Há algum partido verdadeiramente liberal em Portugal?

10-09-2020
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Vem aí um novo partido político que se define como “liberal”. Objetivos prioritários: disseminar valores liberais na sociedade portuguesa e disputar as eleições europeias e legislativas de 2019. Os promotores da iniciativa consideram que nenhum dos atuais partidos portugueses é verdadeiramente liberal e pretendem ocupar esse espaço político (ler entrevista nas páginas seguintes). O Jornal Económico questionou dois politólogos sobre estas asserções e registou perspetivas dissonantes.

“Portugal não tem um partido liberal,“ concorda António Costa Pinto, “embora os liberais sejam uma componente quer do PSD, quer do CDS-PP, no segundo caso em menor escala. À esquerda existiu o Clube da Esquerda Liberal, cuja influência no PS foi irrelevante, tendo a maioria dos seus membros passado para a direita do espectro político. A última fase do PSD em que a componente liberal teve alguma influência tem sido com Pedro Passos Coelho e um círculo político-mediático à sua volta. O movimento ‘Mais Sociedade’, que marcou a sua campanha eleitoral em 2011, representou também essa componente.”

Por sua vez, André Freire sublinha que “em nenhum lugar do mundo há um partido inteiramente liberal. Há é aquilo a que podemos chamar de liberais de direita e liberais de esquerda. À direita, defende-se uma liberalização da economia, mas os deputados que se posicionam neste espetro político são mais conservadores em relação ao liberalismo cultural, e por isso, não são completamente liberais. O mesmo acontece à esquerda. Esses partidos são tendencialmente mais liberais no que toca à cultura, mas são mais conservadores na área económica. Por exemplo, na Holanda o VVD é um partido de liberais de direita, mas na Dinamarca temos liberais de esquerda. Em Portugal, o PS é o partido tendencialmente mais liberal e fez parte dos partidos liberais na União Europeia.”

Estado pequeno e Governo limitado

Como é que define liberalismo, ao nível da teoria política? Quais são os princípios elementares do liberalismo? “Mais do a esfera da teoria política, quando se refere a liberalismo na política contemporânea europeia menciona-se liberalismo económico, e as variantes são grandes, mas o património comum é claro: Estado pequeno, pouco interventivo na sociedade, economia de mercado com pouca regulação, sem limites protecionistas ao comércio livre. Segurança social estatizada, impostos redistributivos, planificação económica de iniciativa estatal, além de serem ineficazes, também são limitadoras dos direitos individuais e da liberdade. No campo dos valores o panorama complica-se, pois a demarcação de valores conservadores e religiosos colocam muitos liberais fora da órbita conservadora nesta área,“ responde Costa Pinto.

Para Freire, “o liberalismo é um conjunto de doutrinas designadas por esse ‘ismo’ que se localiza historicamente na Revolução Francesa. É uma ideologia que partiu da ideologia da burguesia contestatária do Antigo Regime, que assenta em três grandes ideologias: o liberalismo político, económico e cultural. No campo político, os liberais defendem um Governo liberal, representativo e democrático, com uma participação ativa dos cidadãos. Consiste sobretudo numa inclusão da cidadania no mundo político. Apareceu com o objetivo de assegurar a defesa de um Governo limitado por oposição à concentração de poderes no rei como acontecia com o absolutismo francês. E este tornou-se um património da direita e da esquerda das democracias contemporâneas, que acreditam numa constituição e numa divisão tripartida dos poderes. O legislativo controla o executivo e o judicial fiscaliza ambos.”

“A vertente económica são os mesmos princípios mais vertidos para a economia,“ prossegue Freire. “É o ceticismo em relação à intervenção do Estado e a crença de que a regulação estatal tem efeitos perversos no seu normal funcionamento. Já o liberalismo cultural é uma atitude liberal em relação aos estilos de vida que os membros da sociedade escolhem para si. Tem a ver com algumas questões fraturantes como a defesa do aborto e a defesa de costumes típicos das minorias,“ conclui.

