Intimidação e chantagem. O aperitivo das negociações à esquerda tem sabor amargo para o Bloco

17-10-2020
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Desta vez, e não é habitual, Carlos César poupou o Bloco de Esquerda em comentários específicos. Meteu o partido de Catarina Martins num bolo que vai do PCP ao PAN e não o atacou diretamente. Pediu, a todos, que "de uma vez por todas, sem demoras e sem calculismos" se entendam com o PS. Mas foi Carlos César a fazê-lo, através do seu Facebook, e o BE não gostou. O partido de Catarina Martins nunca foi grande simpatizante do açoreano e não o esconde, numa relação de desconfiança mútua. Francisco Louçã diz que a declaração de César "soa ao que é", leia-se, "chantagem", José Manuel Pureza resume a um tom que "intimida". Catarina Martins deixou algumas perguntas ainda sem resposta, para a bloquista, e Jorge Costa partilha a notícia de César ao estilo Euronews, sem comentários. O que isto quer dizer é que o cocktail socialista de boas-vindas para as negociações à esquerda, servido pelo presidente do PS, teve sabor amargo. O BE quer outras misturas e não apenas um "enunciado programático" arrancado porque tem de ser.

No dia a seguir ao repto lançado pelo socialista, numa antecipação das negociações à esquerda, os bloquistas quiseram dizer ao PS que ouviram Carlos César, mas que não é assim que se começa uma conversa que queira chegar a bom porto. A líder bloquista diz que "faltam da parte do PS respostas essenciais" sobre o reforço do Serviço Nacional de Saúde e dos serviços públicos, sobre a protecção dos trabalhadores e ainda sobre os "desmandos do Novo Bancos". "O PS ainda não teve uma palavra" sobre "estas matérias|", frisou quando questionada sobre o repto de Carlos César esta terça-feira de manhã quando visitava uma instituição na Guarda.

Francisco Louçã escreve esta terça-feira no Expresso um artigo dedicado apenas a César, dizendo-lhe que "a pressa facebookiana é má conselheira". Mas para o antigo líder do BE, a pressa é o menor dos males das palavras de César; o mais importante, é o que foi dito antes, mais do que agora. "O problema é que para fazer chantagem se exige algum saber e basto sentido de oportunidade. Ambos escasseiam neste 'de uma vez por todas'", escreveu.

Louçã lembra o sonho verbalizado por César de uma maioria absoluta do PS nas legislativas (por outras palavras que queriam dizer o mesmo), porque se os socialistas fossem “sempre atrás do BE”, o país voltaria “ao tempo da bancarrota”. Palavras de César numa jornadas parlamentares do PS em Junho do ano passado, em que o presidente do partido, então líder parlamentar, chegou a dizer que "o Bloco não manda na Assembleia da República nem no país". "Se fôssemos sempre atrás do estilo de aventura e de que tudo é fácil, de que tudo é barato e que tudo pode ser feito e que o BE em especial, mas também alguns dos nossos parceiros, alimentam frequentemente, nós tínhamos um país com uma mão à frente, outra atrás de novo e voltávamos ao tempo da bancarrota", disse na altura. Então como agora, o BE ficou com estas declarações gravadas na memória para agora as relembrar.

Para o PS, o disco mudou, lembra Louçã, e nem em relação ao PCP a música é a mesma. "Um ano depois, César exige ao PCP (com quem “é fácil trabalhar” mas não quer) e ao Bloco (que propôs um acordo mas que foi recusado) que 'se definam de uma vez por todas e sem mais demoras e calculismos'. A palavra 'calculismos' tem aqui um sabor amargo", escreve Louçã.

As reuniões entre o Governo e os partidos à sua esquerda chegaram a estar apalavradas na semana passada, mas não chegaram sequer ainda a ser marcadas. Entretanto, o clima destas semanas de aperitivos que antecedem o prato principal das negociações começa a ficar tenso. "O problema é que o governo ainda não fez as suas escolhas para apresentar as suas propostas orçamentais; que o plano Costa e Silva ainda não foi concretizado em projetos de médio e longo prazo; e que as discussões detalhadas entre o governo e os partidos de esquerda ainda não avançaram, estando agendadas para as próximas semanas. Como podem então concluir-se antes de começarem? A intimação facebookiana de César só tem por isso uma leitura e não lhe é lisonjeira", resume Louçã.

