Concept Board: Nossa Senhora de Alcamé

22-11-2019
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Padroeira de Campinos, Lavradores, Maiorais e Varinos

O nosso blogue chega, cada vez mais a todo o mundo, segundo
as estatísticas do Blogger. Ainda assim, as nossas raízes é aquilo que nos
tornou homens e não é bonito esquecê-las, pois foram elas que nos tornaram
aquilo que somos. O enriquecimento cultural que toma conta de nós desde
crianças é que nos vai alimentando o cultómetro,
e as referências que adquirimos na infância, ainda que dissimuladas, vão entrar
na nossa vida, mais cedo ou mais tarde, como por magia... A minha vivência em
Vila Franca de Xira obrigou-me, de alguma maneira a ter um contacto imenso com
os campos e com as tradições tauromáquicas. Hoje apresento um caso um pouco
esquecido ou desconhecido por parte dos nossos leitores, mas as visitas que
temos são em muito relacionadas com as Lezírias e, assim sendo, o tema é
Alcamé.

Ermida de Nossa Senhora de Alcamé, circa anos 1970.

Muitas são as lendas contadas sobre Nossa Senhora de Alcamé,
mas a que aqui se conta, pensa-se que é a mais credível. Todos sabemos que
quando apelidamos uma entidade sagrada por Nossa Senhora, referimo-nos sempre à
Nossa Senhora Maria, mãe de Jesus Cristo, isto só para explicar que a Nossa
Senhora de Alcamé é mais uma das aparições de Maria aos atormentados. O nome
Alcamé vem do árabe-marroquina (AL), de fonética “achmé”, que significa trigo,
ou seja, Nossa Senhora dos Trigais. Por outro lado, existem historiados que
afirmam que a palavra “achmé” significa “Descansa à sombra”, embora no local
não existissem quaisquer árvores.  

Imagem original Nossa Senhora de Alcamé (foi furtada)

Reza a
lenda que um pastor das Lezírias do Ribatejo alimentou uma cobra desde pequena,
cobra esta que nunca o atacou. O pastor alimentava-a com  leite das suas ovelhas e a cobra gerava-lhe
confiança e lealdade. Uma vez, o pastor adoeceu e esteve algum tempo sem ir ao
campo e, quando voltou chamou pela serpente, quando a cobra surgiu, não o
reconheceu, atacando-o ferozmente. O pastor aflito gritou pelo nome de "Nossa
Senhora" e eis que um milagre acontece, a Virgem projeta uma maçã contra a boca
da serpente, ficando esta engasgada, acabando por morrer. 
A lenda de Alcamé
surge no livro do Apocalipse, por S. João e, para além das implicações
religiosas, existe sempre o senso comum que, neste caso, refere-se à preguiça e
ao desvio dos objetivos - a necessidade dos trabalhadores da Lezíria estarem
atentos aos cuidados contra as cheias do Tejo. Esta referência do pastor é
imediatamente referente ao Homem e a Serpente ao mundo feminino, que por sua
vez, remete para a tentação de Eva, pelo demónio encarnado em serpente, no
episódio do paraíso bíblico da tradição judaico-cristã. 
A tradicional romaria
de Alcamé esteve patente até aos finais dos anos 1960, acabando por ser
abandonada em Julho de 1974. 
É no dia 10 de Junho que se celebram as festas de Alcamé,
recriando toda a cultura camponesa, campinos, gado, jogos de cabrestos, ranchos,
maiorais, a imagem da Virgem num carro puxado por bois. Sabe-se que a Romaria e Festa a Alcamé era celebrada um mês após a Festa do Colete Encarnado, de maneira a agradecer à Virgem as rezes que sairam na festa e que a tornaram única em toda a região.
Em 1983, a Igreja foi
profanada, e a imagem original de Nossa Senhora da Conceição foi roubada, bem
como o retábulo de talha dourada.

Nossa Senhora de Alcamé

A imagem de Nossa Senhora de Alcamé é bastante semelhante à imagem de Nossa Senhora da Conceição. A figura feminina ostenta uma coroa de estrelas, a qual remete para a entidade divina. Os panejamentos que a cobrem são brancos e esvoaçantes, dando a sensação de movimento, tendo um manto azul, debruado a dourado encimado aos panejamentos. Na base da imagem, encontra-se um conjunto de anjos ou coros celestiais e a representação da serpente - tentação.

“Os últimos festeiros de Nossa Senhora de Alcamé: No segundo
plano (de pé): Henrique da Mota Cabral, antigo administrador da Companhia das
Lezírias, e os lavradores: José Marcolino d’Almeida, Joaquim de Sousa
(cortador); João Matias e Paiva e Sousa e dr. Afonso de Sousa. No primeiro
plano (sentados): os lavradores Francisco Martins Grande, José de Paiva e Sousa
(Anão), António Luiz Lopes, José Ferreira Tarré e Wenceslau de Alverca. 

