defesa, se isto vai demorar muito tempo… espero que o país possa gradualmente conceder mais meios humanos e materiais não só aos magistrados e Ministério Público mas também aos juízes, para que estes processos possam não demorar tanto tempo. E, já agora, aproveito para desejar que essas pessoas sejam devidamente recompensadas e pagas pelo trabalho gigantesco que fazem”.

Lesados exigem recuperação total do dinheiro e indemnização por dados morais

Quem também já reagiu foi o advogado Nuno da Silva Vieira, que representa grande parte dos lesados do BES. A acusação é “uma boa notícia”, chega sem surpresas e, ao mesmo tempo, é mais um passo para atingir o objetivo de recuperacão total do dinheiro. A defesa dos ex-clientes do Banco Espírito Santo exige ainda compensações para fazer face aos danos morais causados aos envolvidos.

Nuno da Silva Vieira antecipa ainda, em declarações à Rádio Observador, que serão conhecidos outros arguidos no processo, sem nomear.

Sistema “não está preparado” para lidar com um processo destes

Já o presidente da Associação Sindical dos juízes, Manuel Soares, diz que os tribunais não estão preparados para lidar com um caso com tantos arguidos, como acontece neste processo. Também à Rádio Observador, Manuel Soares diz mesmo que “nenhum país está preparado”.

Manuel Soares não vê, por isso, que seja possível haver um desfecho deste processo em poucos anos.

Negrão (PSD) considera que tribunais portugueses “não estão preparados” para estes processos

Nas reações políticas, para Fernando Negrão, deputado do PSD que presidiu à Comissão Parlamentar de Inquérito ao GES, o desfecho do processo e das acusações a 25 arguidos no âmbito do inquérito à deterioração do Universo Espírito Santo — reveladas esta terça-feira pelo Ministério Público —, deverá demorar: “Tenho a convicção que levará muitos anos”. A dimensão do processo é um dos motivos, mas não o único: “Acho que os tribunais portugueses ainda não estão preparados para processos desta dimensão”, referiu ainda em declarações à Rádio Observador, vincando que a supervisão “não funcionou nos moldes em que deveria ter funcionado”.

Pode ouvir aqui as declarações de Fernando Negrão à Rádio Observador:

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, que se dedicou a investigar a a queda do Banco Espírito Santo, lembrou que falta ainda “a prova que será levada ao processo pelos arguidos e pelas suas defesas”. E recordou ainda que as conclusões da CPI “foram muito críticas para o governador do Banco de Portugal”, porque na supervisão à situação do banco “houve muitas hesitações, houve perda de tempo e perda de oportunidades para que muitos portugueses não tivessem sofrido como sofreram, com a perda das suas economias”.

Face às conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, que, lembra Fernando Negrão, “é um instrumento que o Parlamento tem para dar uma primeira resposta a um caso de grande gravidade, e este caso afigurou-se e continua a afigurar-se como um caso de enorme gravidade”, a guerra judicial a que agora se começa a assistir “era inevitável”:

Essa guerra judicial era inevitável, diria, da minha experiência, face à revelação de muitos factos durante a Comissão de Inquérito. Agora, a Comissão de Inquérito não faz prova, não tem essa competência, a prova está a ser feita agora nos tribunais. O Ministério Público apresentou a sua, agora veremos a prova que vem a seguir da defesa dos arguidos”, notou.

O deputado do PSD destacou ainda um momento da CPI que, defende, deveria ter sido visto à época pelos supervisores — isto é, Banco de Portugal — como alarmante. “O BdP não obrigou, se é que podia obrigar, o BES, na altura, a deixar que entrasse dinheiro disponível para os bancos. O BES nunca o aceitou. Todos sabemos porque nunca aceitou, nunca aceitou porque já teria problemas e não queria que eles fossem revelados”.

Para Fernando Negrão, fica uma dúvida: “O mais grave é porque é que deixaram que o Banco Espírito Santo ficasse de fora do espectro financeiro dos bancos que receberam dinheiro, que estava disponível a todos os bancos? Foi o único que não quis esse dinheiro que estava disponível para a sua gestão. Isso foi o grande erro, do banco e do Banco de Portugal por não ter tomado as medidas necessárias para que isso tivesse acontecido”.

