“Se eu não tenho apoio público, não tenho credibilidade junto dos privados”

04-01-2020
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Os resultados do concurso ao Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes são provisórios e o anúncio de uma manifestação marcada para a próxima sexta-feira em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada, bem como o pedido de uma audição com o primeiro-ministro, António Costa, subscrito por dezenas de estruturas artísticas, atores e agentes culturais fazem prever mudanças nos próximos tempos, mas Teresa Simas assume várias reservas e a Orquestra de Câmara Portuguesa, de que é uma das fundadoras, cancelou já a sua digressão a Macau e à China. “Todos os pagamentos, incluindo viagens e estadia, teriam de ser feitos agora e, como poderá imaginar, é um risco gigantesco que não podemos correr”, diz ao Expresso. A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), fundada em Algés em julho de 2007, é uma das estruturas na área da música que, segundo os resultados provisórios da Direção-Geral das Artes (DGArtes), não irá receber financiamento no período de 2018 a 2021, a par com a Banda Sinfónica Portuguesa, do Porto, a Casa Bernardo Sassetti, criada em 2012, a Academia de Música de Lagos e a Orquestra Clássica do Centro, sediada em Coimbra. No total, foram 18 as candidaturas recusadas nesta área, de 47 avaliadas. Teresa Simas não compreende os resultados, uma vez que “nos últimos concursos ficámos em primeiro lugar”, e não tem dúvidas sobre o acontecerá à orquestra caso a situação não se reverta. “Vamos morrer completamente. Temos uma estrutura de produção, administração e direção muito pequena, que gere o projeto-mãe e vários projetos sociais. Se não houver um plano B dentro do Ministério da Cultura, fecharemos as portas”, diz Teresa Simas, acrescentando que, “se nada se inverter”, o último concerto da Jovem Orquestra Portuguesa (JOP), um dos projetos da OCP e a “única orquestra inclusiva do país formada por jovens de todo o país”, será no dia 21 de abril, no Centro Cultural de Belém. Entre 30% a 40% dos apoios da Orquestra de Câmara Portuguesa são atribuídos pelo Governo. “Isto é pescadinha de rabo na boca. Se eu não tenho apoio público, não tenho credibilidade junto dos privados e se não tenho apoio dos privados não tenho credibilidade junto do público. Somos artistas, mas na verdade somos gestores financeiros da cultura.” Entretanto, foi colocada a circular uma carta aberta escrita pelos músicos da JOP em que estes pedem ajuda e lançam um “grito de socorro”. Com o mesmo propósito foi criado um movimento nas redes sociais identificado pela hashtag #SAVEJOP. Esta terça-feira, e já depois de o Ministério da Cultura ter elevado para 72,5 milhões de euros o montante disponível até 2021, o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, anunciou um reforço de 900 mil euros por ano na área do teatro e a própria DGArtes tornou públicos os critérios segundo os quais vai distribuir o reforço de dois milhões de euros para o apoio às artes. O teatro receberá portanto o grosso deste montante, 45%. De fora ficam duas áreas, dança e circo contemporâneo e artes de rua. As estruturas a apoiar vão ser selecionadas consoante “a pontuação e ordenação” que lhes foi atribuída pelos júris dos concursos e tornadas já públicas. Teresa Simas, contudo, não acalenta grandes esperanças. “Estamos cinco posições abaixo dos contemplados, portanto acho que não vai chegar a nós.” Tudo se resolveria se o montante atribuído às artes fosse superior. “Não penso que haja má vontade de ninguém, nem sequer dos políticos. Simplesmente o dinheiro não chega. Não chega de todo”.