A Ermida foi erigida pelo arquiteto
José Manuel de Carvalho e Negreiros, a mando do Rei João V, em 1749 (século
XVIII), numa vasta planície. Paralelamente foi também erigida a Ermida de S.
José, que se situa junto ao Porto Alto, flanqueando pela Recta do Cabo. Ambas as
Ermidas eram pertença do Patriarcado de Lisboa. 
Adquirindo uma localização
privilegiada, a Ermida de Nossa Senhora de Alcamé, encontra-se defronte ao
Mouchão de Alhandra (pequena ilha situada no leito do Rio Tejo, na qual só
existe uma habitação), junto à Margem Esquerda Sul do Rio Tejo. O estilo
neoclássico é o que se descreve na sua construção. Na zona do altar, a
curvatura das paredes remetem-nos para uma herança árabe, bem ao jeito das suas
mesquitas. A planta é rectangular, assente num escoramento, impedindo que as
cheias anuais das Lezírias não afectassem o majestático santuário. O acesso à
infraestrutura é bastante complexo, apesar de planície, o terreno é bastante
breu. A solidão do templo é contagiante, em redor nada existe, excluindo
cavalos, touros e aves que pontuam as imensas e vastíssimas planícies
ribatejanas. Pensa-se que o Templo foi inicialmente dedicado a Nossa Senhora da
Conceição mas, mais tarde, por via do povo, o templo ficou como homenagem ao
pastor atacado e, claro está, a Nossa Senhora de Alcamé.

Romaria a Senhora de Alcamé, onde se podem observar os cobertores de papa ou mantas lobeiras (símbolo da presença dos campinos ribatejanos) nas janelas  da  Ermida.

Fado de Nossa Senhora de Alcamé

Por entre flores do campo

Na Ermida e Cercando

O nosso Amor, nossa Fé

Uma Imagem Celestial

Para nós é bem real

A Senhora de Alcamé (bis)

Há uma introdução do Anjo

Estremece o Ribatejo

Por entre estrelas no Céu

A Virgem vai no Varino

Mas vai também o Campino

Um grande devoto seu (bis)

Diz a lenda tão velhinha

Que a Nossa Santinha

Um grande Milagre operou

Uma Serpente enganadora

Rastejava ali na hora

E o Campino atacou (bis)

De mãos postas ele grita

Nossa Senhora aflita
Por esse é a primeira

Essa serpente pisou

O Campino exclamou

Serás Nossa Padroeira (bis)

A localização da imagem da Santa sempre gerou imensa discórdia, pois o povo
de Samora Correia sempre a quis, bem como o povo de Vila Franca de Xira. Maria
da Luz Rosinha fez um esforço para manter a tradição viva e a romaria a Alcamé
é ainda efetuada em Agosto. A travessia, a barco, do Tejo é um momento muito
interessante, que acontece após a missa na Igreja Matriz de Vila Franca de
Xira. A procissão e romaria seguem pela Marina de Vila Franca e sobem aos
barcos, de maneira a ser transportada para a Margem Sul, com destino à Ermida de
Nossa Senhora de Alcamé.

Procissão dedicada a Nossa Senhora de Alcamé

Romaria dedicada a Nossa Senhora de Alcamé, Júlio Goes, 8 de Julho de 1972 

Almoço de Campinos

Romaria Nossa Senhora de Alcamé

Passando pela Ponte Marechal Carmona (Ponte de Vila Franca de
Xira), encontra-se a Recta do Cabo e é nesta recta que encontramos uma saída
para este caminho breu. Em 2012, a Companhia das Lezírias, proprietária de toda
a Lezíria, implementou um sistema de portões, de maneira a evitar o vandalismo
(1999) da herdade (2012). 

A cerimónia é normalmente realizada no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas - Feriado Nacional.

N.ª S.ª de Alcamé, Júlia Ramalho, 2013
(30 cm X 12 cm)

A representação criada pela artesã Júlia Ramalho, resulta de uma encomenda para uma tertúlia tauromáquica vilafranquense pois, como foi referido acima, a santa é a padroeira dos Campinos e das Lezírias.  A ideia desta encomenda foi preservar a lenda de Nossa Senhora de Alcamé, dando-lhe uma nova interpretação por Júlia Ramalho, fugindo aos dogmas imagéticos convencionais, em que a "santinha" tem de ser representada com um manto azul e estrelas na coroa. Por outro lado, e apesar de ser uma peça única, é raro encontrar-se uma imagem (escultura) de Nossa Senhora de Alcamé, daí ter-me fascinado o facto de Júlia Ramalho ter desenvolvido a peça.