Quanto a eventuais implicações políticas do processo e desta acusação, Fernando Negrão respondeu: “Acho que em termos políticos vamos ter aqui implicações grandes daquilo que é o funcionaneto da supervisão do Banco de Portugal — e isto é política. Quem nomeia o governador do BdP são os políticos, quem define as regras de funcionamento do Banco de Portugal são os políticos, portanto o primeiro embate diria que tem a ver com o funcionamento do Banco de Portugal, principalmente na área da supervisão. Embora a supervisão hoje esteja dividida entre o BdP e instâncias europeias. Depois, no decorrer do processo podem surgir factos que impliquem figuras ligadas à política ou não. Veremos”.

O que o antigo presidente da CPI ao BES pretende é que este “seja um julgamento justo para todos: para a defesa dos interesses daqueles que querem que seja feita justiça para eles próprios mas também que seja justo no sentido de que as práticas ilegais sejam devidamente punidas”.

Mariana Mortágua: “É importante até para credibilizar o sistema”

Quem também já comentou as acusações foi Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda que esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do BES e do grupo GES. “Acho muito importante que se tenha conseguido chegar a uma acusação, não quer dizer que depois o julgamento não demore muito tempo mas é importante até para credibilizar o sistema”, apontou.

Pode ouvir aqui as declarações de Mariana Mortágua à Rádio Observador.

Aquilo que se encontrou e os factos que a Comissão Parlamentar de Inquérito permitiu revelar, e que a comunicação social também foi dando conta, são muito graves. Obviamente mereciam e devem estar refletidos no processo judicial, portanto fico satisfeita que finalmente tenha saído esta acusação”, referiu ainda.

Recordando aquilo que foi a Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do banco e do grupo, Mariana Mortágua assumiu que foram encontrados indícios de vários crimes durante as audições. “Ao abrir o grupo BES e ao perceber o que estava por dentro do grupo BES e do grupo GES, encontrámos exemplos daquelas que na verdade são as práticas reiteradas em muitos dos negócios que hoje encontramos”, defendeu.

De seguida, a deputada do BE detalhou os índicios que a Comissão Parlamentar de Inquérito encontrou. “Encontrámos a [ligação à] construção — e toda a corrupção durante muitos anos em Portugal esteve associada ao negócio da construção; encontrámos Angola e a forma como Angola serviu para enriquecer personalidades ligadas ao regime para dar lucros aos bancos portugueses mas também para lavar dinheiro; encontrámos os offshores e como foram usados para esquemas de financiamento ilícito, circulação de fundos ou manipulação de contabilidade”.

Encontrámos também as guerras de acionistas que acabaram por envolver as maiores empresas portuguesas, muitas delas privatizadas, guerras acionistas essas que foram motivadas pelos lucros que essas empresas davam, como é o caso da PT e que depois deu origem àquela relação entre Zeinal Beival e Ricardo Salgado”, apontou Mortágua.

A comissão parlamentar foi útil, desde logo, porque “serviu não só para levantar o véu sobre aquilo que, penso eu, serão algumas das acusações refletidas neste processo judicial, mas também para levantar o véu sobre muitas práticas que acredito que ainda hoje continuam a persistir no sistema económico e que acabam por ser pouco faladas ou ter grande complacência, porque são práticas consideradas normais ou que exploram a linha entre o legítimo e ilegítimo — e nem sempre são muito fáceis de descortinar depois”.

Defende que Ricardo Salgado é “o expoente máximo” destes crimes e práticas “porque era a figura máxima do regime e do sistema económica, uma figura incontestada durante décadas — porque representava poder económico”, a deputada bloquista lembra outros casos dos últimos anos: “Olhamos para o Banif e o que encontramos? Olhamos para o BCP e o que encontramos? Olhamos para o BPP, para o BPN, para a Caixa Geral de Depósitos, para a Portugal Telecom, para a EDP e o que encontramos nas grandes empresas e nas formas como foram geridas? E o que encontramos nestes gestores de topo, que nos foi dito que representavam o melhor do capitalismo português pós-privatizações, porque era altura de trazer pessoas profissionais para gerir empresas que eram públicas e entretanto se tornaram privadas?”.