MÁRIO CRUZ / Lusa

“Este teatro já resistiu a todos os regimes que Portugal teve” Gonçalo Amorim, diretor do Teatro Experimental do Porto, concorda com Teresa Simas. “Estes resultados mostram-nos que a dotação orçamental não é suficiente para dar conta da riqueza e diversidade do tecido artístico português.” O teatro que dirige desde 2013 foi uma 39 estruturas nesta área que ficaram provisoriamente de fora dos apoios do Estado para os próximos quatro anos, de um total de 89 avaliadas. “Achamos que fomos mal avaliados e vamos recorrer da decisão”, diz ao Expresso Gonçalo Amorim, para quem o reforço anunciado é “insuficiente”. “O sector continua unido no sentido de recuperar os valores de 2009. É o mínimo e é o mais justo, tendo em conta aquilo que o Governo tem vindo a dizer. Foram repostos valores noutras áreas, as artes não devem ser uma exceção.” Menos drástico do que Teresa Simas, Gonçalo Amorim mostra-se ainda assim preocupado com o futuro do teatro que dirige. “Estes cortes fragilizam muito as estruturas, ainda que estas mantenham outros canais de financiamento. No caso deste teatro, não significa que vá encerrar, até porque tem 65 anos e já resistiu a todos os regimes que Portugal já reconheceu, inclusive o fascismo. A quebra na atividade diária poderá, contudo, levar a despedimentos.” O diretor critica o modelo utilizado para a atribuição dos apoios às artes, que fomenta “desigualdades geográficas” e “agrava assimetrias regionais”, bem como a “forma como os critérios de seleção são aplicados”. “É necessária uma divisão entre criação e programação que não está aqui contemplada. Os agentes culturais têm de participar na formulação de um novo modelo ou rever este para que o sector não paralise completamente. Não há nenhuma pessoa em Portugal que consiga fazer um modelo que contemple a diversidade do nosso território artístico. É preciso juntar o maior número possível de pessoas.” Política cultural transformou-se numa “política de afetos e interesses” Também André Braga, elemento da direção artística da Circolando, estrutura ligada ao teatro e dança e sediada no Porto, critica a distribuição dos apoios. “Esse critério da distribuição justa ao nível do território só existe mesmo na comunicação social”, sublinha ao Expresso. A Circolando também ficou provisoriamente de fora dos contemplados pela DGArtes no programa de apoio na área dos cruzamentos disciplinares, em paralelo com o Chapitô, Cão Danado e Circular, entre outras estruturas (de 47 candidaturas, foram aprovadas 23). O reforço de financiamento anunciado pelo Governo torna a estrutura de novo elegível, mas isso não satisfaz André Braga. “Não vamos ficar satisfeitos seja como for. A nossa candidatura era imbatível, como foi reconhecido em anos anteriores e também este ano.” Para André Braga, a política cultural transformou-se numa “política de afetos e interesses” e só isso poderá explicar estes resultados. Já Teresa Simas, questionada sobre o atual modelo de atribuição de fundos, refere que este “não contempla a missão, história e valores de cada instituição” e fala em “concorrência desleal”. “Estamos a competir com instituições e estruturas que têm o apoio das autarquias há muito tempo e que têm, por isso, outro tipo de alavancagem política. Estamos todos na mesma carruagem e isso é injusto. Nós só temos o mérito e o trabalho que apresentamos, mais nada.” Qual a solução? Não sabe, mas dá como exemplo países como França, Espanha e Holanda que “têm modelos que funcionam e que apoiam as estruturas artísticas, das mais antigas às menos antigas”. “Tem de haver uma distinção entre estruturas, com apoios diferentes.” É também isso que sugere José Luís Ferreira, produtor e ex-diretor artístico do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, em declarações ao Expresso. “É preciso desburocratizar, reforçar a pluralidade e a diversidade e reconhecer a diferença entre os vários projetos. É importante promover uma clara separação dos perfis de candidatos nos concursos para evitar a presença de entidades públicas e estruturas independentes tal como aconteceu agora.” José Luís Ferreira recomenda também o “reforço dos mecanismos de acompanhamento”, para que “tudo não se resuma a um momento de avaliação que não reflete a atividade concreta de cada uma destas estruturas”.

