Muxicongo

13-12-2019
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S. Salvador do Congo (hoje M'banza Congo) conheceu os nossos passos, pois aí vivemos (mesmo em frente às ruínas da antiga Sé do Congo) e aí nasceu nosso irmão Helder Manuel Pereira da Silva. A nossa entrada em S. Salvador do Congo deu-se pela estação do cacimbo, no longínquo ano de 1965. Esta cidade, ao tempo, capital do distrito do Zaire, situava-se a 216 quilómetros de Maquela do Zombo; 70 de Luvo, posto de despacho alfandegário (fronteira com o ex-Congo Belga); 180 de Nóqui; 53 de Madinha; 65 do Cuimba e 30 do Buéla. As terras de M'banza Congo ali a nossos pés, faziam-nos sonhar com o antigo reino do Congo, cuja cristianização se iniciou nos fins do século XV. Foi ali que, nove anos depois de Diogo Cão descobrir o rio Congo (1482), em 1491, aportaram os primeiros missionários, os cónegos seculares de Santo Elói de Lisboa. A 3 de Maio baptizaram o rei Nzinga-a-Nkuwa que, tomando o nome de D. João I, deu assim início a uma dinastia cristã. Não admira que se reproduzissem tantas historias e lendas. A imponente e bem conservada coluna erigida ao lado direito da Sé, no antigo cemitério dos monarcas do Congo, por exemplo, falava-nos da traição de uma rainha negra, e que o déspota rei do Congo, seu marido, fiel ao cristianismo e aos portugueses, a mandou sepultar viva nessa coluna, servindo de coacção aos seus súbditos. Talvez a forma deturpada de lembrar Afonso I, filho de D. João I, quando reprimiu a revolta dos pagãos chefiados por seu irmão mais novo. O conceito de monarquia, fazia sentido nestas terras. Ouvimos falar dela, privamos de perto com um descendente (de quem não nos lembramos o nome) do último rei do Congo (D. António III), falecido em 1957, depois de um breve reinado de pouco mais de um ano. Por ser primo de D. Isabel, herdeira do trono, o casamento realizou-se (1924) com autorização especial (dispensa) de Roma. Guiado pelo seu descendente, chegamos a entrar na casa que serviu de residência deste monarca, percorrendo as dependências, avivando aqui e acolá um sentimento de africanidade, revelado não só pelos cenários, mas sobretudo pelas memórias. A árvore da cola, que diziam ter sido da forca, testemunhou alguns dos nossos passos, confidências e brincadeiras. Dentro da nossa inocência, ouvimos falar, pela passagem de testemunho dos seus ascendentes, da forma pouco ortodoxa e sobretudo enganosa com que o governo português havia alimentado este reinado sem trono, mesmo quando lhes permitiu (a D. António III e D. Isabel) possuir casa de Estado, secretários e ministros, à semelhança dos seus antepassados. À data da nossa permanência em S. Salvador do Congo, D. Isabel (Quengue) ainda era viva, mas já havia sido destituída do título de rainha (1962) e vivia numa das sanzalas das imediações.  [Texto extraído e adaptado do nosso livro «Chamaram-me Muxicongo: memórias de um ex-metalúrgico», Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1999].

S. Salvador do Congo (hoje M'banza Congo) conheceu os nossos passos, pois aí vivemos (mesmo em frente às ruínas da antiga Sé do Congo) e aí nasceu nosso irmão Helder Manuel Pereira da Silva. A nossa entrada em S. Salvador do Congo deu-se pela estação do cacimbo, no longínquo ano de 1965. Esta cidade, ao tempo, capital do distrito do Zaire, situava-se a 216 quilómetros de Maquela do Zombo; 70 de Luvo, posto de despacho alfandegário (fronteira com o ex-Congo Belga); 180 de Nóqui; 53 de Madinha; 65 do Cuimba e 30 do Buéla. As terras de M'banza Congo ali a nossos pés, faziam-nos sonhar com o antigo reino do Congo, cuja cristianização se iniciou nos fins do século XV. Foi ali que, nove anos depois de Diogo Cão descobrir o rio Congo (1482), em 1491, aportaram os primeiros missionários, os cónegos seculares de Santo Elói de Lisboa. A 3 de Maio baptizaram o rei Nzinga-a-Nkuwa que, tomando o nome de D. João I, deu assim início a uma dinastia cristã. Não admira que se reproduzissem tantas historias e lendas. A imponente e bem conservada coluna erigida ao lado direito da Sé, no antigo cemitério dos monarcas do Congo, por exemplo, falava-nos da traição de uma rainha negra, e que o déspota rei do Congo, seu marido, fiel ao cristianismo e aos portugueses, a mandou sepultar viva nessa coluna, servindo de coacção aos seus súbditos. Talvez a forma deturpada de lembrar Afonso I, filho de D. João I, quando reprimiu a revolta dos pagãos chefiados por seu irmão mais novo. O conceito de monarquia, fazia sentido nestas terras. Ouvimos falar dela, privamos de perto com um descendente (de quem não nos lembramos o nome) do último rei do Congo (D. António III), falecido em 1957, depois de um breve reinado de pouco mais de um ano. Por ser primo de D. Isabel, herdeira do trono, o casamento realizou-se (1924) com autorização especial (dispensa) de Roma. Guiado pelo seu descendente, chegamos a entrar na casa que serviu de residência deste monarca, percorrendo as dependências, avivando aqui e acolá um sentimento de africanidade, revelado não só pelos cenários, mas sobretudo pelas memórias. A árvore da cola, que diziam ter sido da forca, testemunhou alguns dos nossos passos, confidências e brincadeiras. Dentro da nossa inocência, ouvimos falar, pela passagem de testemunho dos seus ascendentes, da forma pouco ortodoxa e sobretudo enganosa com que o governo português havia alimentado este reinado sem trono, mesmo quando lhes permitiu (a D. António III e D. Isabel) possuir casa de Estado, secretários e ministros, à semelhança dos seus antepassados. À data da nossa permanência em S. Salvador do Congo, D. Isabel (Quengue) ainda era viva, mas já havia sido destituída do título de rainha (1962) e vivia numa das sanzalas das imediações.  [Texto extraído e adaptado do nosso livro «Chamaram-me Muxicongo: memórias de um ex-metalúrgico», Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1999].

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