Entretanto, o BE repete a ementa que foi recusada no ano passado nas conversas que saíram furadas com o PS. "Quem agora intima a esquerda a fazer consensos com o PS 'de uma vez por todas e sem demoras' é quem teima em manter tudo como está nas PPP na saúde, nos direitos dos trabalhadores ou na complacência para com os desmandos do Novo Banco. Mudar isto e muito mais é fundamental. De uma vez por todas e sem demoras", escreveu José Manuel Pureza, deputado e dirigente do BE. Para o BE tem de haver reforço visível do SNS (e para isso o Governo tem de cumprir o que ficou definido em Orçamento do Estado para este anos de contratação de profissionais antes de avançar para novas negociações) e tem de estar aberto a mexer no código do trabalho, o empecilho a um acordo em 2019.

"Era preferível mais prudência e menos calculismo. Sair da gritaria no Facebook e sentar-se em reuniões de trabalho. Evitar truques de retórica e estudar propostas. Deixar as rasteiras e discutir questões difíceis. Evitar atalhos. Aliás, poderia ser um sinal interessante que o governo aceitasse agora discutir normas da lei laboral no combate à precariedade e desemprego, se não se tratar de um engodo que vá desaguar no direito de veto das associações patronais na concertação social, mas é preocupante que ao mesmo tempo inicie um recuo sobre o salário mínimo nacional", escreveu Louçã, trazendo para cima da mesa a indefinição (ainda) do Governo sobre o que fazer ao salário mínimo, como notado pelo Expresso há duas semanas.

No meio destes movimentos paradoxais, a ordem dada pelo presidente do PS é o mais desastrado das percalços.

NOTA: Artigo atualizado às 12:25 com as declarações de Catarina Martins em

Desta vez, e não é habitual, Carlos César poupou o Bloco de Esquerda em comentários específicos. Meteu o partido de Catarina Martins num bolo que vai do PCP ao PAN e não o atacou diretamente. Pediu, a todos, que "de uma vez por todas, sem demoras e sem calculismos" se entendam com o PS. Mas foi Carlos César a fazê-lo, através do seu Facebook, e o BE não gostou. O partido de Catarina Martins nunca foi grande simpatizante do açoreano e não o esconde, numa relação de desconfiança mútua. Francisco Louçã diz que a declaração de César "soa ao que é", leia-se, "chantagem", José Manuel Pureza resume a um tom que "intimida". Catarina Martins deixou algumas perguntas ainda sem resposta, para a bloquista, e Jorge Costa partilha a notícia de César ao estilo Euronews, sem comentários. O que isto quer dizer é que o cocktail socialista de boas-vindas para as negociações à esquerda, servido pelo presidente do PS, teve sabor amargo. O BE quer outras misturas e não apenas um "enunciado programático" arrancado porque tem de ser.

No dia a seguir ao repto lançado pelo socialista, numa antecipação das negociações à esquerda, os bloquistas quiseram dizer ao PS que ouviram Carlos César, mas que não é assim que se começa uma conversa que queira chegar a bom porto. A líder bloquista diz que "faltam da parte do PS respostas essenciais" sobre o reforço do Serviço Nacional de Saúde e dos serviços públicos, sobre a protecção dos trabalhadores e ainda sobre os "desmandos do Novo Bancos". "O PS ainda não teve uma palavra" sobre "estas matérias|", frisou quando questionada sobre o repto de Carlos César esta terça-feira de manhã quando visitava uma instituição na Guarda.

