Foi você que pediu uma maioria absoluta?

10-02-2020
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É sabedoria empírica que o poder revela o homem. Para ver alguém transformar-se de variadas maneiras, nem todas agradáveis, é torná-lo poderoso. Por vezes, basta uma pitada para que esta transformação seja enorme: é a síndrome dos pequenos poderes. Outras, a revelação só ocorre à medida que o poder cresce e se impõe.

Várias investigações científicas têm sido feitas à forma como o homem lida com cargos de chefia. Desde o célebre estudo, na década de 70, com estudantes que fizeram de guardas prisionais da prisão de Stanford (e rapidamente começaram a subjugar os detidos) até aos mais modernos que avaliam as ligações cognitivas que ocorrem no cérebro, diz a Ciência que o poder não corrompe, mas que faz sobressair as tendências éticas preexistentes. Faz lembrar a frase de Abraham Lincoln, 16º Presidente dos Estados Unidos da América: “Quase todos os homens são capazes de superar a adversidade, mas para pôr à prova o carácter de um homem, dê-lhe poder.”

Montesquieu, o pai da teoria da separação dos poderes que inspirou os sistemas políticos modernos, elaborou bastante sobre a essência do homem confrontado com a possibilidade de chefiar ou de mandar (que não são sinónimos). Entendia ele que “todos os homens com poder são tentados a abusar”. E, por tal ser “uma experiência eterna”, impunha-se criar condições para que os vários poderes se vigiassem uns aos outros. Vêm daí os freios e contrapesos.

Porque me lembro de tudo isto agora? Por causa da discussão sobre a possibilidade de uma maioria absoluta do PS nas eleições – um tabu que António Costa até ao momento se tem taticamente recusado a desfazer. Entendendo ele que as maiorias absolutas de um só partido são de “má memória” para os portugueses – duas de Cavaco Silva, em 1987 e em 1991, e uma de Sócrates, em 2005 –, preferiu adotar a máxima de que uma maioria não se pede, conquista-se. Mandando, é evidente, pelo caminho vários agitadores acenar essa bandeira, sem nunca dramatizar nem chamar os bois pelos nomes. Se chegará esta técnica de maioria absoluta com pezinhos de lã, isso já é outra questão. Nunca ninguém foi lá dessa forma. E a Guterres faltou “um bocadinho assim”, ao empatar em 1999 com uma abordagem “português suave”.

A estratégia do Bloco, já se sabe, tem sido a de evitar a maioria socialista ao máximo, dramatizando os riscos que diz que inevitavelmente comporta. Defende a ciência política, acompanhando a psicológica, que com maiorias unipartidárias há maiores riscos de autoritarismo, decisões unilaterais e centrais, menos diálogo, menos concertação, menos envolvimento. A vantagem é a possibilidade de se executarem mais facilmente os programas de governo e as visões para o País. Para o bem e para o mal, as maiorias são mais estáveis e ágeis – não exigem longas conversações para chegar a consensos, por vezes difíceis.

Mas é a mesma teoria política que também diz que, em coligações ou em acordos de regime, os pequenos partidos tendem a assumir posições e a conseguir levar adiante exigências desproporcionais face ao voto de confiança que receberam nas urnas. É que a síndrome dos pequenos poderes também se aplica aos pequenos partidos…

Muita coisa está, claro, em jogo para a possibilidade de uma maioria absoluta: a performance mais ou menos desastrosa do PSD, para onde vai a fatia da direita desiludida e o grau de dispersão para os pequenos partidos. Mas o que pesará mais será o que, ao fim do dia, pensam os portugueses sobre as tais “condições éticas preexistentes” e o que preferem colocar na balança: consenso e diálogo ou estabilidade e segurança.

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É sabedoria empírica que o poder revela o homem. Para ver alguém transformar-se de variadas maneiras, nem todas agradáveis, é torná-lo poderoso. Por vezes, basta uma pitada para que esta transformação seja enorme: é a síndrome dos pequenos poderes. Outras, a revelação só ocorre à medida que o poder cresce e se impõe.

Várias investigações científicas têm sido feitas à forma como o homem lida com cargos de chefia. Desde o célebre estudo, na década de 70, com estudantes que fizeram de guardas prisionais da prisão de Stanford (e rapidamente começaram a subjugar os detidos) até aos mais modernos que avaliam as ligações cognitivas que ocorrem no cérebro, diz a Ciência que o poder não corrompe, mas que faz sobressair as tendências éticas preexistentes. Faz lembrar a frase de Abraham Lincoln, 16º Presidente dos Estados Unidos da América: “Quase todos os homens são capazes de superar a adversidade, mas para pôr à prova o carácter de um homem, dê-lhe poder.”

Montesquieu, o pai da teoria da separação dos poderes que inspirou os sistemas políticos modernos, elaborou bastante sobre a essência do homem confrontado com a possibilidade de chefiar ou de mandar (que não são sinónimos). Entendia ele que “todos os homens com poder são tentados a abusar”. E, por tal ser “uma experiência eterna”, impunha-se criar condições para que os vários poderes se vigiassem uns aos outros. Vêm daí os freios e contrapesos.

Porque me lembro de tudo isto agora? Por causa da discussão sobre a possibilidade de uma maioria absoluta do PS nas eleições – um tabu que António Costa até ao momento se tem taticamente recusado a desfazer. Entendendo ele que as maiorias absolutas de um só partido são de “má memória” para os portugueses – duas de Cavaco Silva, em 1987 e em 1991, e uma de Sócrates, em 2005 –, preferiu adotar a máxima de que uma maioria não se pede, conquista-se. Mandando, é evidente, pelo caminho vários agitadores acenar essa bandeira, sem nunca dramatizar nem chamar os bois pelos nomes. Se chegará esta técnica de maioria absoluta com pezinhos de lã, isso já é outra questão. Nunca ninguém foi lá dessa forma. E a Guterres faltou “um bocadinho assim”, ao empatar em 1999 com uma abordagem “português suave”.

A estratégia do Bloco, já se sabe, tem sido a de evitar a maioria socialista ao máximo, dramatizando os riscos que diz que inevitavelmente comporta. Defende a ciência política, acompanhando a psicológica, que com maiorias unipartidárias há maiores riscos de autoritarismo, decisões unilaterais e centrais, menos diálogo, menos concertação, menos envolvimento. A vantagem é a possibilidade de se executarem mais facilmente os programas de governo e as visões para o País. Para o bem e para o mal, as maiorias são mais estáveis e ágeis – não exigem longas conversações para chegar a consensos, por vezes difíceis.

Mas é a mesma teoria política que também diz que, em coligações ou em acordos de regime, os pequenos partidos tendem a assumir posições e a conseguir levar adiante exigências desproporcionais face ao voto de confiança que receberam nas urnas. É que a síndrome dos pequenos poderes também se aplica aos pequenos partidos…

Muita coisa está, claro, em jogo para a possibilidade de uma maioria absoluta: a performance mais ou menos desastrosa do PSD, para onde vai a fatia da direita desiludida e o grau de dispersão para os pequenos partidos. Mas o que pesará mais será o que, ao fim do dia, pensam os portugueses sobre as tais “condições éticas preexistentes” e o que preferem colocar na balança: consenso e diálogo ou estabilidade e segurança.

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