porosidade etérea: Trasladação dos ossos de Jorge de Sena

01-06-2020
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De Santa Bárbara chegaram os ossos do poetaque a pátria exilou. Uns pulhas de um assim chamado Ministérioda Cultura, que não dão à poesia a mínima importância,ergueram-se a esse gesto como se não se soubessequanto os poetas detestam, como tantas e tantas vezes foi provado e a paródia eleiçoeira, desta vez,fez promover, não por amor aos versos, certamente,mas para marcar a determinação da pequenezem que todos morrem de fome da fartura enfatuadadesta gente. A ocasião, como é comum dizer-se,faz o ladrão, e a estes não escapam as oportunidadesque o brio predador lhes aconselha, sujando tudo em volta,dando a tudo o que é grande a represália de sempre,tal como a todos os poetas já fizeram,tal como fizeram ao Botto e agora ao Sena fazem, que esperou mais de trinta anos para que a terra portuguesa de vez o afeiçoasse, notando-se que como clandestino aqui chegou, agora, não pela obra dele ou os seus actos, mas pela solerte ratice da canalha que nunca subirá a púlpitos para pedir desculpa do mal que nos tem feito e à poesia sempre odiará por lhe saber o fantástico poder que a cilindra. Brancos os ossos chegam às exéquias da trasladação que por demais tardou e não há corais de crianças das escolas a entoar-lhe cânticos,não se promove gente a ler-lhe os livros, não se lhe divulga a obra,nem os telejornais abrem com a notícia da chegada justa,a todos convocando não só a que assistam e aprendam, mas que usema sua arte de música e de palavras para ampliar a verdade e a liberdade,o corpo e os sentidos, a dignidade de resistir a tudo,por mais que o vilipêndio se prolongue e se não salde nunca a dívida.Não é para admirar. De humilhações, exílios e imbecilidades sofreu Jorge de Senadurante toda a vida e este misto de preito e de omissão está na linha do que a pandilha execrável é capaz, tratando-se de dar com uma mão para tirar com a outra, como é próprio do descaramento e do oportunismoque, imparável, os há-de condenar ao esquecimento de nunca terem nome,nem espinha dorsal, nem verticalidade, nem ossos que alguma vez possampassar por nossos.Amadeu Baptista(inédito)


De Santa Bárbara chegaram os ossos do poetaque a pátria exilou. Uns pulhas de um assim chamado Ministérioda Cultura, que não dão à poesia a mínima importância,ergueram-se a esse gesto como se não se soubessequanto os poetas detestam, como tantas e tantas vezes foi provado e a paródia eleiçoeira, desta vez,fez promover, não por amor aos versos, certamente,mas para marcar a determinação da pequenezem que todos morrem de fome da fartura enfatuadadesta gente. A ocasião, como é comum dizer-se,faz o ladrão, e a estes não escapam as oportunidadesque o brio predador lhes aconselha, sujando tudo em volta,dando a tudo o que é grande a represália de sempre,tal como a todos os poetas já fizeram,tal como fizeram ao Botto e agora ao Sena fazem, que esperou mais de trinta anos para que a terra portuguesa de vez o afeiçoasse, notando-se que como clandestino aqui chegou, agora, não pela obra dele ou os seus actos, mas pela solerte ratice da canalha que nunca subirá a púlpitos para pedir desculpa do mal que nos tem feito e à poesia sempre odiará por lhe saber o fantástico poder que a cilindra. Brancos os ossos chegam às exéquias da trasladação que por demais tardou e não há corais de crianças das escolas a entoar-lhe cânticos,não se promove gente a ler-lhe os livros, não se lhe divulga a obra,nem os telejornais abrem com a notícia da chegada justa,a todos convocando não só a que assistam e aprendam, mas que usema sua arte de música e de palavras para ampliar a verdade e a liberdade,o corpo e os sentidos, a dignidade de resistir a tudo,por mais que o vilipêndio se prolongue e se não salde nunca a dívida.Não é para admirar. De humilhações, exílios e imbecilidades sofreu Jorge de Senadurante toda a vida e este misto de preito e de omissão está na linha do que a pandilha execrável é capaz, tratando-se de dar com uma mão para tirar com a outra, como é próprio do descaramento e do oportunismoque, imparável, os há-de condenar ao esquecimento de nunca terem nome,nem espinha dorsal, nem verticalidade, nem ossos que alguma vez possampassar por nossos.Amadeu Baptista(inédito)

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