Do Portugal Profundo: Austeridade iníqua e a posição do Presidente da República

15-11-2019
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Envolvido noutro assunto, só agora retomo a análise da actualidade política do País. Neste blogue defendi, e mantenho, défice zero no orçamento de 2011 e nos seguintes, através de renegociação de todas as parcerias público-privadas, moratória nas grandes obras públicas, não financiamento de bancos privados e reforma das políticas sociais em direcção ao trabalho, e inevitável redução de salários e pensões. Assim, mais além no montante de redução de despesa, ainda que com variação no mix de poupança.Feio o disclaimer para repetir a minha posição sobre as finanças do Estado e o enquadramento da questão importa comentar a posição do Presidente da República sobre a decisão do Governo sobre o Orçamento do Estado para 2012, que até o meu amigo José da Loja criticou duramente nos postes «Um requisitório contra o acacianismo», de 20-10-2011, e «Cavaco Silva, o arauto da desgraça», de 21-10-2011. Em 19-10-2011, de acordo com o Público, o Prof. Cavaco Silva notou que a eliminação dos subsídios de férias e Natal, em 2012 e 2013, para os  funcionários públicos e os pensionistas, constituía uma «violação de um princípio básico de equidade fiscal»; preveniu que «há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses» e que receava que «possamos estar no limite e, no caso dos pensionistas, não sei mesmo se já não foi ultrapassado», apelando a um debate aprofundado sobre o orçamento de Estado para 20110. O Presidente enfatizou que «mudou o Governo mas eu não mudei de opinião», a mesma, recorda a jornalista, «que o Presidente exprimiu quando o anterior Governo socialista decidiu cortar os vencimentos da função pública entre 3,5% e 10%, este ano. Recordo que ainda há seis meses atrás, em 9-3-2011, no Parlamento, o Prof. Cavaco Silva, no seu discurso de tomada de posse do segundo mandato como Presidente da República,  nas vésperas da apresentação do PEC V (ou IV) pelo Governo Sócrates (em 11-3-2011), acentuou que «há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos».

Devo notar que a declaração do Governo, de 13-10-2011, sobre o Orçamento de Estado, na qual apresentou uma redução muito mais gravosa da despesa do que se aguardava, surge cerca de três meses depois da garantia do primeiro-ministro Passos Coelho, em 22-7-2011, em Bruxelas, na TSF e Antena 1 de que «não há nenhum buraco colossal nas contas públicas», em que este passou um atestado de rigor ao Governo mais fraudulento da história moderna de Portugal. O buraco «colossal» de encargos assumidos e não-pagos afinal existia. Se é atenuado pelo corte de dois salários da função pública e pensionistas ou pelo corte de um salário da função pública/pensionistas e de um salário do sector privado é outra matéria e nela não pode deixar de notar-se que o mais aflito sector privado tem também excepções de luxo, como Galp, EDP, PT, etc... Admito o mais relativo bem-estar no sector público, no qual não se pode converter a segurança laboral em salário, mas seria útil que o Governo apresentasse um estudo actualizado sobre remunerações no sector público e no sector privado que justificasse que face a 2009, a função pública tenha perdido cerca de 40% do seu rendimento.

Consideremos três questões sobre a posição do Presidente da República:
Poderia o Presidente, que é de todos os portugueses, mudar de opinião em poucos meses?
Poderia o Presidente, que é de todos os portugueses, defender uma posição perante o Governo socialista de Sócrates e a contrária relativamente ao Governo de Passos Coelho?
Deve, ou não, o Presidente da República procurar reunir o maior consenso político sobre a austeridade na despesa pública, procurando nomeadamente a agregação do apoio do Partido Socialista do precário Seguro?
E as respostas possíveis:1 e 2. Por mais que seja atacado por não mudar de posição, Cavaco Silva não pode abandonar a coerência. Recordo que a preocupação com a equidade, e nela a equidade fiscal, para lá do caso concreto da redução salarial dos salários da função pública e das pensões em 2011, tem sido constante no seu mandato: discurso na Sessão Solene Comemorativa do 160º Aniversário do Tribunal de Contas, em 13-7-2009; e a comunicação ao País sobre a assistência financeira a Portugal, em 6-5-2011. Na sua curta declaração, o Presidente queixou-se da dimensão dos sacrifícios, não s
3. Não é crível que o Presidente não tenha discutido o assunto com o primeiro-ministro Passos Coelho e não lhe tenha explicado o que parece ser a sua vontade de um acordo político alargado sobre o próximo Orçamento, que inclua o Partido Socialista, no qual o frágil líder formal não pode ceder na questão dos subsídios da função pública e reformados sob pena de cair... mais cedo. Acredito que seja essa vontade de preservar a paz socio-política que levou o Presidente da República a convocar o Conselho de Estado para esta tarde de 25-10-2011, precisamente com o tema «Portugal no contexto da crise da Zona Euro».
Portanto, o Governo Passos Coelho deve respeitar a coerência do Presidente da República sobre a austeridade do Estado, até porque ela é penhor de um consenso político de que o Governo parece desejar, assustado como o executivo se manifesta com a possibilidade de tumultos sociais. Em vez de responder ao Presidente com remoques desnecessários e uma barragem de jornalistas sistémicos socratinos. Creio que o Presidente apoiará o consenso possível que resultar do debate sobre a austeridade que o Estado, e o País, têm de atravessar até que se chegue ao desejado equilíbrio das contas públicas.

