O dia em que Rui Rio quer deixar António Costa ir "trabalhar"

31-07-2020
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Viva, seja bem-vindo ao seu Expresso Curto.

Parece um dia bom para a democracia portuguesa: hoje, na última sessão plenária antes do debate do Estado da Nação (e da ida para férias), os deputados votarão 80 vezes. Nas mãos deles estão nove propostas de lei do Governo para aprovar (ou não), mais 32 projetos de lei apresentados pelos partidos, muitos dos quais mexem com as nossas vidas. Vota-se numa nova lei da nacionalidade, que dará direitos e responsabilidades a alguns que se juntaram a nós; também subsídios de risco para profissionais de saúde, que andam há meses a lutar contra a pandemia (e muitos mais terão pela frente); também o fim dos lay-off nos transportes, que tanto limitam a nossa segurança nestes dias de surto; ainda novos limites às comissões bancárias, ou mais sanções em crimes contra animais (e todos vimos o que aconteceu neste fim de semana). É esta a alma da democracia: elegemos quem nos representa, para decidir em nome do interesse comum.

Parece um dia bom para a democracia portuguesa, dizia eu. Mas não é um dia para a celebrar, porque entre os tais 32 projetos há um enorme passo atrás: é a proposta que fará com que o primeiro-ministro deixe de ir prestar contas aos deputados de 15 em 15 dias, passando a ter presença obrigatória apenas de dois em dois meses. Facto: a proposta que abriu caminho é do PSD, maior partido da oposição. Facto: Rui Rio justificou a mudança explicando ao Expresso que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar".

Há dois anos, uma investigadora da London School os Economics publicou um raro trabalho onde comparou o modo como os chefes de governo de 32 países prestavam contas aos respetivos Parlamentos. O exercício é desafiante: se assumirmos como bom o argumento de que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar", então ficamos a saber que no Reino Unido Boris Johnson mal consegue trabalhar, porque os deputados em Westminster têm quatro mecanismos diferentes de o chamar a responder: um debate semanal (repito, semanal), perguntas de emergência, declarações políticas sobre temas de atualidade (com direito a perguntas da oposição) e até três idas obrigatórias a uma comissão que zela pela transparência.

O Reino Unido não é caso único: em Itália, os deputados também fazem "perder tempo" a Giuseppe Conte sistematicamente, com quatro mecanismos de controlo; no Luxemburgo e Irlanda há três. Na Bélgica, Noruega, Nova Zelândia, Espanha, Islândia e Áustria são dois. Em Portugal, nesta perspetiva, António Costa tinha o privilégio de poder "trabalhar" bastante mais: só uma vez tinha de ir prestar contas ao Parlamento. Podia parecer pouco, mas era de 15 em 15 dias. A partir de hoje, se a proposta que junta PSD e PS for aprovada, será menos penoso: terá de ir responder aos deputados apenas quatro, cinco vezes por ano, muito abaixo de Reino Unido, Irlanda, República Checa e Dinamarca, onde todas as semanas têm lá lugar marcado. E até ficará com mais tempo do que o chefe de Governo da Roménia, que é obrigado a prestar lá contas apenas uma vez por mês.

Sem mais ironia, volto aos factos: se a proposta que junta PSD e PS for hoje aprovada, os debates quinzenais morrem às mãos do partido que há 12 anos os propôs. O autor dessa proposta, José Matos Correia, explicou ao seu líder por que razão não colhe o seu argumento de que é preciso deixar o primeiro-ministro trabalhar: "as suas presenças no Parlamento não são um favor ou um frete, mas uma tarefa que está no âmago dessas funções (...), é o próprio conceito de responsabilidade política, central no nosso sistema de governo, que é fortemente afectado por esta proposta."

Bastava isto para que Rio Rio e António Costa percebessem o perigo do passo que estão prestes a dar. Mas ele é especialmente perigoso agora, no momento em que o país entra na maior crise do século. E não só por causa da crise pandémica, ou da económica e social, mas pela crise de confiança no sistema político. O mesmo José Matos Correia explicou-o melhor do que eu poderei fazer. E fê-lo assim:

"Goste-se ou não, em democracia o Parlamento é sempre o centro do debate político. E essa centralidade tem de ser reafirmada, sobretudo quando vivemos num mundo em que muitos abrem as portas à ideia de que é na informalidade das redes sociais que se deve debater o importante, remetendo o Parlamento para uma espécie de ritualismo litúrgico e formalista. E não é seguramente com a diminuição da presença do primeiro-ministro que tal tendência será combatida."

