«A.J.P. Taylor disse num livro sobre a II Guerra Mundial que o mal da Alemanha era ela ser grande de mais e forte de mais para a Europa. Depois de 1945, a efectiva anulação da Europa perante a hegemonia americana e russa não deixou sentir a força alemã, senão ocasionalmente e de formas suaves. A guerra e a paz não dependiam dela. Nem sequer a economia, quando de facto a América garantia a defesa contra a URSS e era um último recurso sempre disponível. O colapso do comunismo mudou radicalmente as coisas. Quase de um dia para o outro, a Europa ficou entregue a si mesma: como estivera em 1914 e 1939, com os catastróficos resultados que se viram. Já não existia uma potência dominante a oriente ou a ocidente. A América enfraqueceu e perdeu o interesse nesta pequena parte do mundo. O novo império russo atrasado e periclitante só tinha a ambição regional de se refazer. A Alemanha ficou assim livre de resolver por si própria o seu destino. E o seu destino não estava com certeza nos países do Mediterrâneo de que tudo a separava. A Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal não tinham, nem algum dia viriam a ter, qualquer importância ou influência na saúde e prosperidade de um Estado, agora unido, que precisava antes de mais nada de afirmar a sua presença no Báltico e de organizar o que dantes se chamava "Europa Central", segundo as suas conveniências. As sucessivas derrotas da sra. Merkel (a última no domingo passado) indicam essa firme verdade; e são o manifesto sinal do regresso da Alemanha a si mesma e ao seu tradicional papel político no continente. O contribuinte de Düsseldorf ou da Pomerânia vende com o maior prazer um automóvel a um espanhol ou um grego e até gosta de se passear ao sol na Costa Brava ou no Algarve. Mas não compreende (como compreenderia?) que lhe tirem dinheiro para pagar as dívidas de uma gente remota, desorganizada e pródiga. Os problemas dele não são a estabilidade da Grécia, de Portugal ou de Espanha. Os problemas dele são a estabilidade da Polónia, da Ucrânia, da Hungria ou da Sérvia e por detrás delas, como de costume, a da Rússia. Claro que a Alemanha não quer por enquanto hostilizar a França e gostaria de se livrar da UE gradualmente e com a necessária doçura. Mas não contem com a velha protecção da Alemanha submissa e americanizada de antigamente. Essa Alemanha acabou; e a de hoje manda.»Vasco Pulido Valente, Público
Categorias
Entidades
«A.J.P. Taylor disse num livro sobre a II Guerra Mundial que o mal da Alemanha era ela ser grande de mais e forte de mais para a Europa. Depois de 1945, a efectiva anulação da Europa perante a hegemonia americana e russa não deixou sentir a força alemã, senão ocasionalmente e de formas suaves. A guerra e a paz não dependiam dela. Nem sequer a economia, quando de facto a América garantia a defesa contra a URSS e era um último recurso sempre disponível. O colapso do comunismo mudou radicalmente as coisas. Quase de um dia para o outro, a Europa ficou entregue a si mesma: como estivera em 1914 e 1939, com os catastróficos resultados que se viram. Já não existia uma potência dominante a oriente ou a ocidente. A América enfraqueceu e perdeu o interesse nesta pequena parte do mundo. O novo império russo atrasado e periclitante só tinha a ambição regional de se refazer. A Alemanha ficou assim livre de resolver por si própria o seu destino. E o seu destino não estava com certeza nos países do Mediterrâneo de que tudo a separava. A Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal não tinham, nem algum dia viriam a ter, qualquer importância ou influência na saúde e prosperidade de um Estado, agora unido, que precisava antes de mais nada de afirmar a sua presença no Báltico e de organizar o que dantes se chamava "Europa Central", segundo as suas conveniências. As sucessivas derrotas da sra. Merkel (a última no domingo passado) indicam essa firme verdade; e são o manifesto sinal do regresso da Alemanha a si mesma e ao seu tradicional papel político no continente. O contribuinte de Düsseldorf ou da Pomerânia vende com o maior prazer um automóvel a um espanhol ou um grego e até gosta de se passear ao sol na Costa Brava ou no Algarve. Mas não compreende (como compreenderia?) que lhe tirem dinheiro para pagar as dívidas de uma gente remota, desorganizada e pródiga. Os problemas dele não são a estabilidade da Grécia, de Portugal ou de Espanha. Os problemas dele são a estabilidade da Polónia, da Ucrânia, da Hungria ou da Sérvia e por detrás delas, como de costume, a da Rússia. Claro que a Alemanha não quer por enquanto hostilizar a França e gostaria de se livrar da UE gradualmente e com a necessária doçura. Mas não contem com a velha protecção da Alemanha submissa e americanizada de antigamente. Essa Alemanha acabou; e a de hoje manda.»Vasco Pulido Valente, Público