O problema não está no mix de austeridade: está na injustiça da austeridade. Uma austeridade selectiva, num país à beira da ruína, por parte do Governo que deixa de fora: a imunidade de políticos corruptos; a auditoria das contas públicas; a promiscuidade com os bancos e as construtoras; o envio para o Ministério Público dos grandes contratos e parcerias, e de quaisquer outros contratos duvidosos, para apuramento de eventual corrupção; o fluxo chorudo de dinheiro do Estado para pagamento de parcerias público-privadas contrato leoninas; a continuação de obras não-prioritárias; a manutenção em funções de dirigentes do Estado, de institutos públicos e de empresas públicas e subsidiárias (PT, EDP, etc.) a desigualdade social dos trabalhadores com salários mínimos suplantados em rendimento e em bem-estar pelos subsidio-dependentes; e, para cúmulo actual, até a nomeação fraterna, em 24-10-2011, sem ser ouvido na audição que a lei prescreve (!...) e para além da «ironia» do deputado Jorge Lacão (assessor do ex-deputado Afonso Candal em sinalização portátil de permissão de fumar em restaurantes), por acordo parlamentar, PSD incluído, para o Conselho Geral do Centro de Estudos... Judiciários do deputado (sic) Ricardo Rodrigues, acusado pelo Ministério Público de... «atentado à liberdade de imprensa» (sic) por ter furtado gravadores a jornalistas, em 30-4-2010, no (im)próprio Parlamento. Se os responsáveis políticos pela ruína do País fossem levados a julgamento pelos casos concretos de corrupção, a partir dos contratos secretos, o povo sentiria finalmente a probidade do Estado e suportaria a austeridade como justa. Mas trata-se de uma austeridade injusta que castiga o povo, ao mesmo tempo que protege a corrupção de Estado por causa dos rabos de palha húmida e dos grossos cobertores de papa. Uma austeridade iníqua.

Actualização: este poste foi emendado às 19:21 de 25-10-2011.

* Imagem picada daqui.


Envolvido noutro assunto, só agora retomo a análise da actualidade política do País. Neste blogue defendi, e mantenho, défice zero no orçamento de 2011 e nos seguintes, através de renegociação de todas as parcerias público-privadas, moratória nas grandes obras públicas, não financiamento de bancos privados e reforma das políticas sociais em direcção ao trabalho, e inevitável redução de salários e pensões. Assim, mais além no montante de redução de despesa, ainda que com variação no mix de poupança.Feio o disclaimer para repetir a minha posição sobre as finanças do Estado e o enquadramento da questão importa comentar a posição do Presidente da República sobre a decisão do Governo sobre o Orçamento do Estado para 2012, que até o meu amigo José da Loja criticou duramente nos postes «Um requisitório contra o acacianismo», de 20-10-2011, e «Cavaco Silva, o arauto da desgraça», de 21-10-2011. Em 19-10-2011, de acordo com o Público, o Prof. Cavaco Silva notou que a eliminação dos subsídios de férias e Natal, em 2012 e 2013, para os  funcionários públicos e os pensionistas, constituía uma «violação de um princípio básico de equidade fiscal»; preveniu que «há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses» e que receava que «possamos estar no limite e, no caso dos pensionistas, não sei mesmo se já não foi ultrapassado», apelando a um debate aprofundado sobre o orçamento de Estado para 20110. O Presidente enfatizou que «mudou o Governo mas eu não mudei de opinião», a mesma, recorda a jornalista, «que o Presidente exprimiu quando o anterior Governo socialista decidiu cortar os vencimentos da função pública entre 3,5% e 10%, este ano. Recordo que ainda há seis meses atrás, em 9-3-2011, no Parlamento, o Prof. Cavaco Silva, no seu discurso de tomada de posse do segundo mandato como Presidente da República,  nas vésperas da apresentação do PEC V (ou IV) pelo Governo Sócrates (em 11-3-2011), acentuou que «há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos».