Pelo que nos dizem as últimas notícias, há pelo menos dois deputados do PSD que pediram liberdade de voto a Rui Rio para, hoje, votar contra a sua proposta. E há também umas consciências críticas no PS a pedir a palavra para falar, como Jorge Lacão. O meu sincero desejo é que outros o façam também, nas bancadas destes dois partidos. A esperança é sempre a última a morrer. Diz a história que sobrevive até ao fim das democracias.

OUTRAS NOTÍCIAS

Fundos terão condições, mas não o travão dos frugais: no rescaldo do acordo europeu, a presidente da Comissão Europeia garante que o novo mecanismo de emergência, exigido pelos "frugais", não se vai sobrepor aos poderes da Comissão: "Não há poder de veto dos países" sobre os fundos de recuperação, diz ela numa entrevista exclusiva. Se ainda não leu, deixo-lhe o nosso guião para o acordo, as vitórias, as incógnitas e as verbas sacrificadas.

A Grande Lisboa vai sair da calamidade, mas os autarcas já alertam para setembro. Por causa de uma eventual segunda vaga, foram feitos vários avisos e exigências ao Governo. “Espero que não tenhamos mais um episódio de contenção do défice orçamental. Seria inadmissível”, diz Bernardino Soares.

A esquerda deixa aviso ao Governo: em dia de Conselho de Ministros, com o prolongamento do lay-off simplificado em cima da mesa (para empresas com maiores quebras de faturação), Bloco e PCP dizem que este “não é o caminho”.

Os restaurantes fazem um apelo desesperado: com a crise a prolongar-se, pedem "com urgência" o IVA reduzido até 30 de junho de 2021.

Um ponto de situação sobre arrendamento: os preços já caem em Lisboa, mas mantêm-se no Porto.

E outro sobre a pandemia: em Portugal, há mais novos casos do que recuperados, internados estagnam. Eis o surto em Portugal, em gráficos e mapas. E aqui o retrato do mundo.

No SNS, estas são as imagens dos efeitos secundários: foram feitas menos 896 mil consultas hospitalares até junho; e as faltas ao trabalho no SNS bateram recorde histórico em maio (conta o Público).

E aqui fica mais uma, no testemunho de duas enfermeiras na linha da frente: “Todos os dias foram uma sucessão de despir o medo e vestir a coragem”.

A OMS faz um alerta prudente: as vacinas contra a covid-19 só deverão surgir na segunda metade de 2021. Apesar da boa notícia desta semana. E apesar do pagamento multimilionário que Donald Trump acaba de fazer a uma farmacêutica (notícia via New York Times).

A covid pôs-nos (ainda mais) à frente do ecrã. Fez quase duplicar o número de pessoas que passam mais de seis horas por dia online.

Há uma guerra pendente nas televisões. Os últimos episódios mostram-nos que a Cofina reitera interesse em comprar a Media Capital, mas rejeita a acusação de que influencia o regulador dos media.

Há mais um arguido no caso EDP. O Ministério Público confronta Artur Trindade com uma cunhada que trabalhava na empresa desde 2010.

E parece haver mais um problema no Algarve: em oito meses, contam-se cinco grupos de migrantes a desembarcar nas nossas praias. O Governo alega que não se pode falar em nova rota.

Da Tribuna, a última é esta: a Taça da Liga poderá ter apenas oito equipas.

E da Blitz, o anúncio do concerto do dia (que promete): é de Nick Cave, com um piano e uma sala vazia.

O QUE ELES DISSERAM

“Assisti ao circo da ida de Vieira ao Brasil: fretar um avião por €100 mil foi uma jogada mediática e eleitoral, um carnaval”. Rui Santos, sobre o assunto da semana.

“O meu Presidente foi o único a propor a pena de morte para narcotraficantes”. Embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, mostrando “o quanto” Umaro Sissoco Embaló “repudia este negócio obscuro que foi trazido” para o país.

