Como Rio segurou o PSD através do WhatsApp: quotas, piadas e podres dos adversários

10-02-2020
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Domingo, 10 de novembro de 2019. Durante a tarde, nas docas, em Lisboa, Luís Montenegro apresentava formalmente a candidatura à presidência do PSD. Dizia-se “determinado” a dar 12 anos da vida ao País, chefiando a oposição em quatro deles e encabeçando o Governo nos oito seguintes. Umas horas mais tarde, numa conversa de WhatsApp com cerca de 200 apoiantes de Rui Rio, um militante partilhou a notícia da TSF sobre os planos do ex-líder parlamentar e, às 23h54, o próprio presidente do partido pegou no telemóvel e gozou com o adversário.

“Estamos feitos. O LM [Luís Montenegro] promete ganhar as autárquicas e duas legislativas seguidas com maioria absoluta. A nós só me [sic] resta prometer ganhar as regionais dos Açores. Estamos perdidos”, escreveu no grupo, designado “Diretas 2020 – Rui Rio”, criado uma semana antes por Jorge Afonso, militante responsável pela página de Facebook PSD Europa (não oficial), através da qual são difundidas várias fake news.

Entre as piadas e os remoques de alguns dos elementos, outra das administradoras do grupo, Sarah Corsino (antiga militante de Cascais, que deixara o PSD desencantada com a linha seguida por Pedro Passos Coelho), perguntou se não havia mais nada para conquistar. Rio manteve o tom jocoso: “Ele também prometeu ganhar a Câmara de Lisboa daqui por 2 anos.”

Na sequência, Joaquim José Gonçalves, vice-presidente da Juventude Social Democrata (JSD), recordou, com ironia, que Assunção Cristas também garantira chegar a primeira-ministra. A conclusão estava subentendida: com o sucesso que se viu… Embalado, o líder do partido atirou, com um chorrilho de emojis à mistura: “Tive uma ideia! VOU PROMETER GANHAR A CÂMARA DE ESPINHO, que ele [Montenegro] já perdeu duas vezes. Agora fiquei orgulhoso de mim próprio. Grande ideia que eu tive.”

Contudo, não foi só com humor que o líder do PSD brindou os vários membros da direção nacional, o presidente do Conselho de Jurisdição Nacional, José Nunes Liberato, os elementos do Conselho Estratégico Nacional (CEN), as duas dezenas de deputados, os inúmeros dirigentes distritais e concelhios e os restantes apoiantes. Em “Diretas 2020 – Rui Rio”, grupo administrado também pelo vice-presidente Salvador Malheiro, o presidente social-democrata arregimentou tropas. Ou, melhor, apelou a que o fizessem por ele.

O mesmo Rio que, recentemente, defendeu que um universo eleitoral de 40 mil eleitores estaria mais próximo da realidade do partido pedia, a 21 de novembro, que os membros do grupo o expandissem. Perante assuntos laterais que iam tomando conta dos diálogos, foi assertivo: “Caras e caros amigos, a parte, de longe, mais importante nesta fase, é incentivar os militantes a pagar quotas. Quanto mais alargado for o universo eleitoral, mais verdadeiro será o resultado.”

Convicto de que os responsáveis do grupo tinham deixado os críticos de fora, Rio abdicou dos cuidados da linguagem e, motu proprio ou a reboque de outros quadros partidários, foi disparando o que lhe vinha à cabeça. Dois dias antes de exortar os seus capitães a mobilizarem os respetivos pelotões, Rio alinhou com António Capucho (que voltou ao PSD no seu mandato) num regresso ao passado da social-democracia em Portugal. Tal como o antigo secretário-geral, não gostou de saber do apoio de Marco António Costa a Miguel Pinto Luz e muito menos das comparações entre o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais e um antigo líder do partido, primeiro-ministro e Presidente da República.

