POR CAUSA DELE

24-06-2020
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Revi ontem com os meus pais o filme "Dos homens e dos Deuses". Que filme extraordinário! Passa por ali toda a beleza  do Cristianismo: a presença missionária, a vida religiosa, a atracção de Deus, o amor a Jesus, a obediência e a oferta da  própria vida, o absurdo e a violência das guerras, em especial das feitas por "razões" religiosas, a magnífica história da Igreja Católica, a verdadeira natureza do martírio (que é aceite, mas não procurado), e um largo etc.
Além disso do ponto de vista cinematográfico está excepcionalmente bem realizado. As cenas focadas nas caras dos monges evocam as pinturas antigas italianas (a minha ignorância não me consente mais do que citar Caravaggio e Giotto...).

Vejam o trailer legendado em português:

Indo aos meus arquivos e sobre o filme encontrei estes dois textos:

A beleza do humano

Aura Miguel

RR
on-line 12-11-2010 09:21

 Estreou
ontem, nas salas de cinema, um filme extraordinário de Xavier Beauvois, sobre
os monges cistercenses de Thibirine que, em 1996, foram mortos por
fundamentalistas argelinos.

 O
filme começa por mostrar a vida do mosteiro, perdido naquela longínqua aldeia
do Atlas, e a profunda ligação que aqueles monges tinham com a população, que
se manifestava em fortes laços de amizade.

Os monges levavam uma vida simples, com estudo, trabalho manual para garantir a
sua sobrevivência, e muita oração. Quando estala a violência, contra cristãos
estrangeiros, surge a questão: partir ou ficar.

O mais fascinante deste filme é ver como os monges franceses eram homens
normais, frágeis como nós: claro que tinham medo e, numa primeira fase, queriam
sair dali. Mas o superior da comunidade pediu-lhes tempo para reflectir e o
resultado é um fascinante percurso de crescimento interior e humano que cada um
desses homens cumpre, reforçado com a oração e o canto litúrgico. Humanamente,
têm medo, mas tomam uma opção de amor e cada um decide ficar, sabendo que vai
morrer.

O que fascina é que, apesar da debilidade que tinham, tomaram a sua vida a
sério e arriscaram amar até ao fim.

O filme não exalta o martírio nem cai na mística publicitária
da morte bela. Nada disso. O que brota deste magnífico filme é a beleza do
humano, sempre que a vida é vivida como dom.

Ver
o trailer aqui: http://o-povo.blogspot.com/2010/11/dos-homens-e-dos-deuses-trailer.html

Dos Homens e dos
Deuses
A fé dos homens
 

A partir de uma história
verdadeira de terrorismo, o francês Xavier Beauvois faz um filme sobre o que
de mais humano há em nós
Vamos colocar a coisa assim, de
modo bruto e peremptório, para não deixar dúvidas: é um dos grandes filmes do
ano. O júri de Tim Burton em Cannes 2010 também achou que sim - deu-lhe o
Prémio Especial do Júri - e França, onde se tornou num dos mais improváveis
êxitos comerciais do ano, elegeu-o como o seu candidato ao Óscar de Melhor
Filme Estrangeiro de 2011.
"Dos Homens e dos
Deuses", sexta longa do actor e realizador Xavier Beauvois (e primeira a
estrear em sala em Portugal), traz uma daquelas advertências que assusta
qualquer um: é "baseado em factos verídicos" - o rapto e assassínio
de sete monges trapistas franceses durante a guerra civil argelina de 1996.
Muitas vezes, essa advertência equivale ao afogamento no pântano das boas
intenções mas, neste caso, corresponde a um dos mais notáveis filmes do ano.
Que desacelera brutalmente de velocidade em relação a tudo aquilo que se
propõe actualmente nas salas de cinema; que pega em temas "do
momento" (a religião, o terrorismo, o fundamentalismo) e os usa como
"ponte" entre o passado e o presente. Que abre portas para um olhar
sobre a essência das coisas, que cria um momento de silêncio e contemplação
para nos permitir olhar para o mundo e para o ser humano tal como ele é. O
que torna então o filme de Beauvois tão contemporâneo, nestes dias em que o
fundamentalismo religioso parece estar constantemente nas notícias, das
controvérsias do Ground Zero nova-iorquino aos debates sobre a burqa?
É um filme de resistência: de
resistência ao medo, de resistência ao desconhecido, de resistência a tudo
aquilo que nos rouba a humanidade (e, por consequência, nos rouba também o
divino que há em nós - porque a verdadeira fé, que implica sempre a dúvida, é
algo de profundamente humano). Estes monges condenados, magnificamente interpretados
por um elenco de conjunto onde não há vedetas que se safem, nunca são
erguidos a mártires nem a heróis. Beauvois quer-nos apenas fazer compreender
o porquê do destino destes homens de um modo que nunca separa os homens da
sua fé nem da sua casa, uma comunidade monástica tão parte do próprio tecido
da comunidade local que se torna tão argelina como aqueles que ali viviam,
uma partilha de uma existência e um apego à terra que transcende divisões de
classe, religião ou nacionalidade.
Haverá quem se lembre do
"Grande Silêncio", o documentário de Phillip Gröning sobre os
monges cartuxos que se tornou num pequeno fenómeno. Mas isso seria reduzir
"Dos Homens e dos Deuses" àquilo que ele não é: um filme sobre a
religião. Este não é um filme sobre os deuses, mas sim sobre os homens.