No espectro político, um partido verdadeiramente liberal situa-se à direita, à esquerda, ao centro, ou é transversal? “Quando olhamos para a história dos partidos liberais europeus, já andaram entre o centro-direita e o centro-esquerda e várias vezes coligados com a sua direita ou esquerda. Não há aqui uma coincidência entre o posicionamento nos espectros partidários nacionais destes partidos e os estereótipos conservadores dos ‘think thanks’ do tipo The Mont Pelerin Society, Mises Institute, e outros,“ realça Costa Pinto.

A má reputação do neoliberalismo

Faz falta um partido liberal em Portugal? “Não acredito que faça,“ responde Freire. “Acho que esse espaço já está ocupado pelo PS, que não é inteiramente liberal dadas as especificidades práticas nessa matéria. Não acredito que se possa ser liberal nas três dimensões. Se somos mais liberais em relação à economia, então somos rotulados como liberais de direita. Se somos mais liberais em relação às questões sociais já somos liberais de esquerda.”

Considera que o partido que melhor representa o liberalismo em Portugal é o PS? “Sim. O PS é o partido português que está mais próximo do protótipo de liberalismo,“ argumenta Freire. “É tendencionalmente liberal na dimensão económica embora em termos culturais seja um pouco conservador, em relação a temas como o aborto e a homossexualidade. Mas há gente dentro do partido com uma visão mais liberal. E depois há, claro, outros mais conservadores.”

Em Portugal fala-se sobretudo de neoliberalismo e quase sempre negativamente, porquê? “Não só em Portugal. A esquerda social-democrata e socialista deste os anos 30 do século XX, mas também mais tarde a direita social cristã europeia, cunhou o termo como símbolo dos defensores do capitalismo ‘laissez faire’ do século XIX,“ explica Costa Pinto.

O neoliberalismo prejudica a reputação do liberalismo clássico? “Sim. O neoliberalismo é a radicalização dos princípios liberais, sobretudo na questão económica. É um extremar de posições para garantir o mínimo de intervenção do Estado”, afirma Freire.

Vem aí um novo partido político que se define como “liberal”. Objetivos prioritários: disseminar valores liberais na sociedade portuguesa e disputar as eleições europeias e legislativas de 2019. Os promotores da iniciativa consideram que nenhum dos atuais partidos portugueses é verdadeiramente liberal e pretendem ocupar esse espaço político (ler entrevista nas páginas seguintes). O Jornal Económico questionou dois politólogos sobre estas asserções e registou perspetivas dissonantes.

“Portugal não tem um partido liberal,“ concorda António Costa Pinto, “embora os liberais sejam uma componente quer do PSD, quer do CDS-PP, no segundo caso em menor escala. À esquerda existiu o Clube da Esquerda Liberal, cuja influência no PS foi irrelevante, tendo a maioria dos seus membros passado para a direita do espectro político. A última fase do PSD em que a componente liberal teve alguma influência tem sido com Pedro Passos Coelho e um círculo político-mediático à sua volta. O movimento ‘Mais Sociedade’, que marcou a sua campanha eleitoral em 2011, representou também essa componente.”

Por sua vez, André Freire sublinha que “em nenhum lugar do mundo há um partido inteiramente liberal. Há é aquilo a que podemos chamar de liberais de direita e liberais de esquerda. À direita, defende-se uma liberalização da economia, mas os deputados que se posicionam neste espetro político são mais conservadores em relação ao liberalismo cultural, e por isso, não são completamente liberais. O mesmo acontece à esquerda. Esses partidos são tendencialmente mais liberais no que toca à cultura, mas são mais conservadores na área económica. Por exemplo, na Holanda o VVD é um partido de liberais de direita, mas na Dinamarca temos liberais de esquerda. Em Portugal, o PS é o partido tendencialmente mais liberal e fez parte dos partidos liberais na União Europeia.”

