Grande Loja do Queijo Limiano: Mudam-se os tempos, não se mudam as vontades

04-01-2020
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“...há na SEC um regulamento de disciplina, entre o siciliano e o militar, que faz pagar caras as excepções à lei do silêncio...”,

dizia, em 1992, José Magalhães, a propósito de um processo disciplinar mandado instaurar pelo Secretário de Estado da Cultura de então (Santana Lopes) ao arqueólogo Luís Raposo, técnico superior do Museu Nacional de Arqueologia, na sequência de um artigo que este assinara no “Público” (de 13.06.92), no qual criticava, em linguagem aliás muito contundente, a política da tutela para a área da Arqueologia (v. “O Independente”, de 28.08.92, pág. 18).

Seria deveras interessante saber o que José Magalhães tem a dizer agora da actuação da Ministra da Cultura, no recente caso da demissão da Directora do Museu Nacional de Arte Antiga.

Enquanto não o faz, resta-nos a opinião do defensor oficioso do Governo, em escala permanente na blogosfera. Mas, hélas, Vital Moreira desta vez não se esforçou muito ... por pouco não se limitava a “pedir Justiça”. Sibilinamente, o prestigiado constitucionalista não contesta que os dirigentes da administração pública possam criticar as políticas da tutela. Entende, porém, que não o podem fazer “sem se demitir” (ou, supõe-se, ser demitidos). Isto porque, não seria “possível executar lealmente uma política de que se discorda”.

Haverá casos limite em que tal suceda (ou em que a opinião manifestada possa ser sancionada por se verificar, em concreto, um uso abusivo da liberdade de expressão). No caso em apreço, nada o indicia. Não obstante a discordância quanto às opções da tutela, o desempenho da dirigente demitida parece ter sido excelente, não se conhecendo dados que permitam presumir que não continuasse a sê-lo.

O curioso entendimento de que a discordância das opções da tutela impediria, necessariamente, a leal execução das políticas de que se discorda, teria como corolário a generalização, na administração pública, da regra da livre nomeação / demissão por critérios de confiança (política ou pessoal). Sendo Vital Moreira - honra lhe seja feita - um conhecido defensor da excepcionalidade e da estrita delimitação dos cargos de livre nomeação, cai agora em manifesta contradição. A menos que, no fundo, entenda que na administração pública não vigora o direito à expressão de críticas (que, a meu ver, em certas circunstâncias, será até um dever funcional...). Ou que, como dizia José Magalhães em 1992, há que fazer pagar caro as excepções à lei do silêncio.

Coerência e bom senso, nem sempre abundam. É um facto.

Publicado por Gomez

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“...há na SEC um regulamento de disciplina, entre o siciliano e o militar, que faz pagar caras as excepções à lei do silêncio...”,

dizia, em 1992, José Magalhães, a propósito de um processo disciplinar mandado instaurar pelo Secretário de Estado da Cultura de então (Santana Lopes) ao arqueólogo Luís Raposo, técnico superior do Museu Nacional de Arqueologia, na sequência de um artigo que este assinara no “Público” (de 13.06.92), no qual criticava, em linguagem aliás muito contundente, a política da tutela para a área da Arqueologia (v. “O Independente”, de 28.08.92, pág. 18).

Seria deveras interessante saber o que José Magalhães tem a dizer agora da actuação da Ministra da Cultura, no recente caso da demissão da Directora do Museu Nacional de Arte Antiga.

Enquanto não o faz, resta-nos a opinião do defensor oficioso do Governo, em escala permanente na blogosfera. Mas, hélas, Vital Moreira desta vez não se esforçou muito ... por pouco não se limitava a “pedir Justiça”. Sibilinamente, o prestigiado constitucionalista não contesta que os dirigentes da administração pública possam criticar as políticas da tutela. Entende, porém, que não o podem fazer “sem se demitir” (ou, supõe-se, ser demitidos). Isto porque, não seria “possível executar lealmente uma política de que se discorda”.

Haverá casos limite em que tal suceda (ou em que a opinião manifestada possa ser sancionada por se verificar, em concreto, um uso abusivo da liberdade de expressão). No caso em apreço, nada o indicia. Não obstante a discordância quanto às opções da tutela, o desempenho da dirigente demitida parece ter sido excelente, não se conhecendo dados que permitam presumir que não continuasse a sê-lo.

O curioso entendimento de que a discordância das opções da tutela impediria, necessariamente, a leal execução das políticas de que se discorda, teria como corolário a generalização, na administração pública, da regra da livre nomeação / demissão por critérios de confiança (política ou pessoal). Sendo Vital Moreira - honra lhe seja feita - um conhecido defensor da excepcionalidade e da estrita delimitação dos cargos de livre nomeação, cai agora em manifesta contradição. A menos que, no fundo, entenda que na administração pública não vigora o direito à expressão de críticas (que, a meu ver, em certas circunstâncias, será até um dever funcional...). Ou que, como dizia José Magalhães em 1992, há que fazer pagar caro as excepções à lei do silêncio.

Coerência e bom senso, nem sempre abundam. É um facto.

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