Temos uma geração de gestores que vai de [Zeinal] Bava a [António] Mexia com imensas ligações entre o poder político e o poder privado, que alimentam as portas giratórias, com negócios muito obscuros que favorecem às vezes os acionistas privados e às vezes os próprios bolsos… Insisto que há um problema de sistema, que não é só português”, defendeu.

Mariana Mortágua rebateu ainda a ideia “de que não houve lesados” neste caso: “As provas que temos são imensas e todos os lesados são lesados do Ricardo Salgado e são legados do BES. O grupo GES só não ruiu antes porque estava assente em fraude, porque há muito que havia contabilidade criativa, que fraudes e negócios obscuros alimentavam aquele polvo de dimensões gigantescas. O país é lesado de Ricardo Salgado. Não só os lesados do BES perderam as suas poupanças como ainda estamos todos a pagar os desvarios desses tempos, alguns por crime, outros simplesmente por uma economia completamente insustentável”.

Miguel Tiago (PCP): “É estranho que o BdP tenha deixado chegar ao ponto que chegou”

O antigo deputado do PCP Miguel Tiago, que participou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), afirmou em declarações à Rádio Observador que “durante as audições da Comissão Parlamentar de Inquérito, algumas delas até à porta fechada, ficou claro que Ricardo Salgado deu orientações para falsificar as contas da holding. Sei que não ficou patente porque a transmissão dessa audição não foi realizada mas isso foi dito e o PCP até requereu documento em que supostamente a assinatura de Ricardo Salgado constaria”.

É perfeitamente plausível que tenha existido uma pressão da parte da administração, nomeadamente do Ricardo Salgado para falsificar as contas da ESI — Espírito Santo Internacional Holding —, enfim, para esconder um passivo e poder continuar a colocar dívida”, referiu.

Para Miguel Tiago, porém, ” o que é mais chocante é que mesmo depois de vários avisos da CMVM, o Banco de Portugal tenha continuado a permitir que Ricardo Salgado, apesar de todas as desconfianças que já vinham surgindo, tenha continuado a permitir que não só a ESI continuasse a colocar dívida através da parte não financeira do grupo junto dos balcões do BES como que tenha autorizado o empréstimo de 3,8 mil milhões de euros, se não estou em erro, em Angola, no BESA”.

É claro que há uma atuação de Ricardo Salgado com vista a manter um desequilíbrio que vinha de há muitos anos, dentro do BES. O que é estranho é que o Banco de Portugal tenha deixado chegar ao ponto a que chegou sabendo tudo o que se passava dentro do BES”, vincou.

O antigo deputado comunista, que entretanto saiu do Parlamento, disse ainda: “Não temos acesso a todos os documentos do Ministério Público mas uma boa parte daquilo que até hoje vem a público é perfeitamente plausível daquilo que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pôde apurar. A CPI fez depois um relatório aprovado por praticamente todas as forças políticas, com uma abstenção julgo eu do BE e um voto contra do PCP, em que culpava o Ricardo Salgado por todos os problemas do banco como se não houvesse mais ninguém envolvido e como se o Banco de Portugal não soubesse absolutamente nada do que se passava”.

Para Miguel Tiago, já nas audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do banco e do grupo Espírito Santo foi possível concluir que ” foram cometidos crimes dentro do BES, junto dos clientes do BES e das suas sucursais. Os clientes foram lesados e o Banco de Portugal atuou da pior maneira, mentindo aos portugueses sobre o valor da resolução, não querendo nacionalizar o banco ou o grupo Espírito Santo”. Miguel Tiago considera ainda que “o ministério das Finanças daquela altura optou por encobrir todos esses problemas, para gastar o mínimo possível, varrendo para debaixo do tapete os problemas do BES”.

Pode ouvir aqui as declarações de Miguel Tiago à Rádio Observador.

O antigo deputado comunista defende que “o Banco de Portugal não atuou nem antes do problema, nem atuou corretamente perante o problema”. Miguel Tiago recorda que “o GES era um universo de empresas que girava em torno do BES, que se endividava no BES, que já só consumia crédito no seu próprio banco — todos os outros bancos negavam-se já a dar créditos ao GES”.