Estado pequeno e Governo limitado

Como é que define liberalismo, ao nível da teoria política? Quais são os princípios elementares do liberalismo? “Mais do a esfera da teoria política, quando se refere a liberalismo na política contemporânea europeia menciona-se liberalismo económico, e as variantes são grandes, mas o património comum é claro: Estado pequeno, pouco interventivo na sociedade, economia de mercado com pouca regulação, sem limites protecionistas ao comércio livre. Segurança social estatizada, impostos redistributivos, planificação económica de iniciativa estatal, além de serem ineficazes, também são limitadoras dos direitos individuais e da liberdade. No campo dos valores o panorama complica-se, pois a demarcação de valores conservadores e religiosos colocam muitos liberais fora da órbita conservadora nesta área,“ responde Costa Pinto.

Para Freire, “o liberalismo é um conjunto de doutrinas designadas por esse ‘ismo’ que se localiza historicamente na Revolução Francesa. É uma ideologia que partiu da ideologia da burguesia contestatária do Antigo Regime, que assenta em três grandes ideologias: o liberalismo político, económico e cultural. No campo político, os liberais defendem um Governo liberal, representativo e democrático, com uma participação ativa dos cidadãos. Consiste sobretudo numa inclusão da cidadania no mundo político. Apareceu com o objetivo de assegurar a defesa de um Governo limitado por oposição à concentração de poderes no rei como acontecia com o absolutismo francês. E este tornou-se um património da direita e da esquerda das democracias contemporâneas, que acreditam numa constituição e numa divisão tripartida dos poderes. O legislativo controla o executivo e o judicial fiscaliza ambos.”

“A vertente económica são os mesmos princípios mais vertidos para a economia,“ prossegue Freire. “É o ceticismo em relação à intervenção do Estado e a crença de que a regulação estatal tem efeitos perversos no seu normal funcionamento. Já o liberalismo cultural é uma atitude liberal em relação aos estilos de vida que os membros da sociedade escolhem para si. Tem a ver com algumas questões fraturantes como a defesa do aborto e a defesa de costumes típicos das minorias,“ conclui.

No espectro político, um partido verdadeiramente liberal situa-se à direita, à esquerda, ao centro, ou é transversal? “Quando olhamos para a história dos partidos liberais europeus, já andaram entre o centro-direita e o centro-esquerda e várias vezes coligados com a sua direita ou esquerda. Não há aqui uma coincidência entre o posicionamento nos espectros partidários nacionais destes partidos e os estereótipos conservadores dos ‘think thanks’ do tipo The Mont Pelerin Society, Mises Institute, e outros,“ realça Costa Pinto.

A má reputação do neoliberalismo

Faz falta um partido liberal em Portugal? “Não acredito que faça,“ responde Freire. “Acho que esse espaço já está ocupado pelo PS, que não é inteiramente liberal dadas as especificidades práticas nessa matéria. Não acredito que se possa ser liberal nas três dimensões. Se somos mais liberais em relação à economia, então somos rotulados como liberais de direita. Se somos mais liberais em relação às questões sociais já somos liberais de esquerda.”

Considera que o partido que melhor representa o liberalismo em Portugal é o PS? “Sim. O PS é o partido português que está mais próximo do protótipo de liberalismo,“ argumenta Freire. “É tendencionalmente liberal na dimensão económica embora em termos culturais seja um pouco conservador, em relação a temas como o aborto e a homossexualidade. Mas há gente dentro do partido com uma visão mais liberal. E depois há, claro, outros mais conservadores.”

Em Portugal fala-se sobretudo de neoliberalismo e quase sempre negativamente, porquê? “Não só em Portugal. A esquerda social-democrata e socialista deste os anos 30 do século XX, mas também mais tarde a direita social cristã europeia, cunhou o termo como símbolo dos defensores do capitalismo ‘laissez faire’ do século XIX,“ explica Costa Pinto.

O neoliberalismo prejudica a reputação do liberalismo clássico? “Sim. O neoliberalismo é a radicalização dos princípios liberais, sobretudo na questão económica. É um extremar de posições para garantir o mínimo de intervenção do Estado”, afirma Freire.

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