Luís Graça > Blogpoesia: Blogantologia(s) II

20-06-2020
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Publicado originalmente, no Blogue-Fora. Nada, em 11 Janeiro 2004 >Blogantologia(s) - VI: O adeus às armas Revisto e actualizado nesta data.War is over, babyA guerra acabou e depoisos avós contarão aos netostintim por tintimcomo foi a última batalha de Bagdadeque não chegou a havermas que rimava com liberdade.Ou não contarão e arrumarão as botas.Que os netos têm jogos mais divertidosno último modelo da sua playstatione já não mais têm pachorrapara aturar os cotas.De qualquer modo foi,disse o repórter português,a primeira das batalhas da históriatransmitidas em directo.Uma batalha anunciadalogo com princípio meio e fim,como no jogo do xadrez.Uma história das arábiasonde sobraram as espadas de deuse dos homens faltaram as palavras sábias.Lembras-te, baby,tínhamos comprado pipocascomo no cinema do nosso bairrode classe média arruinada.Sentámo-nos no chãoentre camelos e beduínosà espera da queda do Saddam.Lembro-me como se fosse hoje,estavas meio pedradae nós éramos coleccionadores de quedas,a última fora a do muro de Berlimem mil nove oitenta e nove.Regámos com vodka e coca-colao começo do reich dos mil anos.Depois os soldados regressarão a casa.E casarão. E terão filhos que vão à escola.Ou talvez não.Os soldados proletáriosmercenários voluntários patriotas.Os bisnetos dos escravosdas plantações de algodão do sul.Os filhos dos imigrasde várias raças credos e naçõesdo grande melting pot americano.Na fotografia tinham um ar de idiotasusavam grandes jeanse chapéus à texano.Eles guardarão a espingardae o capacete. No sótão.E o canhão sem recuo no jardim em Miami.E o clarim em Nova Orleães.E o cartão do Tio Sam:I wanto you for U.S. Army! Alguns morrerão.Talvez de solidão. Ou de tédio.Ou de falta de fé em Deus.Ou na Humanidade.Ou em Deus e na Humanidade ao mesmo tempo.Ou de stresse pós-traumático de guerracomo dizem hoje os psis.Cacimbados, dirias tu,meu tuga, meu guinéuque no tempo da guerra colonialestava por inventar a palavra stresse.Morrerrão simplesmente de solidãocomo as carcassas dos tanquesnos jardins suspensos da Babilónia.Não importa ou que importase um dia todos temos de morrerde uma merda qualquerde peste sida ébolagripe das avesinsolação raiva insóniadesidrataçãobê-esse-é pneumonia atípicacancro gás mostardatrombose ou aperto da aorta.O repórter de serviço dizna Têvê do Berlusconique esta foi a última campanha de caçaao leão da Mesopotâmia.Ou da Abissínia tanto fazque o Berlusconi caga na geografiaagora com as auto-estradas da globalização.Estranho: eu imaginava-o extintona época dos últimos glaciares. ao leão.Ah! se eu não fosse um sem-abrigose eu não fosse um desertor da guerra colonialse eu fosse poeta proactivoum repórter reformado da guerra friacom pensão cama e roupa lavadaum gajo decente com sensibilidade sociale uns restos de tesãonos tomateseu escreveria um grafitono meu epitáfio no meu bunker:- Maomé meu profeta meu irmãoEstive em Badgade. Não vi nada.Não rezei na tua mesquita azul.Não rezei por ti nem por mim nem por nós.Apenas tive pena do teu povo do islãocurdos xiitas sunitas árabese todos os outros filhos bastardos de Abraão.Mais te direi por e-mailque morri com um estilhaço de granada.A meu lado um capitão dos marinesafogou-se num poço de petróleocoberto com a bandeira dos States.Era um caixa de óculos como o O’Neilpoeta portuga obscuroque nem para contínuo serviudo Ministério dos Negócios Estrangeiros.Mas hão-de morrer mais.Conta até mil e lê o jornal.