Tudo apontava, diz Miguel Tiago, “para estarmos perante um monopólio alimentado por um banco e que isso a qualquer momento poderia fazer rebentar o próprio banco. O Banco de Portugal nunca atuou, em nenhum momento. Atuou precisamente no momento crítico depois, relembro, de ter autorizado uma transferência de mais de metade do capital do BES para Angola. Não tem nenhum cabimento nas regras da regulação e supervisão bancária, dado que os bancos não podem comprometer, julgo, mais de metade do seu capital bancário com um empréstimo específico. Foi exatamente o que se passou. O Banco de Portugal foi complacente”.

Artigo atualizado com reações de advogado de lesados do BES e do presidente da Associação Sindical dos Juízes

O antigo administrador do Banco Espírito Santo, José Maria Ricciardi, considera que foi premonitório na análise à situação do BES e diz que se tivesse sido ouvido o banco poderia ainda existir. “As iniciativas que empreendi, nomeadamente naquela altura de 2013 e 2014, para alterar a governance do BES, aconteceram porque não havia nessa governance qualquer escrutínio, havia um poder absoluto”, afirmou, em declarações à Rádio Observador, que pode ouvir aqui.

Propus o afastamento do dr. Ricardo Salgado e tinha toda a razão de ser, ao contrário dos comentários que ouvi na altura. Diziam que era incompreensível, etc. Tinha toda a razão. Se me tivessem dado ouvidos em 2013 se calhar o BES ainda existia“.

O antigo administrador do banco apontou ainda: “Ele obviamente não se demitia porque tinha que esconder aquilo que estamos a ver. Na altura fui muito criticado e tentou-se vender a ideia que queria o lugar dele, não era nada disso. Na altura, nem nos piores cenários alguma vez imaginei a extensão e gravidade das fraudes e crimes praticados e dos prejuízos causados a terceiros, nomeadamente aos lesados do Banco Espírito Santo. Se soubesse, ainda teria tentado ser mais incisivo e atuante naquilo que tentei fazer para evitar o colapso”.

José Maria Ricciardi diz que não foi bem sucedido nas tentativas de afastar Ricardo Salgado da liderança do banco “porque os acionistas na altura não quiseram dar ouvidos”. Mas “houve muita gente, não foram só os acionistas que não quiseram dar ouvidos”.

Para o antigo banqueiro, “podia ter-se evitado grande parte desta hecatombe que se deu num dos principais grupos económicos, com 150 anos de vida e com uma reputação extraordinária até à chegada do dr. Ricardo Salgado — e no país, que sofreu muito com isto”.

Ricciardi aproveitou ainda “para responder” a alguns críticos, que lhe perguntam como “não se apercebia disto estando lá dentro”. O antigo banqueiro apontou: “Para apurar isto foram precisos seis anos e uma equipa completa do Ministério do Público com o Banco de Portugal, a CMVM e Autoridade Tributária, com capacidades investigatórias que nunca poderia ter, nomeadamente no exterior, fora de Portugal. Eu é que conseguia apurar como simples administrador do banco? Por amor de Deus, tenham vergonha.”

Sobre o processo e as fases percorridas até esta acusação, José Maria Ricciardi apontou: “Acho que o trabalho foi feito é extraordinário. As pessoas têm de ter consciência que estes crimes económicos são extremamente complexos, feitos com grande engenharia financeira e às vezes com advogados e outro tipo de experts eficazes e sofisticados. São feitos muitas vezes em jurisdições como o Panamá, Ilhas Virgens Britânicas, Suíça, Luxemburgo, Dubai, onde for…”

Quando a complexidade é desta natureza, é extremamente difícil, por isso acho notável o trabalho que se fez. Portugal, infelizmente, pelas suas limitações orçamentais, não tem os meios humanos e materiais se calhar necessários para conseguir ser mais rápido em processos desta dimensão e complexidade”, referiu ainda.

Lembrando que foi “testemunha deste processo” e também “da Operação Marquês”, o economista acrescentou: “Se vai demorar muito tempo? Temos o Código de Processo Penal que temos, as leis que temos. Os acusados têm todo o direito à sua defesa, se isto vai demorar muito tempo… espero que o país possa gradualmente conceder mais meios humanos e materiais não só aos magistrados e Ministério Público mas também aos juízes, para que estes processos possam não demorar tanto tempo. E, já agora, aproveito para desejar que essas pessoas sejam devidamente recompensadas e pagas pelo trabalho gigantesco que fazem”.

