falso lugar: a poesia

01-06-2020
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Carnacfragmentos1Mar à beira do nada,Que se mistura ao nada,Para melhor saber o céu,As praias, os rochedos,Para melhor os receber.2Algum dia brincaremos,Por uma hora que seja,Nada mais que alguns minutos,Oceano solene,Sem que tenhas tu esse arDe outra coisa te ocupar?3Sabes de mais que todos te preferem,Que mesmo aqueles que te deixaramNos trigos te reencontram,Na erva te procuram,Na pedra te escutam,Sem que jamais consigam agarrar-te.4Tem qualquer coisa a verCom a noção de Deus,Água que já não és água,Poder desprovido de mãos e de instrumentos,Peso sem empregoPara quem o tempo não existe.5Sejamos justos: sem tiDe que me servia o espaçoE as rochas de que serviam?6Não temos margens, na verdade,Nem tu nem eu.7Ouve bem o que fazA pólvora explodindo.Ouve bem o que fazO frágil violino.8Sei bem que há outros mares,Mar do pescador,Mar dos navegadores,Mar dos marinheiros e guerreiros,Mar dos que querem morrer no mar.Não sou um dicionário,Falo só de nós doisE quando digo o marÉ sempre o de Carnac.9As mesmas terras sempreA teres de acariciar.Jamais um corpo novoQue possas ensaiar.10As profundezas, que procuramos,Serão as tuas?As nossas têm poder de chama.11Demasiado largoPara ser cavalgado.Demasiado largoPara ser estreitado.E flácido.12Se acaso acreditas no valor dos sonsDeves sentir-te arrepiarSó de ouvir este nome de mar.13Tu vais e vensMas dentro de limitesFixados por uma leiQue não chega a ser tua.Nós temos em comumA experiência do muro.guilleviccarnac (1961)vozes da poesia europeia IIItraduções de david mourão ferreiracolóquio letras 165fundação calouste gulbenkian2003


Carnacfragmentos1Mar à beira do nada,Que se mistura ao nada,Para melhor saber o céu,As praias, os rochedos,Para melhor os receber.2Algum dia brincaremos,Por uma hora que seja,Nada mais que alguns minutos,Oceano solene,Sem que tenhas tu esse arDe outra coisa te ocupar?3Sabes de mais que todos te preferem,Que mesmo aqueles que te deixaramNos trigos te reencontram,Na erva te procuram,Na pedra te escutam,Sem que jamais consigam agarrar-te.4Tem qualquer coisa a verCom a noção de Deus,Água que já não és água,Poder desprovido de mãos e de instrumentos,Peso sem empregoPara quem o tempo não existe.5Sejamos justos: sem tiDe que me servia o espaçoE as rochas de que serviam?6Não temos margens, na verdade,Nem tu nem eu.7Ouve bem o que fazA pólvora explodindo.Ouve bem o que fazO frágil violino.8Sei bem que há outros mares,Mar do pescador,Mar dos navegadores,Mar dos marinheiros e guerreiros,Mar dos que querem morrer no mar.Não sou um dicionário,Falo só de nós doisE quando digo o marÉ sempre o de Carnac.9As mesmas terras sempreA teres de acariciar.Jamais um corpo novoQue possas ensaiar.10As profundezas, que procuramos,Serão as tuas?As nossas têm poder de chama.11Demasiado largoPara ser cavalgado.Demasiado largoPara ser estreitado.E flácido.12Se acaso acreditas no valor dos sonsDeves sentir-te arrepiarSó de ouvir este nome de mar.13Tu vais e vensMas dentro de limitesFixados por uma leiQue não chega a ser tua.Nós temos em comumA experiência do muro.guilleviccarnac (1961)vozes da poesia europeia IIItraduções de david mourão ferreiracolóquio letras 165fundação calouste gulbenkian2003

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