Devo notar que a declaração do Governo, de 13-10-2011, sobre o Orçamento de Estado, na qual apresentou uma redução muito mais gravosa da despesa do que se aguardava, surge cerca de três meses depois da garantia do primeiro-ministro Passos Coelho, em 22-7-2011, em Bruxelas, na TSF e Antena 1 de que «não há nenhum buraco colossal nas contas públicas», em que este passou um atestado de rigor ao Governo mais fraudulento da história moderna de Portugal. O buraco «colossal» de encargos assumidos e não-pagos afinal existia. Se é atenuado pelo corte de dois salários da função pública e pensionistas ou pelo corte de um salário da função pública/pensionistas e de um salário do sector privado é outra matéria e nela não pode deixar de notar-se que o mais aflito sector privado tem também excepções de luxo, como Galp, EDP, PT, etc... Admito o mais relativo bem-estar no sector público, no qual não se pode converter a segurança laboral em salário, mas seria útil que o Governo apresentasse um estudo actualizado sobre remunerações no sector público e no sector privado que justificasse que face a 2009, a função pública tenha perdido cerca de 40% do seu rendimento.

Consideremos três questões sobre a posição do Presidente da República:
Poderia o Presidente, que é de todos os portugueses, mudar de opinião em poucos meses?
Poderia o Presidente, que é de todos os portugueses, defender uma posição perante o Governo socialista de Sócrates e a contrária relativamente ao Governo de Passos Coelho?
Deve, ou não, o Presidente da República procurar reunir o maior consenso político sobre a austeridade na despesa pública, procurando nomeadamente a agregação do apoio do Partido Socialista do precário Seguro?
E as respostas possíveis:1 e 2. Por mais que seja atacado por não mudar de posição, Cavaco Silva não pode abandonar a coerência. Recordo que a preocupação com a equidade, e nela a equidade fiscal, para lá do caso concreto da redução salarial dos salários da função pública e das pensões em 2011, tem sido constante no seu mandato: discurso na Sessão Solene Comemorativa do 160º Aniversário do Tribunal de Contas, em 13-7-2009; e a comunicação ao País sobre a assistência financeira a Portugal, em 6-5-2011. Na sua curta declaração, o Presidente queixou-se da dimensão dos sacrifícios, não s
3. Não é crível que o Presidente não tenha discutido o assunto com o primeiro-ministro Passos Coelho e não lhe tenha explicado o que parece ser a sua vontade de um acordo político alargado sobre o próximo Orçamento, que inclua o Partido Socialista, no qual o frágil líder formal não pode ceder na questão dos subsídios da função pública e reformados sob pena de cair... mais cedo. Acredito que seja essa vontade de preservar a paz socio-política que levou o Presidente da República a convocar o Conselho de Estado para esta tarde de 25-10-2011, precisamente com o tema «Portugal no contexto da crise da Zona Euro».
Portanto, o Governo Passos Coelho deve respeitar a coerência do Presidente da República sobre a austeridade do Estado, até porque ela é penhor de um consenso político de que o Governo parece desejar, assustado como o executivo se manifesta com a possibilidade de tumultos sociais. Em vez de responder ao Presidente com remoques desnecessários e uma barragem de jornalistas sistémicos socratinos. Creio que o Presidente apoiará o consenso possível que resultar do debate sobre a austeridade que o Estado, e o País, têm de atravessar até que se chegue ao desejado equilíbrio das contas públicas.

O problema não está no mix de austeridade: está na injustiça da austeridade. Uma austeridade selectiva, num país à beira da ruína, por parte do Governo que deixa de fora: a imunidade de políticos corruptos; a auditoria das contas públicas; a promiscuidade com os bancos e as construtoras; o envio para o Ministério Público dos grandes contratos e parcerias, e de quaisquer outros contratos duvidosos, para apuramento de eventual corrupção; o fluxo chorudo de dinheiro do Estado para pagamento de parcerias público-privadas contrato leoninas; a continuação de obras não-prioritárias; a manutenção em funções de dirigentes do Estado, de institutos públicos e de empresas públicas e subsidiárias (PT, EDP, etc.) a desigualdade social dos trabalhadores com salários mínimos suplantados em rendimento e em bem-estar pelos subsidio-dependentes; e, para cúmulo actual, até a nomeação fraterna, em 24-10-2011, sem ser ouvido na audição que a lei prescreve (!...) e para além da «ironia» do deputado Jorge Lacão (assessor do ex-deputado Afonso Candal em sinalização portátil de permissão de fumar em restaurantes), por acordo parlamentar, PSD incluído, para o Conselho Geral do Centro de Estudos... Judiciários do deputado (sic) Ricardo Rodrigues, acusado pelo Ministério Público de... «atentado à liberdade de imprensa» (sic) por ter furtado gravadores a jornalistas, em 30-4-2010, no (im)próprio Parlamento. Se os responsáveis políticos pela ruína do País fossem levados a julgamento pelos casos concretos de corrupção, a partir dos contratos secretos, o povo sentiria finalmente a probidade do Estado e suportaria a austeridade como justa. Mas trata-se de uma austeridade injusta que castiga o povo, ao mesmo tempo que protege a corrupção de Estado por causa dos rabos de palha húmida e dos grossos cobertores de papa. Uma austeridade iníqua.

Actualização: este poste foi emendado às 19:21 de 25-10-2011.

* Imagem picada daqui.

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