É a astróloga do ano que tudo viuna sua bola de cristal.Italianos dos carabineirosespanhóis da secretaespiões do efbiaijudeus errantes da diásporaportugas de goa damão e diumexicanos do pancho villa.Tudo por causa de um homem-bombaque foi visto visto a sobrevoara Estátua da Liberdade Agrilhoada.Mas agora és tu, private Jessica Lynch,baby-doll em camufladoa nova namoradinhados tele-espectadores globais.Ou por breves instantes fostea heroína. a heroinazinha.Que a fama e a glória sãodeusas avaras e cruéis.Quiçá na próxima guerra te vereiao serviço da bandeira da CNNou doutro xogum qualquer dos mass mediaembeded com os bravos da mítica 7ª cavalaria.No país do show businessdas fábricas de sonhos e de fadase em que o sucesso é a medida de todas as coisasestá tudo a condizer.Tu estás a condizer, minha jóia,o Carlos Fino está a condizer.Mais o pobre ministro da propagandade seu nome Mohamed Saeed al-Sahafque resistiu com um microfone na mão.A GNR dos portugas em Nassíria está a condizer.No tempo em que éramos todos telegénicosAté o Bush, my friend George , caraças!,por deus e pelo diabo ladeadosegurava um perú de plásticono dia de Acção de Graças.Tu, my darling, minha queridaouvi dizer que és filhade um condutor de camião.Uma heroína do povo sem pedigree escriturária amanuenseanjo da guardacarinha larocas de teen-agerde uma qualquer terra saloia estado-unidense.Ferida em combate por enganosorry que numa lady americananão se bate, diz o puro sangue árabe.Baleada mas logo resgatadaque um camarada morto ou feridonunca se deixa atrásdas linhas do fogo inimigo.Muito menos já se vênum hospital de retaguarda do eixo do mal,diz o Pentágono.Li nos jornais que acumulo no WCque já te ofereceram um milhão(de dólares, entenda-se).Queriam fazer um filmecom a história da tua vidade heroína por equívoco.Tu que só tens 19 anos. Não mais.E já tanto (ou tão pouco) para contar.Perdi-te o rasto, meu amor,nas voltas que o mundo dá.A guerra acabou.O problema agora é de políciae do homem-bombaou da mulher do tchadorAdeus, querida,adeus às armas,adeus, Iraque,adeus, Guiné..E depois ?Bem depois é amanhãnão há azar.E amanhã há mais,cantemos o hino.A vida pode parar,a vida pode esperar,a vida pode até perder-se.O espectáculo é que não, my God!O espectáculo esse continua,tem de continuar.Só vou ter saudades é do Carlos Fino.


Publicado originalmente, no Blogue-Fora. Nada, em 11 Janeiro 2004 >Blogantologia(s) - VI: O adeus às armas Revisto e actualizado nesta data.War is over, babyA guerra acabou e depoisos avós contarão aos netostintim por tintimcomo foi a última batalha de Bagdadeque não chegou a havermas que rimava com liberdade.Ou não contarão e arrumarão as botas.Que os netos têm jogos mais divertidosno último modelo da sua playstatione já não mais têm pachorrapara aturar os cotas.De qualquer modo foi,disse o repórter português,a primeira das batalhas da históriatransmitidas em directo.Uma batalha anunciadalogo com princípio meio e fim,como no jogo do xadrez.Uma história das arábiasonde sobraram as espadas de deuse dos homens faltaram as palavras sábias.Lembras-te, baby,tínhamos comprado pipocascomo no cinema do nosso bairrode classe média arruinada.Sentámo-nos no chãoentre camelos e beduínosà espera da queda do Saddam.Lembro-me como se fosse hoje,estavas meio pedradae nós éramos coleccionadores de quedas,a última fora a do muro de Berlimem mil nove oitenta e nove.Regámos com vodka e coca-colao começo do reich dos mil anos.Depois os soldados regressarão a casa.E casarão. E terão filhos que vão à escola.Ou talvez não.Os soldados proletáriosmercenários voluntários patriotas.Os bisnetos dos escravosdas plantações de algodão do sul.Os filhos dos imigrasde várias raças credos e naçõesdo grande melting pot americano.Na fotografia tinham um ar de idiotasusavam grandes jeanse chapéus à texano.Eles guardarão a espingardae o capacete. No sótão.E o canhão sem recuo no jardim em Miami.E o clarim em Nova Orleães.E o cartão do Tio Sam:I wanto you for U.S. Army! Alguns morrerão.Talvez de solidão. Ou de tédio.Ou de falta de fé em Deus.Ou na Humanidade.Ou em Deus e na Humanidade ao mesmo tempo.Ou de stresse pós-traumático de guerracomo dizem hoje os psis.Cacimbados, dirias tu,meu tuga, meu guinéuque no tempo da guerra