André Lopes Cardoso

Padroeira de Campinos, Lavradores, Maiorais e Varinos

O nosso blogue chega, cada vez mais a todo o mundo, segundo
as estatísticas do Blogger. Ainda assim, as nossas raízes é aquilo que nos
tornou homens e não é bonito esquecê-las, pois foram elas que nos tornaram
aquilo que somos. O enriquecimento cultural que toma conta de nós desde
crianças é que nos vai alimentando o cultómetro,
e as referências que adquirimos na infância, ainda que dissimuladas, vão entrar
na nossa vida, mais cedo ou mais tarde, como por magia... A minha vivência em
Vila Franca de Xira obrigou-me, de alguma maneira a ter um contacto imenso com
os campos e com as tradições tauromáquicas. Hoje apresento um caso um pouco
esquecido ou desconhecido por parte dos nossos leitores, mas as visitas que
temos são em muito relacionadas com as Lezírias e, assim sendo, o tema é
Alcamé.

Ermida de Nossa Senhora de Alcamé, circa anos 1970.

Muitas são as lendas contadas sobre Nossa Senhora de Alcamé,
mas a que aqui se conta, pensa-se que é a mais credível. Todos sabemos que
quando apelidamos uma entidade sagrada por Nossa Senhora, referimo-nos sempre à
Nossa Senhora Maria, mãe de Jesus Cristo, isto só para explicar que a Nossa
Senhora de Alcamé é mais uma das aparições de Maria aos atormentados. O nome
Alcamé vem do árabe-marroquina (AL), de fonética “achmé”, que significa trigo,
ou seja, Nossa Senhora dos Trigais. Por outro lado, existem historiados que
afirmam que a palavra “achmé” significa “Descansa à sombra”, embora no local
não existissem quaisquer árvores.  

Imagem original Nossa Senhora de Alcamé (foi furtada)

Reza a
lenda que um pastor das Lezírias do Ribatejo alimentou uma cobra desde pequena,
cobra esta que nunca o atacou. O pastor alimentava-a com  leite das suas ovelhas e a cobra gerava-lhe
confiança e lealdade. Uma vez, o pastor adoeceu e esteve algum tempo sem ir ao
campo e, quando voltou chamou pela serpente, quando a cobra surgiu, não o
reconheceu, atacando-o ferozmente. O pastor aflito gritou pelo nome de "Nossa
Senhora" e eis que um milagre acontece, a Virgem projeta uma maçã contra a boca
da serpente, ficando esta engasgada, acabando por morrer. 
A lenda de Alcamé
surge no livro do Apocalipse, por S. João e, para além das implicações
religiosas, existe sempre o senso comum que, neste caso, refere-se à preguiça e
ao desvio dos objetivos - a necessidade dos trabalhadores da Lezíria estarem
atentos aos cuidados contra as cheias do Tejo. Esta referência do pastor é
imediatamente referente ao Homem e a Serpente ao mundo feminino, que por sua
vez, remete para a tentação de Eva, pelo demónio encarnado em serpente, no
episódio do paraíso bíblico da tradição judaico-cristã. 
A tradicional romaria
de Alcamé esteve patente até aos finais dos anos 1960, acabando por ser
abandonada em Julho de 1974. 
É no dia 10 de Junho que se celebram as festas de Alcamé,
recriando toda a cultura camponesa, campinos, gado, jogos de cabrestos, ranchos,
maiorais, a imagem da Virgem num carro puxado por bois. Sabe-se que a Romaria e Festa a Alcamé era celebrada um mês após a Festa do Colete Encarnado, de maneira a agradecer à Virgem as rezes que sairam na festa e que a tornaram única em toda a região.
Em 1983, a Igreja foi
profanada, e a imagem original de Nossa Senhora da Conceição foi roubada, bem
como o retábulo de talha dourada.

Nossa Senhora de Alcamé

A imagem de Nossa Senhora de Alcamé é bastante semelhante à imagem de Nossa Senhora da Conceição. A figura feminina ostenta uma coroa de estrelas, a qual remete para a entidade divina. Os panejamentos que a cobrem são brancos e esvoaçantes, dando a sensação de movimento, tendo um manto azul, debruado a dourado encimado aos panejamentos. Na base da imagem, encontra-se um conjunto de anjos ou coros celestiais e a representação da serpente - tentação.

“Os últimos festeiros de Nossa Senhora de Alcamé: No segundo
plano (de pé): Henrique da Mota Cabral, antigo administrador da Companhia das
Lezírias, e os lavradores: José Marcolino d’Almeida, Joaquim de Sousa
(cortador); João Matias e Paiva e Sousa e dr. Afonso de Sousa. No primeiro
plano (sentados): os lavradores Francisco Martins Grande, José de Paiva e Sousa
(Anão), António Luiz Lopes, José Ferreira Tarré e Wenceslau de Alverca. 