Capucho abriu o livro e deu uma lição de História, Rio aplaudiu e aproveitou para lançar farpas. “1. Cavaco Silva, com grande antecedência em relação ao Congresso que o elegeu pela primeira vez, liderou a oposição interna a Pinto Balsemão num grupo estruturado e que contava com relevantes dirigentes partidários (Júdice, Roseta, Santana, entre outros). A sua acção era especialmente contundente no Conselho Nacional. Afirmar que era um desconhecido entre os militantes do PSD releva da pura ignorância. De resto, criou-se então nos OCS [órgãos de comunicação social] o mito de que ele era um candidato imprevisto e que foi à F[igueira da] Foz para fazer a rodagem do automóvel. Nada de mais falso. Tudo estava preparado e organizado há longos meses. Sei do que falo, pois era então líder parlamentar e coordenador da campanha de João Salgueiro, candidato alternativo à liderança e que perdeu por menos de 50 votos”, salientou o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares.

E prosseguiu: “2. Quanto ao apoio agora recebido pelo MPL [Miguel Pinto Luz] do Marco António Costa… estão muito bem um para outro. E mais não preciso de acrescentar, a não ser que Rui Rio é mesmo o líder que o PSD e o País precisam.” Rio reforçou de pronto: “E Cavaco Silva era professor catedrático de Economia e tinha sido o ministro das Finanças de Sá Carneiro. Desconhecido? A fragilidade destas baboseiras é que há ainda muita gente que viveu ‘in loco’ a história do PSD e identifica facilmente os disparates.”

Uma vez que o líder não guardou para si o que lhe ia na alma sobre a campanha dos oponentes, os que o rodeiam também não se fizeram rogados. Exemplos não faltam e vêm da cúpula “laranja”. Isabel Meirelles, deputada e vice-presidente do partido, além de promover a ida de Rio ao programa matinal de Cristina Ferreira, explorou o lado negro do principal opositor. A 3 de novembro, partilhou uma notícia do Jornal Económico sobre os contratos do escritório de Montenegro com os municípios de Espinho e Vagos (ambos PSD), totalizando 400 mil euros. Já a 23 de dezembro, usou uma tirada de Ricardo Araújo Pereira para apontar o dedo à alegada filiação maçónica do antigo chefe da bancada parlamentar.

Os mais novos não ficaram atrás na divulgação de podres. Sofia Matos, também deputada e secretária-geral da JSD, preferiu focar-se em Pinto Luz. A 9 de janeiro, dois dias antes da primeira volta das diretas, colou no grupo uma ligação para o portal da contratação pública, o Base. Motivo? Um ajuste direto da Câmara de Cascais, no valor de 74.990 euros, à Nextpower, agência de comunicação que Pinto Luz recrutou para a corrida à liderança do PSD. Esse contrato foi, de resto, o último de 12 celebrados entre a empresa e o universo cascalense. No total, como noticiou o Expresso no sábado seguinte, 11, foram 600 mil euros de receita para a Nextpower provenientes dos cofres da autarquia oude empresas municipais. Atento ao caso, Clemente Alves, vereador da CDU em Cascais, apresentou uma queixa ao Ministério Público.

Enquanto a número dois da “jota” usou a parte menos clara da tesouraria para atacar, António Capucho puxou a fita mais atrás e carregou sobre os tempos em que o velho conhecido comandou a distrital do PSD/Lisboa: “É extraordinário que Pinto Luz, para além da promessa de que vai ganhar as próximas legislativas, se comprometa a ganhar as autárquicas, sendo que ele é o principal responsável pelas catástrofes eleitorais na Área Metropolitana de Lisboa, especialmente em Lisboa, Sintra e Oeiras.”

Num grupo cujo funcionamento não difere do de outros, de circuito fechado, que Salvador Malheiro criara, a hostilidade para a comunicação social é uma constante – o próprio Rio chega a acusar a RTP de fazer um “frete político ao Governo a propósito o do anunciado fim das reprovações até ao 9º ano” -, assim como para… Luís Marques Mendes, um ódio de estimação do líder e dos seus seguidores. Dele (e dos comentários dominicais na SIC), naquela rede, como escreveu em tempos o Expresso, voltaram a ler-se coisas que nem Maomé diria sobre o toucinho… O mesmo aconteceu em relação a Rodrigo Gonçalves, antigo presidente da concelhia de Lisboa e agora vice da distrital, que se transferira da barricada riísta para o lado do montenegrismo. “Artista” foi um dos apodos mais simpáticos. “Showman dos 600 votos”, um dos mais mordazes. “Cacique”, o mais frequente.

A VISÃO pediu esclarecimentos a Rui Rio sobre o teor da conversa e acerca de um potencial efeito que possa ter para a reputação do partido, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve qualquer resposta do reeleito presidente do PSD.