colonialestava por inventar a palavra stresse.Morrerrão simplesmente de solidãocomo as carcassas dos tanquesnos jardins suspensos da Babilónia.Não importa ou que importase um dia todos temos de morrerde uma merda qualquerde peste sida ébolagripe das avesinsolação raiva insóniadesidrataçãobê-esse-é pneumonia atípicacancro gás mostardatrombose ou aperto da aorta.O repórter de serviço dizna Têvê do Berlusconique esta foi a última campanha de caçaao leão da Mesopotâmia.Ou da Abissínia tanto fazque o Berlusconi caga na geografiaagora com as auto-estradas da globalização.Estranho: eu imaginava-o extintona época dos últimos glaciares. ao leão.Ah! se eu não fosse um sem-abrigose eu não fosse um desertor da guerra colonialse eu fosse poeta proactivoum repórter reformado da guerra friacom pensão cama e roupa lavadaum gajo decente com sensibilidade sociale uns restos de tesãonos tomateseu escreveria um grafitono meu epitáfio no meu bunker:- Maomé meu profeta meu irmãoEstive em Badgade. Não vi nada.Não rezei na tua mesquita azul.Não rezei por ti nem por mim nem por nós.Apenas tive pena do teu povo do islãocurdos xiitas sunitas árabese todos os outros filhos bastardos de Abraão.Mais te direi por e-mailque morri com um estilhaço de granada.A meu lado um capitão dos marinesafogou-se num poço de petróleocoberto com a bandeira dos States.Era um caixa de óculos como o O’Neilpoeta portuga obscuroque nem para contínuo serviudo Ministério dos Negócios Estrangeiros.Mas hão-de morrer mais.Conta até mil e lê o jornal.É a astróloga do ano que tudo viuna sua bola de cristal.Italianos dos carabineirosespanhóis da secretaespiões do efbiaijudeus errantes da diásporaportugas de goa damão e diumexicanos do pancho villa.Tudo por causa de um homem-bombaque foi visto visto a sobrevoara Estátua da Liberdade Agrilhoada.Mas agora és tu, private Jessica Lynch,baby-doll em camufladoa nova namoradinhados tele-espectadores globais.Ou por breves instantes fostea heroína. a heroinazinha.Que a fama e a glória sãodeusas avaras e cruéis.Quiçá na próxima guerra te vereiao serviço da bandeira da CNNou doutro xogum qualquer dos mass mediaembeded com os bravos da mítica 7ª cavalaria.No país do show businessdas fábricas de sonhos e de fadase em que o sucesso é a medida de todas as coisasestá tudo a condizer.Tu estás a condizer, minha jóia,o Carlos Fino está a condizer.Mais o pobre ministro da propagandade seu nome Mohamed Saeed al-Sahafque resistiu com um microfone na mão.A GNR dos portugas em Nassíria está a condizer.No tempo em que éramos todos telegénicosAté o Bush, my friend George , caraças!,por deus e pelo diabo ladeadosegurava um perú de plásticono dia de Acção de Graças.Tu, my darling, minha queridaouvi dizer que és filhade um condutor de camião.Uma heroína do povo sem pedigree escriturária amanuenseanjo da guardacarinha larocas de teen-agerde uma qualquer terra saloia estado-unidense.Ferida em combate por enganosorry que numa lady americananão se bate, diz o puro sangue árabe.Baleada mas logo resgatadaque um camarada morto ou feridonunca se deixa atrásdas linhas do fogo inimigo.Muito menos já se vênum hospital de retaguarda do eixo do mal,diz o Pentágono.Li nos jornais que acumulo no WCque já te ofereceram um milhão(de dólares, entenda-se).Queriam fazer um filmecom a história da tua vidade heroína por equívoco.Tu que só tens 19 anos. Não mais.E já tanto (ou tão pouco) para contar.Perdi-te o rasto, meu amor,nas voltas que o mundo dá.A guerra acabou.O problema agora é de políciae do homem-bombaou da mulher do tchadorAdeus, querida,adeus às armas,adeus, Iraque,adeus, Guiné..E depois ?Bem depois é amanhãnão há azar.E amanhã há mais,cantemos o hino.A vida pode parar,a vida pode esperar,a vida pode até perder-se.O espectáculo é que não, my God!O espectáculo esse continua,tem de continuar.Só vou ter saudades é do Carlos Fino.

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