"Tivemos racistas e eles ainda existem. Eles tentaram ser eleitos presidentes. Ele é o primeiro a ser". Joe Biden sobre, claro, Donald Trump.

O QUE ANDO A LER

Deixe-me começar pelo que já li, como contei ontem na nossa Comissão Política: um texto de Martin Wolf no Financial Times de ontem, que escreveu sobre o novo livro de Anne Applebaum sobre estes tempos de “sedução do autoritarismo”. Um livro que começa com uma festa em casa da agora cronista do Washignton Post e da The Atlantic, na Polónia (Applebaum é casada com um diploma polaco) com um grupo de amigos que ela classifica como sendo, então, liberais.

Estava ela no ano de 1999, poucos anos depois da Polónia abrir e sair da cortina de ferro. Hoje, diz ela, esse grupo de amigos não se cruza. Ela não consegue manter uma conversa com eles, eles teriam vergonha de frequentar a casa dela.

O livro de Anne Applebaum, diz-nos Martim Wolf, é sobre a polarização extrema das sociedades, mas também sobre a forma como algumas elites se deixaram seduzir pela ideia de um estado autoritário, ou por líderes autoritários.

O livro dela é sobre a Polónia, que acabou de reeleger um Presidente assim, mas também sobre a Hungria, que acaba de escapar a mais um veto europeu. E é também sobre os EUA, onde um Presidente desesperado com as sondagens manda forças de segurança federais prender manifestantes em Portland, ameaçando fazer o mesmo em mais cinco ou seis grandes cidades, todas elas lideradas pelos adversários Democratas.

O livro é sobre o que se passa lá fora. Mas pode bem ser lido à luz do que se vai passando nos bastidores, também cá em Portugal, onde empresários e homens de negócios ligados a setores importantes da economia nacional já correm para ouvir e até aconselhar o mais controverso deputado da nação, André Ventura (numa reportagem que hoje mesmo a Visão publica).

É um alerta de caps lock ligado, que é mesmo fundamental conhecer. Enquanto os debates não acabam. Para que os debates não acabem. Os nossos. Os das democracias. O meu exemplar de "Twiliight of Democracy" já me chegou às mãos. Para começar a ler agora.

Até amanhã.

Viva, seja bem-vindo ao seu Expresso Curto.

Parece um dia bom para a democracia portuguesa: hoje, na última sessão plenária antes do debate do Estado da Nação (e da ida para férias), os deputados votarão 80 vezes. Nas mãos deles estão nove propostas de lei do Governo para aprovar (ou não), mais 32 projetos de lei apresentados pelos partidos, muitos dos quais mexem com as nossas vidas. Vota-se numa nova lei da nacionalidade, que dará direitos e responsabilidades a alguns que se juntaram a nós; também subsídios de risco para profissionais de saúde, que andam há meses a lutar contra a pandemia (e muitos mais terão pela frente); também o fim dos lay-off nos transportes, que tanto limitam a nossa segurança nestes dias de surto; ainda novos limites às comissões bancárias, ou mais sanções em crimes contra animais (e todos vimos o que aconteceu neste fim de semana). É esta a alma da democracia: elegemos quem nos representa, para decidir em nome do interesse comum.

Parece um dia bom para a democracia portuguesa, dizia eu. Mas não é um dia para a celebrar, porque entre os tais 32 projetos há um enorme passo atrás: é a proposta que fará com que o primeiro-ministro deixe de ir prestar contas aos deputados de 15 em 15 dias, passando a ter presença obrigatória apenas de dois em dois meses. Facto: a proposta que abriu caminho é do PSD, maior partido da oposição. Facto: Rui Rio justificou a mudança explicando ao Expresso que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar".

Há dois anos, uma investigadora da London School os Economics publicou um raro trabalho onde comparou o modo como os chefes de governo de 32 países prestavam contas aos respetivos Parlamentos. O exercício é desafiante: se assumirmos como bom o argumento de que é preciso "deixar o primeiro-ministro trabalhar", então ficamos a saber que no Reino Unido Boris Johnson mal consegue trabalhar, porque os deputados em Westminster têm quatro mecanismos diferentes de o chamar a responder: um debate semanal (repito, semanal), perguntas de emergência, declarações políticas sobre temas de atualidade (com direito a perguntas da oposição) e até três idas obrigatórias a uma comissão que zela pela transparência.