Revi ontem com os meus pais o filme "Dos homens e dos Deuses". Que filme extraordinário! Passa por ali toda a beleza  do Cristianismo: a presença missionária, a vida religiosa, a atracção de Deus, o amor a Jesus, a obediência e a oferta da  própria vida, o absurdo e a violência das guerras, em especial das feitas por "razões" religiosas, a magnífica história da Igreja Católica, a verdadeira natureza do martírio (que é aceite, mas não procurado), e um largo etc.
Além disso do ponto de vista cinematográfico está excepcionalmente bem realizado. As cenas focadas nas caras dos monges evocam as pinturas antigas italianas (a minha ignorância não me consente mais do que citar Caravaggio e Giotto...).

Vejam o trailer legendado em português:

Indo aos meus arquivos e sobre o filme encontrei estes dois textos:

A beleza do humano

Aura Miguel

RR
on-line 12-11-2010 09:21

 Estreou
ontem, nas salas de cinema, um filme extraordinário de Xavier Beauvois, sobre
os monges cistercenses de Thibirine que, em 1996, foram mortos por
fundamentalistas argelinos.

 O
filme começa por mostrar a vida do mosteiro, perdido naquela longínqua aldeia
do Atlas, e a profunda ligação que aqueles monges tinham com a população, que
se manifestava em fortes laços de amizade.

Os monges levavam uma vida simples, com estudo, trabalho manual para garantir a
sua sobrevivência, e muita oração. Quando estala a violência, contra cristãos
estrangeiros, surge a questão: partir ou ficar.

O mais fascinante deste filme é ver como os monges franceses eram homens
normais, frágeis como nós: claro que tinham medo e, numa primeira fase, queriam
sair dali. Mas o superior da comunidade pediu-lhes tempo para reflectir e o
resultado é um fascinante percurso de crescimento interior e humano que cada um
desses homens cumpre, reforçado com a oração e o canto litúrgico. Humanamente,
têm medo, mas tomam uma opção de amor e cada um decide ficar, sabendo que vai
morrer.

O que fascina é que, apesar da debilidade que tinham, tomaram a sua vida a
sério e arriscaram amar até ao fim.

O filme não exalta o martírio nem cai na mística publicitária
da morte bela. Nada disso. O que brota deste magnífico filme é a beleza do
humano, sempre que a vida é vivida como dom.

Ver
o trailer aqui: http://o-povo.blogspot.com/2010/11/dos-homens-e-dos-deuses-trailer.html

Dos Homens e dos
Deuses
A fé dos homens
 

A partir de uma história
verdadeira de terrorismo, o francês Xavier Beauvois faz um filme sobre o que
de mais humano há em nós
Vamos colocar a coisa assim, de
modo bruto e peremptório, para não deixar dúvidas: é um dos grandes filmes do
ano. O júri de Tim Burton em Cannes 2010 também achou que sim - deu-lhe o
Prémio Especial do Júri - e França, onde se tornou num dos mais improváveis
êxitos comerciais do ano, elegeu-o como o seu candidato ao Óscar de Melhor
Filme Estrangeiro de 2011.
"Dos Homens e dos
Deuses", sexta longa do actor e realizador Xavier Beauvois (e primeira a
estrear em sala em Portugal), traz uma daquelas advertências que assusta
qualquer um: é "baseado em factos verídicos" - o rapto e assassínio
de sete monges trapistas franceses durante a guerra civil argelina de 1996.
Muitas vezes, essa advertência equivale ao afogamento no pântano das boas
intenções mas, neste caso, corresponde a um dos mais notáveis filmes do ano.
Que desacelera brutalmente de velocidade em relação a tudo aquilo que se
propõe actualmente nas salas de cinema; que pega em temas "do
momento" (a religião, o terrorismo, o fundamentalismo) e os usa como
"ponte" entre o passado e o presente. Que abre portas para um olhar
sobre a essência das coisas, que cria um momento de silêncio e contemplação
para nos permitir olhar para o mundo e para o ser humano tal como ele é. O
que torna então o filme de Beauvois tão contemporâneo, nestes dias em que o
fundamentalismo religioso parece estar constantemente nas notícias, das
controvérsias do Ground Zero nova-iorquino aos debates sobre a burqa?
É um filme de resistência: de
resistência ao medo, de resistência ao desconhecido, de resistência a tudo
aquilo que nos rouba a humanidade (e, por consequência, nos rouba também o
divino que há em nós - porque a verdadeira fé, que implica sempre a dúvida, é
algo de profundamente humano). Estes monges condenados, magnificamente interpretados
por um elenco de conjunto onde não há vedetas que se safem, nunca são
erguidos a mártires nem a heróis. Beauvois quer-nos apenas fazer compreender
o porquê do destino destes homens de um modo que nunca separa os homens da
sua fé nem da sua casa, uma comunidade monástica tão parte do próprio tecido
da comunidade local que se torna tão argelina como aqueles que ali viviam,
uma partilha de uma existência e um apego à terra que transcende divisões de
classe, religião ou nacionalidade.
Haverá quem se lembre do
"Grande Silêncio", o documentário de Phillip Gröning sobre os
monges cartuxos que se tornou num pequeno fenómeno. Mas isso seria reduzir
"Dos Homens e dos Deuses" àquilo que ele não é: um filme sobre a
religião. Este não é um filme sobre os deuses, mas sim sobre os homens.

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