Lesados exigem recuperação total do dinheiro e indemnização por dados morais

Quem também já reagiu foi o advogado Nuno da Silva Vieira, que representa grande parte dos lesados do BES. A acusação é “uma boa notícia”, chega sem surpresas e, ao mesmo tempo, é mais um passo para atingir o objetivo de recuperacão total do dinheiro. A defesa dos ex-clientes do Banco Espírito Santo exige ainda compensações para fazer face aos danos morais causados aos envolvidos.

Nuno da Silva Vieira antecipa ainda, em declarações à Rádio Observador, que serão conhecidos outros arguidos no processo, sem nomear.

Sistema “não está preparado” para lidar com um processo destes

Já o presidente da Associação Sindical dos juízes, Manuel Soares, diz que os tribunais não estão preparados para lidar com um caso com tantos arguidos, como acontece neste processo. Também à Rádio Observador, Manuel Soares diz mesmo que “nenhum país está preparado”.

Manuel Soares não vê, por isso, que seja possível haver um desfecho deste processo em poucos anos.

Negrão (PSD) considera que tribunais portugueses “não estão preparados” para estes processos

Nas reações políticas, para Fernando Negrão, deputado do PSD que presidiu à Comissão Parlamentar de Inquérito ao GES, o desfecho do processo e das acusações a 25 arguidos no âmbito do inquérito à deterioração do Universo Espírito Santo — reveladas esta terça-feira pelo Ministério Público —, deverá demorar: “Tenho a convicção que levará muitos anos”. A dimensão do processo é um dos motivos, mas não o único: “Acho que os tribunais portugueses ainda não estão preparados para processos desta dimensão”, referiu ainda em declarações à Rádio Observador, vincando que a supervisão “não funcionou nos moldes em que deveria ter funcionado”.

Pode ouvir aqui as declarações de Fernando Negrão à Rádio Observador:

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, que se dedicou a investigar a a queda do Banco Espírito Santo, lembrou que falta ainda “a prova que será levada ao processo pelos arguidos e pelas suas defesas”. E recordou ainda que as conclusões da CPI “foram muito críticas para o governador do Banco de Portugal”, porque na supervisão à situação do banco “houve muitas hesitações, houve perda de tempo e perda de oportunidades para que muitos portugueses não tivessem sofrido como sofreram, com a perda das suas economias”.

Face às conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, que, lembra Fernando Negrão, “é um instrumento que o Parlamento tem para dar uma primeira resposta a um caso de grande gravidade, e este caso afigurou-se e continua a afigurar-se como um caso de enorme gravidade”, a guerra judicial a que agora se começa a assistir “era inevitável”:

Essa guerra judicial era inevitável, diria, da minha experiência, face à revelação de muitos factos durante a Comissão de Inquérito. Agora, a Comissão de Inquérito não faz prova, não tem essa competência, a prova está a ser feita agora nos tribunais. O Ministério Público apresentou a sua, agora veremos a prova que vem a seguir da defesa dos arguidos”, notou.

O deputado do PSD destacou ainda um momento da CPI que, defende, deveria ter sido visto à época pelos supervisores — isto é, Banco de Portugal — como alarmante. “O BdP não obrigou, se é que podia obrigar, o BES, na altura, a deixar que entrasse dinheiro disponível para os bancos. O BES nunca o aceitou. Todos sabemos porque nunca aceitou, nunca aceitou porque já teria problemas e não queria que eles fossem revelados”.

Para Fernando Negrão, fica uma dúvida: “O mais grave é porque é que deixaram que o Banco Espírito Santo ficasse de fora do espectro financeiro dos bancos que receberam dinheiro, que estava disponível a todos os bancos? Foi o único que não quis esse dinheiro que estava disponível para a sua gestão. Isso foi o grande erro, do banco e do Banco de Portugal por não ter tomado as medidas necessárias para que isso tivesse acontecido”.

Quanto a eventuais implicações políticas do processo e desta acusação, Fernando Negrão respondeu: “Acho que em termos políticos vamos ter aqui implicações grandes daquilo que é o funcionaneto da supervisão do Banco de Portugal — e isto é política. Quem nomeia o governador do BdP são os políticos, quem define as regras de funcionamento do Banco de Portugal são os políticos, portanto o primeiro embate diria que tem a ver com o funcionamento do Banco de Portugal, principalmente na área da supervisão. Embora a supervisão hoje esteja dividida entre o BdP e instâncias europeias. Depois, no decorrer do processo podem surgir factos que impliquem figuras ligadas à política ou não. Veremos”.