O Reino Unido não é caso único: em Itália, os deputados também fazem "perder tempo" a Giuseppe Conte sistematicamente, com quatro mecanismos de controlo; no Luxemburgo e Irlanda há três. Na Bélgica, Noruega, Nova Zelândia, Espanha, Islândia e Áustria são dois. Em Portugal, nesta perspetiva, António Costa tinha o privilégio de poder "trabalhar" bastante mais: só uma vez tinha de ir prestar contas ao Parlamento. Podia parecer pouco, mas era de 15 em 15 dias. A partir de hoje, se a proposta que junta PSD e PS for aprovada, será menos penoso: terá de ir responder aos deputados apenas quatro, cinco vezes por ano, muito abaixo de Reino Unido, Irlanda, República Checa e Dinamarca, onde todas as semanas têm lá lugar marcado. E até ficará com mais tempo do que o chefe de Governo da Roménia, que é obrigado a prestar lá contas apenas uma vez por mês.

Sem mais ironia, volto aos factos: se a proposta que junta PSD e PS for hoje aprovada, os debates quinzenais morrem às mãos do partido que há 12 anos os propôs. O autor dessa proposta, José Matos Correia, explicou ao seu líder por que razão não colhe o seu argumento de que é preciso deixar o primeiro-ministro trabalhar: "as suas presenças no Parlamento não são um favor ou um frete, mas uma tarefa que está no âmago dessas funções (...), é o próprio conceito de responsabilidade política, central no nosso sistema de governo, que é fortemente afectado por esta proposta."

Bastava isto para que Rio Rio e António Costa percebessem o perigo do passo que estão prestes a dar. Mas ele é especialmente perigoso agora, no momento em que o país entra na maior crise do século. E não só por causa da crise pandémica, ou da económica e social, mas pela crise de confiança no sistema político. O mesmo José Matos Correia explicou-o melhor do que eu poderei fazer. E fê-lo assim:

"Goste-se ou não, em democracia o Parlamento é sempre o centro do debate político. E essa centralidade tem de ser reafirmada, sobretudo quando vivemos num mundo em que muitos abrem as portas à ideia de que é na informalidade das redes sociais que se deve debater o importante, remetendo o Parlamento para uma espécie de ritualismo litúrgico e formalista. E não é seguramente com a diminuição da presença do primeiro-ministro que tal tendência será combatida."

Pelo que nos dizem as últimas notícias, há pelo menos dois deputados do PSD que pediram liberdade de voto a Rui Rio para, hoje, votar contra a sua proposta. E há também umas consciências críticas no PS a pedir a palavra para falar, como Jorge Lacão. O meu sincero desejo é que outros o façam também, nas bancadas destes dois partidos. A esperança é sempre a última a morrer. Diz a história que sobrevive até ao fim das democracias.

OUTRAS NOTÍCIAS

Fundos terão condições, mas não o travão dos frugais: no rescaldo do acordo europeu, a presidente da Comissão Europeia garante que o novo mecanismo de emergência, exigido pelos "frugais", não se vai sobrepor aos poderes da Comissão: "Não há poder de veto dos países" sobre os fundos de recuperação, diz ela numa entrevista exclusiva. Se ainda não leu, deixo-lhe o nosso guião para o acordo, as vitórias, as incógnitas e as verbas sacrificadas.

A Grande Lisboa vai sair da calamidade, mas os autarcas já alertam para setembro. Por causa de uma eventual segunda vaga, foram feitos vários avisos e exigências ao Governo. “Espero que não tenhamos mais um episódio de contenção do défice orçamental. Seria inadmissível”, diz Bernardino Soares.

A esquerda deixa aviso ao Governo: em dia de Conselho de Ministros, com o prolongamento do lay-off simplificado em cima da mesa (para empresas com maiores quebras de faturação), Bloco e PCP dizem que este “não é o caminho”.

Os restaurantes fazem um apelo desesperado: com a crise a prolongar-se, pedem "com urgência" o IVA reduzido até 30 de junho de 2021.

Um ponto de situação sobre arrendamento: os preços já caem em Lisboa, mas mantêm-se no Porto.

E outro sobre a pandemia: em Portugal, há mais novos casos do que recuperados, internados estagnam. Eis o surto em Portugal, em gráficos e mapas. E aqui o retrato do mundo.