Domingo, 10 de novembro de 2019. Durante a tarde, nas docas, em Lisboa, Luís Montenegro apresentava formalmente a candidatura à presidência do PSD. Dizia-se “determinado” a dar 12 anos da vida ao País, chefiando a oposição em quatro deles e encabeçando o Governo nos oito seguintes. Umas horas mais tarde, numa conversa de WhatsApp com cerca de 200 apoiantes de Rui Rio, um militante partilhou a notícia da TSF sobre os planos do ex-líder parlamentar e, às 23h54, o próprio presidente do partido pegou no telemóvel e gozou com o adversário.

“Estamos feitos. O LM [Luís Montenegro] promete ganhar as autárquicas e duas legislativas seguidas com maioria absoluta. A nós só me [sic] resta prometer ganhar as regionais dos Açores. Estamos perdidos”, escreveu no grupo, designado “Diretas 2020 – Rui Rio”, criado uma semana antes por Jorge Afonso, militante responsável pela página de Facebook PSD Europa (não oficial), através da qual são difundidas várias fake news.

Entre as piadas e os remoques de alguns dos elementos, outra das administradoras do grupo, Sarah Corsino (antiga militante de Cascais, que deixara o PSD desencantada com a linha seguida por Pedro Passos Coelho), perguntou se não havia mais nada para conquistar. Rio manteve o tom jocoso: “Ele também prometeu ganhar a Câmara de Lisboa daqui por 2 anos.”

Na sequência, Joaquim José Gonçalves, vice-presidente da Juventude Social Democrata (JSD), recordou, com ironia, que Assunção Cristas também garantira chegar a primeira-ministra. A conclusão estava subentendida: com o sucesso que se viu… Embalado, o líder do partido atirou, com um chorrilho de emojis à mistura: “Tive uma ideia! VOU PROMETER GANHAR A CÂMARA DE ESPINHO, que ele [Montenegro] já perdeu duas vezes. Agora fiquei orgulhoso de mim próprio. Grande ideia que eu tive.”

Contudo, não foi só com humor que o líder do PSD brindou os vários membros da direção nacional, o presidente do Conselho de Jurisdição Nacional, José Nunes Liberato, os elementos do Conselho Estratégico Nacional (CEN), as duas dezenas de deputados, os inúmeros dirigentes distritais e concelhios e os restantes apoiantes. Em “Diretas 2020 – Rui Rio”, grupo administrado também pelo vice-presidente Salvador Malheiro, o presidente social-democrata arregimentou tropas. Ou, melhor, apelou a que o fizessem por ele.

O mesmo Rio que, recentemente, defendeu que um universo eleitoral de 40 mil eleitores estaria mais próximo da realidade do partido pedia, a 21 de novembro, que os membros do grupo o expandissem. Perante assuntos laterais que iam tomando conta dos diálogos, foi assertivo: “Caras e caros amigos, a parte, de longe, mais importante nesta fase, é incentivar os militantes a pagar quotas. Quanto mais alargado for o universo eleitoral, mais verdadeiro será o resultado.”

Convicto de que os responsáveis do grupo tinham deixado os críticos de fora, Rio abdicou dos cuidados da linguagem e, motu proprio ou a reboque de outros quadros partidários, foi disparando o que lhe vinha à cabeça. Dois dias antes de exortar os seus capitães a mobilizarem os respetivos pelotões, Rio alinhou com António Capucho (que voltou ao PSD no seu mandato) num regresso ao passado da social-democracia em Portugal. Tal como o antigo secretário-geral, não gostou de saber do apoio de Marco António Costa a Miguel Pinto Luz e muito menos das comparações entre o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais e um antigo líder do partido, primeiro-ministro e Presidente da República.

Capucho abriu o livro e deu uma lição de História, Rio aplaudiu e aproveitou para lançar farpas. “1. Cavaco Silva, com grande antecedência em relação ao Congresso que o elegeu pela primeira vez, liderou a oposição interna a Pinto Balsemão num grupo estruturado e que contava com relevantes dirigentes partidários (Júdice, Roseta, Santana, entre outros). A sua acção era especialmente contundente no Conselho Nacional. Afirmar que era um desconhecido entre os militantes do PSD releva da pura ignorância. De resto, criou-se então nos OCS [órgãos de comunicação social] o mito de que ele era um candidato imprevisto e que foi à F[igueira da] Foz para fazer a rodagem do automóvel. Nada de mais falso. Tudo estava preparado e organizado há longos meses. Sei do que falo, pois era então líder parlamentar e coordenador da campanha de João Salgueiro, candidato alternativo à liderança e que perdeu por menos de 50 votos”, salientou o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares.

