Aguenta, Rui, aguenta! Faz sentido apontar aos eleitores do PS para depois governar com o Chega?

23-06-2020
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As pequenas variações discursivas do líder do PSD entronizado este fim de semana em Viana do Castelo são a circunstância de um líder que optou por esperar pelo poder, se ele vier, em vez de lutar para o conquistar. Rui Rio aposta numa estratégia de “aguenta, aguenta” - e pode bater o recorde de quatro anos como líder na oposição -, até António Costa não se aguentar e cair, seja por acidente político, seja por desgaste natural. Estar lá quando ou se acontecer alguma coisa ao PS pode funcionar e já funcionou (com Durão Barroso e Pedro Passos Coelho). E também já funcionou ao contrário, com António Guterres e José Sócrates.

Mas este caminho não é certo e tem pelo menos uma contradição insanável: Rio é realista em querer crescer ao centro com os ex-votos do PS e entre abstencionistas. Mais: é pragmático por pensar que depois se pode apoiar no resto da direita para chegar ao poder. Pode fazê-lo? Sim. Faz sentido? Nem por isso. Mas essa é outra conversa e já lá vamos.

Primeiro, a coerência. Rui Rio tem caminho aberto até às autárquicas e, se tudo correr como planeou, até às legislativas - a oposição interna dificilmente terá condições de o apear. O discurso de abertura, sem grande novidade, a repisar o que foi dizendo nos últimos dois anos, não é fruto de uma distração. É uma maneira provar coerência: aposta no centro, na rejeição do ‘bota-abaixismo”, no discurso contra os vícios do partido e da política (Banho de Ética: Parte II), nas exigências de lealdade, etc. O líder do PSD estabeleceu uma rota e mantém a proa do navio alinhada com a sua bússola ao centro mas olha para as estrelas à direita.

Resumindo: Rui Rio acha que são os governos que perdem as eleições e quer estar no lugar certo no momento certo para ser olhado como alternativa a António Costa quando este cair em desgraça (mais tarde ou mais cedo, todas as carreiras políticas acabam mal...). Mas com que identidade? Rio explicou:

“Não somos, pois, a direita, nem somos a esquerda. Não somos liberais nem conservadores, assim como não somos socialistas nem estatizantes. Abarcamos todo o centro político, ou seja, o espaço onde se encontra a esmagadora maioria das pessoas.”

Postas as coisas assim, parece que o PSD não é nada, não quer ser nada ou que é apenas um centro tecnocrático e pragmático (a lembrar Cavaco Silva, que se já se posicionava como pós-ideológico nos anos 80 e 90). Rio, porém, esclarece que não, que é social-democrata. Mas isso diz pouco depois do que disse que não era.

A tentativa de clarificação ideológica gera ainda mais confusão porque parece chocar de frente com o objetivo final: Rui Rio garante que não é de direita; mas quer “ser o líder de uma opção à direita da maioria de esquerda”. É aqui que reside uma contradição que seria reforçada por Nuno Morais Sarmento, vice-presidente do partido. O ex-ministro de Barroso subiu ao palco para defender que o PSD deve ser “trincheira do centro” para depois abraçar a direita: "O espaço natural de entendimento do PSD são os partidos da direita democrática, antes o CDS e agora com os novos partidos", disse. E incluiu os novos "pequenos partidos" - e o Chega também.

É realpolitik pura. Sem esse cinismo, na verdade, poucos têm condições para governar - e agora ainda mais com a fragmentação parlamentar. Mas não se pode querer sol na eira do centro e chuva no nabal da direita. Rio pode dizer que “deslocar o PSD para a direita” é “desvirtuar” os “princípios” e “valores” do partido, mas isso torna-se pouco compatível com alianças que vão até à parede da extrema direita ou da direita populista sem “desvirtuar” os tais “princípios” e “valores” que Rio advoga - a não ser que esteja disponível para abdicar deles.