No SNS, estas são as imagens dos efeitos secundários: foram feitas menos 896 mil consultas hospitalares até junho; e as faltas ao trabalho no SNS bateram recorde histórico em maio (conta o Público).

E aqui fica mais uma, no testemunho de duas enfermeiras na linha da frente: “Todos os dias foram uma sucessão de despir o medo e vestir a coragem”.

A OMS faz um alerta prudente: as vacinas contra a covid-19 só deverão surgir na segunda metade de 2021. Apesar da boa notícia desta semana. E apesar do pagamento multimilionário que Donald Trump acaba de fazer a uma farmacêutica (notícia via New York Times).

A covid pôs-nos (ainda mais) à frente do ecrã. Fez quase duplicar o número de pessoas que passam mais de seis horas por dia online.

Há uma guerra pendente nas televisões. Os últimos episódios mostram-nos que a Cofina reitera interesse em comprar a Media Capital, mas rejeita a acusação de que influencia o regulador dos media.

Há mais um arguido no caso EDP. O Ministério Público confronta Artur Trindade com uma cunhada que trabalhava na empresa desde 2010.

E parece haver mais um problema no Algarve: em oito meses, contam-se cinco grupos de migrantes a desembarcar nas nossas praias. O Governo alega que não se pode falar em nova rota.

Da Tribuna, a última é esta: a Taça da Liga poderá ter apenas oito equipas.

E da Blitz, o anúncio do concerto do dia (que promete): é de Nick Cave, com um piano e uma sala vazia.

O QUE ELES DISSERAM

“Assisti ao circo da ida de Vieira ao Brasil: fretar um avião por €100 mil foi uma jogada mediática e eleitoral, um carnaval”. Rui Santos, sobre o assunto da semana.

“O meu Presidente foi o único a propor a pena de morte para narcotraficantes”. Embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, mostrando “o quanto” Umaro Sissoco Embaló “repudia este negócio obscuro que foi trazido” para o país.

"Tivemos racistas e eles ainda existem. Eles tentaram ser eleitos presidentes. Ele é o primeiro a ser". Joe Biden sobre, claro, Donald Trump.

O QUE ANDO A LER

Deixe-me começar pelo que já li, como contei ontem na nossa Comissão Política: um texto de Martin Wolf no Financial Times de ontem, que escreveu sobre o novo livro de Anne Applebaum sobre estes tempos de “sedução do autoritarismo”. Um livro que começa com uma festa em casa da agora cronista do Washignton Post e da The Atlantic, na Polónia (Applebaum é casada com um diploma polaco) com um grupo de amigos que ela classifica como sendo, então, liberais.

Estava ela no ano de 1999, poucos anos depois da Polónia abrir e sair da cortina de ferro. Hoje, diz ela, esse grupo de amigos não se cruza. Ela não consegue manter uma conversa com eles, eles teriam vergonha de frequentar a casa dela.

O livro de Anne Applebaum, diz-nos Martim Wolf, é sobre a polarização extrema das sociedades, mas também sobre a forma como algumas elites se deixaram seduzir pela ideia de um estado autoritário, ou por líderes autoritários.

O livro dela é sobre a Polónia, que acabou de reeleger um Presidente assim, mas também sobre a Hungria, que acaba de escapar a mais um veto europeu. E é também sobre os EUA, onde um Presidente desesperado com as sondagens manda forças de segurança federais prender manifestantes em Portland, ameaçando fazer o mesmo em mais cinco ou seis grandes cidades, todas elas lideradas pelos adversários Democratas.

O livro é sobre o que se passa lá fora. Mas pode bem ser lido à luz do que se vai passando nos bastidores, também cá em Portugal, onde empresários e homens de negócios ligados a setores importantes da economia nacional já correm para ouvir e até aconselhar o mais controverso deputado da nação, André Ventura (numa reportagem que hoje mesmo a Visão publica).

É um alerta de caps lock ligado, que é mesmo fundamental conhecer. Enquanto os debates não acabam. Para que os debates não acabem. Os nossos. Os das democracias. O meu exemplar de "Twiliight of Democracy" já me chegou às mãos. Para começar a ler agora.

Até amanhã.

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