E prosseguiu: “2. Quanto ao apoio agora recebido pelo MPL [Miguel Pinto Luz] do Marco António Costa… estão muito bem um para outro. E mais não preciso de acrescentar, a não ser que Rui Rio é mesmo o líder que o PSD e o País precisam.” Rio reforçou de pronto: “E Cavaco Silva era professor catedrático de Economia e tinha sido o ministro das Finanças de Sá Carneiro. Desconhecido? A fragilidade destas baboseiras é que há ainda muita gente que viveu ‘in loco’ a história do PSD e identifica facilmente os disparates.”

Uma vez que o líder não guardou para si o que lhe ia na alma sobre a campanha dos oponentes, os que o rodeiam também não se fizeram rogados. Exemplos não faltam e vêm da cúpula “laranja”. Isabel Meirelles, deputada e vice-presidente do partido, além de promover a ida de Rio ao programa matinal de Cristina Ferreira, explorou o lado negro do principal opositor. A 3 de novembro, partilhou uma notícia do Jornal Económico sobre os contratos do escritório de Montenegro com os municípios de Espinho e Vagos (ambos PSD), totalizando 400 mil euros. Já a 23 de dezembro, usou uma tirada de Ricardo Araújo Pereira para apontar o dedo à alegada filiação maçónica do antigo chefe da bancada parlamentar.

Os mais novos não ficaram atrás na divulgação de podres. Sofia Matos, também deputada e secretária-geral da JSD, preferiu focar-se em Pinto Luz. A 9 de janeiro, dois dias antes da primeira volta das diretas, colou no grupo uma ligação para o portal da contratação pública, o Base. Motivo? Um ajuste direto da Câmara de Cascais, no valor de 74.990 euros, à Nextpower, agência de comunicação que Pinto Luz recrutou para a corrida à liderança do PSD. Esse contrato foi, de resto, o último de 12 celebrados entre a empresa e o universo cascalense. No total, como noticiou o Expresso no sábado seguinte, 11, foram 600 mil euros de receita para a Nextpower provenientes dos cofres da autarquia oude empresas municipais. Atento ao caso, Clemente Alves, vereador da CDU em Cascais, apresentou uma queixa ao Ministério Público.

Enquanto a número dois da “jota” usou a parte menos clara da tesouraria para atacar, António Capucho puxou a fita mais atrás e carregou sobre os tempos em que o velho conhecido comandou a distrital do PSD/Lisboa: “É extraordinário que Pinto Luz, para além da promessa de que vai ganhar as próximas legislativas, se comprometa a ganhar as autárquicas, sendo que ele é o principal responsável pelas catástrofes eleitorais na Área Metropolitana de Lisboa, especialmente em Lisboa, Sintra e Oeiras.”

Num grupo cujo funcionamento não difere do de outros, de circuito fechado, que Salvador Malheiro criara, a hostilidade para a comunicação social é uma constante – o próprio Rio chega a acusar a RTP de fazer um “frete político ao Governo a propósito o do anunciado fim das reprovações até ao 9º ano” -, assim como para… Luís Marques Mendes, um ódio de estimação do líder e dos seus seguidores. Dele (e dos comentários dominicais na SIC), naquela rede, como escreveu em tempos o Expresso, voltaram a ler-se coisas que nem Maomé diria sobre o toucinho… O mesmo aconteceu em relação a Rodrigo Gonçalves, antigo presidente da concelhia de Lisboa e agora vice da distrital, que se transferira da barricada riísta para o lado do montenegrismo. “Artista” foi um dos apodos mais simpáticos. “Showman dos 600 votos”, um dos mais mordazes. “Cacique”, o mais frequente.

A VISÃO pediu esclarecimentos a Rui Rio sobre o teor da conversa e acerca de um potencial efeito que possa ter para a reputação do partido, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve qualquer resposta do reeleito presidente do PSD.

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