O que o antigo presidente da CPI ao BES pretende é que este “seja um julgamento justo para todos: para a defesa dos interesses daqueles que querem que seja feita justiça para eles próprios mas também que seja justo no sentido de que as práticas ilegais sejam devidamente punidas”.

Mariana Mortágua: “É importante até para credibilizar o sistema”

Quem também já comentou as acusações foi Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda que esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do BES e do grupo GES. “Acho muito importante que se tenha conseguido chegar a uma acusação, não quer dizer que depois o julgamento não demore muito tempo mas é importante até para credibilizar o sistema”, apontou.

Pode ouvir aqui as declarações de Mariana Mortágua à Rádio Observador.

Aquilo que se encontrou e os factos que a Comissão Parlamentar de Inquérito permitiu revelar, e que a comunicação social também foi dando conta, são muito graves. Obviamente mereciam e devem estar refletidos no processo judicial, portanto fico satisfeita que finalmente tenha saído esta acusação”, referiu ainda.

Recordando aquilo que foi a Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do banco e do grupo, Mariana Mortágua assumiu que foram encontrados indícios de vários crimes durante as audições. “Ao abrir o grupo BES e ao perceber o que estava por dentro do grupo BES e do grupo GES, encontrámos exemplos daquelas que na verdade são as práticas reiteradas em muitos dos negócios que hoje encontramos”, defendeu.

De seguida, a deputada do BE detalhou os índicios que a Comissão Parlamentar de Inquérito encontrou. “Encontrámos a [ligação à] construção — e toda a corrupção durante muitos anos em Portugal esteve associada ao negócio da construção; encontrámos Angola e a forma como Angola serviu para enriquecer personalidades ligadas ao regime para dar lucros aos bancos portugueses mas também para lavar dinheiro; encontrámos os offshores e como foram usados para esquemas de financiamento ilícito, circulação de fundos ou manipulação de contabilidade”.

Encontrámos também as guerras de acionistas que acabaram por envolver as maiores empresas portuguesas, muitas delas privatizadas, guerras acionistas essas que foram motivadas pelos lucros que essas empresas davam, como é o caso da PT e que depois deu origem àquela relação entre Zeinal Beival e Ricardo Salgado”, apontou Mortágua.

A comissão parlamentar foi útil, desde logo, porque “serviu não só para levantar o véu sobre aquilo que, penso eu, serão algumas das acusações refletidas neste processo judicial, mas também para levantar o véu sobre muitas práticas que acredito que ainda hoje continuam a persistir no sistema económico e que acabam por ser pouco faladas ou ter grande complacência, porque são práticas consideradas normais ou que exploram a linha entre o legítimo e ilegítimo — e nem sempre são muito fáceis de descortinar depois”.

Defende que Ricardo Salgado é “o expoente máximo” destes crimes e práticas “porque era a figura máxima do regime e do sistema económica, uma figura incontestada durante décadas — porque representava poder económico”, a deputada bloquista lembra outros casos dos últimos anos: “Olhamos para o Banif e o que encontramos? Olhamos para o BCP e o que encontramos? Olhamos para o BPP, para o BPN, para a Caixa Geral de Depósitos, para a Portugal Telecom, para a EDP e o que encontramos nas grandes empresas e nas formas como foram geridas? E o que encontramos nestes gestores de topo, que nos foi dito que representavam o melhor do capitalismo português pós-privatizações, porque era altura de trazer pessoas profissionais para gerir empresas que eram públicas e entretanto se tornaram privadas?”.

Temos uma geração de gestores que vai de [Zeinal] Bava a [António] Mexia com imensas ligações entre o poder político e o poder privado, que alimentam as portas giratórias, com negócios muito obscuros que favorecem às vezes os acionistas privados e às vezes os próprios bolsos… Insisto que há um problema de sistema, que não é só português”, defendeu.