Não é muito óbvio que se apanhem votos do PS a admitir coligações com ultra-liberais ou com populistas da direita dura. E o argumento de que o PS se coligou com a extrema-esquerda não é a melhor justificação: é usar a seu favor o argumento que usava contra os outros. Para ser coerente, este era um discurso onde encaixava na perfeição a defesa de um Bloco Central. Mas Nuno Morais Sarmento também descartou essa possibilidade de forma definitiva.

As probabilidades de sucesso desta estratégia ainda são estreitas, mas em política tudo pode mudar num instante: a esquerda está mais deslaçada, o PS não parece caminhar para uma maioria absoluta, António Costa pode derrapar no Orçamento a seguir às autárquicas (e Rio conta com isso).

Mas a nova direita ainda não se percebe bem o que é: a liderança recente do CDS é uma incógnita e o real valor do Chega e da Iniciativa Liberal são desconhecidos. Antes de 2027 - como José Miguel Júdice escreveu no Expresso - não será fácil à direita chegar ao poder. E Rio pode estar a ser vítima da sua própria resiliência, permanecendo na liderança da oposição no interesse dos que se reservam, até cheirar mesmo a poder (e o PSD tem um faro apuradíssimo). Os próximos anos vão dizer-nos se a tendência é o PSD voltar a crescer ou continuar a encolher.

Pelo menos, estes anos devem ser passados em paz, ou num clima de paz relativa. Se Rio ganhou tempo e condições com o armistício interno, o futuro de Luís Montenegro esmoreceu. Sobra Pinto Luz, que aproveitou o Congresso do PSD para manter viva a chama. Vamos ver que papel ainda terão estes homens. Ou outros.

Minutos antes de começar o Porto-Benfica, José Eduardo Martins, num dos melhores discursos do Congresso, resumiu de uma maneira muito simples porque é que o PSD está em erosão: o partido tem tido uma grande incapacidade de compreender como o mundo "tem mudado". Se o mundo continuar a mudar, e o PSD não o acompanhar, depois pode ser tarde de mais...

As pequenas variações discursivas do líder do PSD entronizado este fim de semana em Viana do Castelo são a circunstância de um líder que optou por esperar pelo poder, se ele vier, em vez de lutar para o conquistar. Rui Rio aposta numa estratégia de “aguenta, aguenta” - e pode bater o recorde de quatro anos como líder na oposição -, até António Costa não se aguentar e cair, seja por acidente político, seja por desgaste natural. Estar lá quando ou se acontecer alguma coisa ao PS pode funcionar e já funcionou (com Durão Barroso e Pedro Passos Coelho). E também já funcionou ao contrário, com António Guterres e José Sócrates.

Mas este caminho não é certo e tem pelo menos uma contradição insanável: Rio é realista em querer crescer ao centro com os ex-votos do PS e entre abstencionistas. Mais: é pragmático por pensar que depois se pode apoiar no resto da direita para chegar ao poder. Pode fazê-lo? Sim. Faz sentido? Nem por isso. Mas essa é outra conversa e já lá vamos.

Primeiro, a coerência. Rui Rio tem caminho aberto até às autárquicas e, se tudo correr como planeou, até às legislativas - a oposição interna dificilmente terá condições de o apear. O discurso de abertura, sem grande novidade, a repisar o que foi dizendo nos últimos dois anos, não é fruto de uma distração. É uma maneira provar coerência: aposta no centro, na rejeição do ‘bota-abaixismo”, no discurso contra os vícios do partido e da política (Banho de Ética: Parte II), nas exigências de lealdade, etc. O líder do PSD estabeleceu uma rota e mantém a proa do navio alinhada com a sua bússola ao centro mas olha para as estrelas à direita.