Marcos Borga

Os resultados do concurso ao Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes são provisórios e o anúncio de uma manifestação marcada para a próxima sexta-feira em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada, bem como o pedido de uma audição com o primeiro-ministro, António Costa, subscrito por dezenas de estruturas artísticas, atores e agentes culturais fazem prever mudanças nos próximos tempos, mas Teresa Simas assume várias reservas e a Orquestra de Câmara Portuguesa, de que é uma das fundadoras, cancelou já a sua digressão a Macau e à China. “Todos os pagamentos, incluindo viagens e estadia, teriam de ser feitos agora e, como poderá imaginar, é um risco gigantesco que não podemos correr”, diz ao Expresso. A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), fundada em Algés em julho de 2007, é uma das estruturas na área da música que, segundo os resultados provisórios da Direção-Geral das Artes (DGArtes), não irá receber financiamento no período de 2018 a 2021, a par com a Banda Sinfónica Portuguesa, do Porto, a Casa Bernardo Sassetti, criada em 2012, a Academia de Música de Lagos e a Orquestra Clássica do Centro, sediada em Coimbra. No total, foram 18 as candidaturas recusadas nesta área, de 47 avaliadas. Teresa Simas não compreende os resultados, uma vez que “nos últimos concursos ficámos em primeiro lugar”, e não tem dúvidas sobre o acontecerá à orquestra caso a situação não se reverta. “Vamos morrer completamente. Temos uma estrutura de produção, administração e direção muito pequena, que gere o projeto-mãe e vários projetos sociais. Se não houver um plano B dentro do Ministério da Cultura, fecharemos as portas”, diz Teresa Simas, acrescentando que, “se nada se inverter”, o último concerto da Jovem Orquestra Portuguesa (JOP), um dos projetos da OCP e a “única orquestra inclusiva do país formada por jovens de todo o país”, será no dia 21 de abril, no Centro Cultural de Belém. Entre 30% a 40% dos apoios da Orquestra de Câmara Portuguesa são atribuídos pelo Governo. “Isto é pescadinha de rabo na boca. Se eu não tenho apoio público, não tenho credibilidade junto dos privados e se não tenho apoio dos privados não tenho credibilidade junto do público. Somos artistas, mas na verdade somos gestores financeiros da cultura.” Entretanto, foi colocada a circular uma carta aberta escrita pelos músicos da JOP em que estes pedem ajuda e lançam um “grito de socorro”. Com o mesmo propósito foi criado um movimento nas redes sociais identificado pela hashtag #SAVEJOP. Esta terça-feira, e já depois de o Ministério da Cultura ter elevado para 72,5 milhões de euros o montante disponível até 2021, o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, anunciou um reforço de 900 mil euros por ano na área do teatro e a própria DGArtes tornou públicos os critérios segundo os quais vai distribuir o reforço de dois milhões de euros para o apoio às artes. O teatro receberá portanto o grosso deste montante, 45%. De fora ficam duas áreas, dança e circo contemporâneo e artes de rua. As estruturas a apoiar vão ser selecionadas consoante “a pontuação e ordenação” que lhes foi atribuída pelos júris dos concursos e tornadas já públicas. Teresa Simas, contudo, não acalenta grandes esperanças. “Estamos cinco posições abaixo dos contemplados, portanto acho que não vai chegar a nós.” Tudo se resolveria se o montante atribuído às artes fosse superior. “Não penso que haja má vontade de ninguém, nem sequer dos políticos. Simplesmente o dinheiro não chega. Não chega de todo”.