Mariana Mortágua rebateu ainda a ideia “de que não houve lesados” neste caso: “As provas que temos são imensas e todos os lesados são lesados do Ricardo Salgado e são legados do BES. O grupo GES só não ruiu antes porque estava assente em fraude, porque há muito que havia contabilidade criativa, que fraudes e negócios obscuros alimentavam aquele polvo de dimensões gigantescas. O país é lesado de Ricardo Salgado. Não só os lesados do BES perderam as suas poupanças como ainda estamos todos a pagar os desvarios desses tempos, alguns por crime, outros simplesmente por uma economia completamente insustentável”.

Miguel Tiago (PCP): “É estranho que o BdP tenha deixado chegar ao ponto que chegou”

O antigo deputado do PCP Miguel Tiago, que participou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), afirmou em declarações à Rádio Observador que “durante as audições da Comissão Parlamentar de Inquérito, algumas delas até à porta fechada, ficou claro que Ricardo Salgado deu orientações para falsificar as contas da holding. Sei que não ficou patente porque a transmissão dessa audição não foi realizada mas isso foi dito e o PCP até requereu documento em que supostamente a assinatura de Ricardo Salgado constaria”.

É perfeitamente plausível que tenha existido uma pressão da parte da administração, nomeadamente do Ricardo Salgado para falsificar as contas da ESI — Espírito Santo Internacional Holding —, enfim, para esconder um passivo e poder continuar a colocar dívida”, referiu.

Para Miguel Tiago, porém, ” o que é mais chocante é que mesmo depois de vários avisos da CMVM, o Banco de Portugal tenha continuado a permitir que Ricardo Salgado, apesar de todas as desconfianças que já vinham surgindo, tenha continuado a permitir que não só a ESI continuasse a colocar dívida através da parte não financeira do grupo junto dos balcões do BES como que tenha autorizado o empréstimo de 3,8 mil milhões de euros, se não estou em erro, em Angola, no BESA”.

É claro que há uma atuação de Ricardo Salgado com vista a manter um desequilíbrio que vinha de há muitos anos, dentro do BES. O que é estranho é que o Banco de Portugal tenha deixado chegar ao ponto a que chegou sabendo tudo o que se passava dentro do BES”, vincou.

O antigo deputado comunista, que entretanto saiu do Parlamento, disse ainda: “Não temos acesso a todos os documentos do Ministério Público mas uma boa parte daquilo que até hoje vem a público é perfeitamente plausível daquilo que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pôde apurar. A CPI fez depois um relatório aprovado por praticamente todas as forças políticas, com uma abstenção julgo eu do BE e um voto contra do PCP, em que culpava o Ricardo Salgado por todos os problemas do banco como se não houvesse mais ninguém envolvido e como se o Banco de Portugal não soubesse absolutamente nada do que se passava”.

Para Miguel Tiago, já nas audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à queda do banco e do grupo Espírito Santo foi possível concluir que ” foram cometidos crimes dentro do BES, junto dos clientes do BES e das suas sucursais. Os clientes foram lesados e o Banco de Portugal atuou da pior maneira, mentindo aos portugueses sobre o valor da resolução, não querendo nacionalizar o banco ou o grupo Espírito Santo”. Miguel Tiago considera ainda que “o ministério das Finanças daquela altura optou por encobrir todos esses problemas, para gastar o mínimo possível, varrendo para debaixo do tapete os problemas do BES”.

Pode ouvir aqui as declarações de Miguel Tiago à Rádio Observador.

O antigo deputado comunista defende que “o Banco de Portugal não atuou nem antes do problema, nem atuou corretamente perante o problema”. Miguel Tiago recorda que “o GES era um universo de empresas que girava em torno do BES, que se endividava no BES, que já só consumia crédito no seu próprio banco — todos os outros bancos negavam-se já a dar créditos ao GES”.

Tudo apontava, diz Miguel Tiago, “para estarmos perante um monopólio alimentado por um banco e que isso a qualquer momento poderia fazer rebentar o próprio banco. O Banco de Portugal nunca atuou, em nenhum momento. Atuou precisamente no momento crítico depois, relembro, de ter autorizado uma transferência de mais de metade do capital do BES para Angola. Não tem nenhum cabimento nas regras da regulação e supervisão bancária, dado que os bancos não podem comprometer, julgo, mais de metade do seu capital bancário com um empréstimo específico. Foi exatamente o que se passou. O Banco de Portugal foi complacente”.

Artigo atualizado com reações de advogado de lesados do BES e do presidente da Associação Sindical dos Juízes

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