Francisco Louçã escreve esta terça-feira no Expresso um artigo dedicado apenas a César, dizendo-lhe que "a pressa facebookiana é má conselheira". Mas para o antigo líder do BE, a pressa é o menor dos males das palavras de César; o mais importante, é o que foi dito antes, mais do que agora. "O problema é que para fazer chantagem se exige algum saber e basto sentido de oportunidade. Ambos escasseiam neste 'de uma vez por todas'", escreveu.

Louçã lembra o sonho verbalizado por César de uma maioria absoluta do PS nas legislativas (por outras palavras que queriam dizer o mesmo), porque se os socialistas fossem “sempre atrás do BE”, o país voltaria “ao tempo da bancarrota”. Palavras de César numa jornadas parlamentares do PS em Junho do ano passado, em que o presidente do partido, então líder parlamentar, chegou a dizer que "o Bloco não manda na Assembleia da República nem no país". "Se fôssemos sempre atrás do estilo de aventura e de que tudo é fácil, de que tudo é barato e que tudo pode ser feito e que o BE em especial, mas também alguns dos nossos parceiros, alimentam frequentemente, nós tínhamos um país com uma mão à frente, outra atrás de novo e voltávamos ao tempo da bancarrota", disse na altura. Então como agora, o BE ficou com estas declarações gravadas na memória para agora as relembrar.

Para o PS, o disco mudou, lembra Louçã, e nem em relação ao PCP a música é a mesma. "Um ano depois, César exige ao PCP (com quem “é fácil trabalhar” mas não quer) e ao Bloco (que propôs um acordo mas que foi recusado) que 'se definam de uma vez por todas e sem mais demoras e calculismos'. A palavra 'calculismos' tem aqui um sabor amargo", escreve Louçã.

As reuniões entre o Governo e os partidos à sua esquerda chegaram a estar apalavradas na semana passada, mas não chegaram sequer ainda a ser marcadas. Entretanto, o clima destas semanas de aperitivos que antecedem o prato principal das negociações começa a ficar tenso. "O problema é que o governo ainda não fez as suas escolhas para apresentar as suas propostas orçamentais; que o plano Costa e Silva ainda não foi concretizado em projetos de médio e longo prazo; e que as discussões detalhadas entre o governo e os partidos de esquerda ainda não avançaram, estando agendadas para as próximas semanas. Como podem então concluir-se antes de começarem? A intimação facebookiana de César só tem por isso uma leitura e não lhe é lisonjeira", resume Louçã.

Entretanto, o BE repete a ementa que foi recusada no ano passado nas conversas que saíram furadas com o PS. "Quem agora intima a esquerda a fazer consensos com o PS 'de uma vez por todas e sem demoras' é quem teima em manter tudo como está nas PPP na saúde, nos direitos dos trabalhadores ou na complacência para com os desmandos do Novo Banco. Mudar isto e muito mais é fundamental. De uma vez por todas e sem demoras", escreveu José Manuel Pureza, deputado e dirigente do BE. Para o BE tem de haver reforço visível do SNS (e para isso o Governo tem de cumprir o que ficou definido em Orçamento do Estado para este anos de contratação de profissionais antes de avançar para novas negociações) e tem de estar aberto a mexer no código do trabalho, o empecilho a um acordo em 2019.

"Era preferível mais prudência e menos calculismo. Sair da gritaria no Facebook e sentar-se em reuniões de trabalho. Evitar truques de retórica e estudar propostas. Deixar as rasteiras e discutir questões difíceis. Evitar atalhos. Aliás, poderia ser um sinal interessante que o governo aceitasse agora discutir normas da lei laboral no combate à precariedade e desemprego, se não se tratar de um engodo que vá desaguar no direito de veto das associações patronais na concertação social, mas é preocupante que ao mesmo tempo inicie um recuo sobre o salário mínimo nacional", escreveu Louçã, trazendo para cima da mesa a indefinição (ainda) do Governo sobre o que fazer ao salário mínimo, como notado pelo Expresso há duas semanas.

No meio destes movimentos paradoxais, a ordem dada pelo presidente do PS é o mais desastrado das percalços.

NOTA: Artigo atualizado às 12:25 com as declarações de Catarina Martins em

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