A Ermida foi erigida pelo arquiteto
José Manuel de Carvalho e Negreiros, a mando do Rei João V, em 1749 (século
XVIII), numa vasta planície. Paralelamente foi também erigida a Ermida de S.
José, que se situa junto ao Porto Alto, flanqueando pela Recta do Cabo. Ambas as
Ermidas eram pertença do Patriarcado de Lisboa. 
Adquirindo uma localização
privilegiada, a Ermida de Nossa Senhora de Alcamé, encontra-se defronte ao
Mouchão de Alhandra (pequena ilha situada no leito do Rio Tejo, na qual só
existe uma habitação), junto à Margem Esquerda Sul do Rio Tejo. O estilo
neoclássico é o que se descreve na sua construção. Na zona do altar, a
curvatura das paredes remetem-nos para uma herança árabe, bem ao jeito das suas
mesquitas. A planta é rectangular, assente num escoramento, impedindo que as
cheias anuais das Lezírias não afectassem o majestático santuário. O acesso à
infraestrutura é bastante complexo, apesar de planície, o terreno é bastante
breu. A solidão do templo é contagiante, em redor nada existe, excluindo
cavalos, touros e aves que pontuam as imensas e vastíssimas planícies
ribatejanas. Pensa-se que o Templo foi inicialmente dedicado a Nossa Senhora da
Conceição mas, mais tarde, por via do povo, o templo ficou como homenagem ao
pastor atacado e, claro está, a Nossa Senhora de Alcamé.

Romaria a Senhora de Alcamé, onde se podem observar os cobertores de papa ou mantas lobeiras (símbolo da presença dos campinos ribatejanos) nas janelas  da  Ermida.

Fado de Nossa Senhora de Alcamé

Por entre flores do campo

Na Ermida e Cercando

O nosso Amor, nossa Fé

Uma Imagem Celestial

Para nós é bem real

A Senhora de Alcamé (bis)

Há uma introdução do Anjo

Estremece o Ribatejo

Por entre estrelas no Céu

A Virgem vai no Varino

Mas vai também o Campino

Um grande devoto seu (bis)

Diz a lenda tão velhinha

Que a Nossa Santinha

Um grande Milagre operou

Uma Serpente enganadora

Rastejava ali na hora

E o Campino atacou (bis)

De mãos postas ele grita

Nossa Senhora aflita
Por esse é a primeira

Essa serpente pisou

O Campino exclamou

Serás Nossa Padroeira (bis)

A localização da imagem da Santa sempre gerou imensa discórdia, pois o povo
de Samora Correia sempre a quis, bem como o povo de Vila Franca de Xira. Maria
da Luz Rosinha fez um esforço para manter a tradição viva e a romaria a Alcamé
é ainda efetuada em Agosto. A travessia, a barco, do Tejo é um momento muito
interessante, que acontece após a missa na Igreja Matriz de Vila Franca de
Xira. A procissão e romaria seguem pela Marina de Vila Franca e sobem aos
barcos, de maneira a ser transportada para a Margem Sul, com destino à Ermida de
Nossa Senhora de Alcamé.

Procissão dedicada a Nossa Senhora de Alcamé

Romaria dedicada a Nossa Senhora de Alcamé, Júlio Goes, 8 de Julho de 1972 

Almoço de Campinos

Romaria Nossa Senhora de Alcamé

Passando pela Ponte Marechal Carmona (Ponte de Vila Franca de
Xira), encontra-se a Recta do Cabo e é nesta recta que encontramos uma saída
para este caminho breu. Em 2012, a Companhia das Lezírias, proprietária de toda
a Lezíria, implementou um sistema de portões, de maneira a evitar o vandalismo
(1999) da herdade (2012). 

A cerimónia é normalmente realizada no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas - Feriado Nacional.

N.ª S.ª de Alcamé, Júlia Ramalho, 2013
(30 cm X 12 cm)

A representação criada pela artesã Júlia Ramalho, resulta de uma encomenda para uma tertúlia tauromáquica vilafranquense pois, como foi referido acima, a santa é a padroeira dos Campinos e das Lezírias.  A ideia desta encomenda foi preservar a lenda de Nossa Senhora de Alcamé, dando-lhe uma nova interpretação por Júlia Ramalho, fugindo aos dogmas imagéticos convencionais, em que a "santinha" tem de ser representada com um manto azul e estrelas na coroa. Por outro lado, e apesar de ser uma peça única, é raro encontrar-se uma imagem (escultura) de Nossa Senhora de Alcamé, daí ter-me fascinado o facto de Júlia Ramalho ter desenvolvido a peça.

André Lopes Cardoso

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