portugal dos pequeninos

15-12-2019
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O Miguel - e, pela primeira vez, não concordamos - desanca a chamada "geração de 70" num estilo delicioso que só a evoca. Fá-lo a dobrar. Porquê esta inesperada acrimónia contra aqueles que ficaram conhecidos como os "vencidos da vida"? Porque não gostavam do "povo"? Porque não apreciavam a inépcia do regime? Porque desconfiavam dos nossos pobres monárquicos, como lhes chamou, depois, Salazar? Porque perceberam que, após 1580, pouco mais temos andado a fazer do que a pastar a vaca? Porque intuiram que, apesar do desejo larvar de um "salvador", isto jamais se salvaria? Porque, no realismo do excesso das suas heroínas e dos seus heróis romanescos, retrataram uma sociedade oca e hipócrita que se perpetuou? Porque, no seu desespero poético-político, levado ao extremo, um deles, Antero, desistiu sentado num banco de jardim em Ponta Delgada? Porque o mais brilhante deles todos, Eça, execrava a "pátria" ao mesmo tempo que a representava lá fora? Porque, num dos poucos acessos aproveitáveis, Junqueiro berrou, feito louco, o "finis patriae"? Porque Oliveira Martins tentou e falhou melhor no governo, como que antecipando o "tenta e fracassa, tenta outra vez e fracassa melhor" do Beckett, esse genial leitor da malaise contemporânea sempre à espera do que não sabe por que espera? D. Carlos, amigo de Ramalho, seria seguramente um homem da "geração" não fosse a sua posição institucional. Diplomata, cosmopolita e livre, desconfiado dos monárquicos que ornamentavam o regime, o rei foi um verdadeiro monumento político aos "vencidos da vida". Não acabou ele abatido, pelas costas, pela "piolheira", pelos libertadores do "povo"? Não, Miguel, os homens da "geração de 70" já encontraram um país delapidado e, por isso, diminuído e ridículo que persiste. Sem eles, a evidência do primitivismo do Estado e da sociedade jamais teria sido tão clara como na luz e sombra das palavras, mais de sofrimento do que de gozo, dessa "geração" perdida. Não é por causa dos "vencidos da vida" - essa casta lucidamente amargurada tão afinal consciente da nossa inconsciência - que nós estamos como estamos. Os verdadeiros "vencidos da vida" somos nós. Eles limitaram-se a tirar o retrato.


O Miguel - e, pela primeira vez, não concordamos - desanca a chamada "geração de 70" num estilo delicioso que só a evoca. Fá-lo a dobrar. Porquê esta inesperada acrimónia contra aqueles que ficaram conhecidos como os "vencidos da vida"? Porque não gostavam do "povo"? Porque não apreciavam a inépcia do regime? Porque desconfiavam dos nossos pobres monárquicos, como lhes chamou, depois, Salazar? Porque perceberam que, após 1580, pouco mais temos andado a fazer do que a pastar a vaca? Porque intuiram que, apesar do desejo larvar de um "salvador", isto jamais se salvaria? Porque, no realismo do excesso das suas heroínas e dos seus heróis romanescos, retrataram uma sociedade oca e hipócrita que se perpetuou? Porque, no seu desespero poético-político, levado ao extremo, um deles, Antero, desistiu sentado num banco de jardim em Ponta Delgada? Porque o mais brilhante deles todos, Eça, execrava a "pátria" ao mesmo tempo que a representava lá fora? Porque, num dos poucos acessos aproveitáveis, Junqueiro berrou, feito louco, o "finis patriae"? Porque Oliveira Martins tentou e falhou melhor no governo, como que antecipando o "tenta e fracassa, tenta outra vez e fracassa melhor" do Beckett, esse genial leitor da malaise contemporânea sempre à espera do que não sabe por que espera? D. Carlos, amigo de Ramalho, seria seguramente um homem da "geração" não fosse a sua posição institucional. Diplomata, cosmopolita e livre, desconfiado dos monárquicos que ornamentavam o regime, o rei foi um verdadeiro monumento político aos "vencidos da vida". Não acabou ele abatido, pelas costas, pela "piolheira", pelos libertadores do "povo"? Não, Miguel, os homens da "geração de 70" já encontraram um país delapidado e, por isso, diminuído e ridículo que persiste. Sem eles, a evidência do primitivismo do Estado e da sociedade jamais teria sido tão clara como na luz e sombra das palavras, mais de sofrimento do que de gozo, dessa "geração" perdida. Não é por causa dos "vencidos da vida" - essa casta lucidamente amargurada tão afinal consciente da nossa inconsciência - que nós estamos como estamos. Os verdadeiros "vencidos da vida" somos nós. Eles limitaram-se a tirar o retrato.

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