Resumindo: Rui Rio acha que são os governos que perdem as eleições e quer estar no lugar certo no momento certo para ser olhado como alternativa a António Costa quando este cair em desgraça (mais tarde ou mais cedo, todas as carreiras políticas acabam mal...). Mas com que identidade? Rio explicou:

“Não somos, pois, a direita, nem somos a esquerda. Não somos liberais nem conservadores, assim como não somos socialistas nem estatizantes. Abarcamos todo o centro político, ou seja, o espaço onde se encontra a esmagadora maioria das pessoas.”

Postas as coisas assim, parece que o PSD não é nada, não quer ser nada ou que é apenas um centro tecnocrático e pragmático (a lembrar Cavaco Silva, que se já se posicionava como pós-ideológico nos anos 80 e 90). Rio, porém, esclarece que não, que é social-democrata. Mas isso diz pouco depois do que disse que não era.

A tentativa de clarificação ideológica gera ainda mais confusão porque parece chocar de frente com o objetivo final: Rui Rio garante que não é de direita; mas quer “ser o líder de uma opção à direita da maioria de esquerda”. É aqui que reside uma contradição que seria reforçada por Nuno Morais Sarmento, vice-presidente do partido. O ex-ministro de Barroso subiu ao palco para defender que o PSD deve ser “trincheira do centro” para depois abraçar a direita: "O espaço natural de entendimento do PSD são os partidos da direita democrática, antes o CDS e agora com os novos partidos", disse. E incluiu os novos "pequenos partidos" - e o Chega também.

É realpolitik pura. Sem esse cinismo, na verdade, poucos têm condições para governar - e agora ainda mais com a fragmentação parlamentar. Mas não se pode querer sol na eira do centro e chuva no nabal da direita. Rio pode dizer que “deslocar o PSD para a direita” é “desvirtuar” os “princípios” e “valores” do partido, mas isso torna-se pouco compatível com alianças que vão até à parede da extrema direita ou da direita populista sem “desvirtuar” os tais “princípios” e “valores” que Rio advoga - a não ser que esteja disponível para abdicar deles.

Não é muito óbvio que se apanhem votos do PS a admitir coligações com ultra-liberais ou com populistas da direita dura. E o argumento de que o PS se coligou com a extrema-esquerda não é a melhor justificação: é usar a seu favor o argumento que usava contra os outros. Para ser coerente, este era um discurso onde encaixava na perfeição a defesa de um Bloco Central. Mas Nuno Morais Sarmento também descartou essa possibilidade de forma definitiva.

As probabilidades de sucesso desta estratégia ainda são estreitas, mas em política tudo pode mudar num instante: a esquerda está mais deslaçada, o PS não parece caminhar para uma maioria absoluta, António Costa pode derrapar no Orçamento a seguir às autárquicas (e Rio conta com isso).

Mas a nova direita ainda não se percebe bem o que é: a liderança recente do CDS é uma incógnita e o real valor do Chega e da Iniciativa Liberal são desconhecidos. Antes de 2027 - como José Miguel Júdice escreveu no Expresso - não será fácil à direita chegar ao poder. E Rio pode estar a ser vítima da sua própria resiliência, permanecendo na liderança da oposição no interesse dos que se reservam, até cheirar mesmo a poder (e o PSD tem um faro apuradíssimo). Os próximos anos vão dizer-nos se a tendência é o PSD voltar a crescer ou continuar a encolher.

Pelo menos, estes anos devem ser passados em paz, ou num clima de paz relativa. Se Rio ganhou tempo e condições com o armistício interno, o futuro de Luís Montenegro esmoreceu. Sobra Pinto Luz, que aproveitou o Congresso do PSD para manter viva a chama. Vamos ver que papel ainda terão estes homens. Ou outros.

Minutos antes de começar o Porto-Benfica, José Eduardo Martins, num dos melhores discursos do Congresso, resumiu de uma maneira muito simples porque é que o PSD está em erosão: o partido tem tido uma grande incapacidade de compreender como o mundo "tem mudado". Se o mundo continuar a mudar, e o PSD não o acompanhar, depois pode ser tarde de mais...

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