MÁRIO CRUZ / Lusa

“Este teatro já resistiu a todos os regimes que Portugal teve” Gonçalo Amorim, diretor do Teatro Experimental do Porto, concorda com Teresa Simas. “Estes resultados mostram-nos que a dotação orçamental não é suficiente para dar conta da riqueza e diversidade do tecido artístico português.” O teatro que dirige desde 2013 foi uma 39 estruturas nesta área que ficaram provisoriamente de fora dos apoios do Estado para os próximos quatro anos, de um total de 89 avaliadas. “Achamos que fomos mal avaliados e vamos recorrer da decisão”, diz ao Expresso Gonçalo Amorim, para quem o reforço anunciado é “insuficiente”. “O sector continua unido no sentido de recuperar os valores de 2009. É o mínimo e é o mais justo, tendo em conta aquilo que o Governo tem vindo a dizer. Foram repostos valores noutras áreas, as artes não devem ser uma exceção.” Menos drástico do que Teresa Simas, Gonçalo Amorim mostra-se ainda assim preocupado com o futuro do teatro que dirige. “Estes cortes fragilizam muito as estruturas, ainda que estas mantenham outros canais de financiamento. No caso deste teatro, não significa que vá encerrar, até porque tem 65 anos e já resistiu a todos os regimes que Portugal já reconheceu, inclusive o fascismo. A quebra na atividade diária poderá, contudo, levar a despedimentos.” O diretor critica o modelo utilizado para a atribuição dos apoios às artes, que fomenta “desigualdades geográficas” e “agrava assimetrias regionais”, bem como a “forma como os critérios de seleção são aplicados”. “É necessária uma divisão entre criação e programação que não está aqui contemplada. Os agentes culturais têm de participar na formulação de um novo modelo ou rever este para que o sector não paralise completamente. Não há nenhuma pessoa em Portugal que consiga fazer um modelo que contemple a diversidade do nosso território artístico. É preciso juntar o maior número possível de pessoas.” Política cultural transformou-se numa “política de afetos e interesses” Também André Braga, elemento da direção artística da Circolando, estrutura ligada ao teatro e dança e sediada no Porto, critica a distribuição dos apoios. “Esse critério da distribuição justa ao nível do território só existe mesmo na comunicação social”, sublinha ao Expresso. A Circolando também ficou provisoriamente de fora dos contemplados pela DGArtes no programa de apoio na área dos cruzamentos disciplinares, em paralelo com o Chapitô, Cão Danado e Circular, entre outras estruturas (de 47 candidaturas, foram aprovadas 23). O reforço de financiamento anunciado pelo Governo torna a estrutura de novo elegível, mas isso não satisfaz André Braga. “Não vamos ficar satisfeitos seja como for. A nossa candidatura era imbatível, como foi reconhecido em anos anteriores e também este ano.” Para André Braga, a política cultural transformou-se numa “política de afetos e interesses” e só isso poderá explicar estes resultados. Já Teresa Simas, questionada sobre o atual modelo de atribuição de fundos, refere que este “não contempla a missão, história e valores de cada instituição” e fala em “concorrência desleal”. “Estamos a competir com instituições e estruturas que têm o apoio das autarquias há muito tempo e que têm, por isso, outro tipo de alavancagem política. Estamos todos na mesma carruagem e isso é injusto. Nós só temos o mérito e o trabalho que apresentamos, mais nada.” Qual a solução? Não sabe, mas dá como exemplo países como França, Espanha e Holanda que “têm modelos que funcionam e que apoiam as estruturas artísticas, das mais antigas às menos antigas”. “Tem de haver uma distinção entre estruturas, com apoios diferentes.” É também isso que sugere José Luís Ferreira, produtor e ex-diretor artístico do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, em declarações ao Expresso. “É preciso desburocratizar, reforçar a pluralidade e a diversidade e reconhecer a diferença entre os vários projetos. É importante promover uma clara separação dos perfis de candidatos nos concursos para evitar a presença de entidades públicas e estruturas independentes tal como aconteceu agora.” José Luís Ferreira recomenda também o “reforço dos mecanismos de acompanhamento”, para que “tudo não se resuma a um momento de avaliação que não reflete a atividade concreta de cada uma destas estruturas”.

Marcos Borga

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