Portas sai. “Deixo amigos em todas as bancadas, não tenho inimigos nem os fiz”

04-01-2020
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Paulo Portas despediu-se esta quinta-feira da Assembleia da República, o último palco político onde se mantinha em funções. O pretexto – que foi apenas isso – foi o debate sobre o pacote de 19 iniciativas do CDS sobre envelhecimento ativo. Aos 53 anos, Portas reforma-se (até ver) da política, mas as notícias que vão sendo conhecidas sobre o seu futuro não deixam dúvidas de que será muito ativo: já é vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, já tem contrato com a TVI para um programa de comentário sobre política internacional, tem uma agenda repleta de intervenções em colóquios internacionais, tem convites para dar aulas e ainda estará a negociar outras tarefas ligadas a grandes empresas portuguesas.

A hora do adeus – que foi combinada “com a presidente do meu partido, de quem gosto muito e em quem confio”, como Portas fez questão de frisar –, foi no encerramento de “um debate que o partido como instituição considerasse relevante”. O debate era sobre envelhecimento ativo e proteção de idosos, o discurso de Portas foi uma reflexão sobre o Estado do mundo, sobre os “tempos perplexizantes” que vivemos, mas também sobre questões da atualidade política, como as 35 horas. Mas o assunto que realmente marcou o discurso de Portas foi o adeus de Portas.

“Quero deixar a todos, sem distinção – aos meus colegas de bancada, aos meus parceiros de governo, aos meus adversários políticos, aos funcionários diligentes desta casa, aos jornalistas, pelo seu sentido crítico – um obrigado. Deixo aqui amigos em todas as bancadas e tanto quanto tenho consciência não tenho inimigos nem os fiz. Bem-haja a todos, bom trabalho por Portugal”, foram as últimas palavras em Plenário do ex-líder do CDS, 21 anos depois de se ter estreado como deputado.

Saiu da tribuna, aplaudido de pé pelo CDS e pelo PSD, mas também aplaudido por deputados (sentados) do PS, foi cumprimentar o presidente da AR, Ferro Rodrigues, e sentou-se na primeira fila da bancada centrista, entre Assunção Cristas e Nuno Magalhães.

Elogios de todos

As divergências não se esbateram na hora do adeus, mas Portas ouviu elogios de todos os quadrantes. Ferro Rodrigues louvou-lhe a capacidade de “contrariar circunstâncias adversas” e o facto de ter consolidado um partido que “no inicio da década de 90 parecia estar definhar”. O presidente da AR não esqueceu também a qualidade de Portas como orador e “os famosos soudbites, feitos de bom português e de um muito eficaz português” - frase que prova que, sobre soundbites, Ferro nada aprendeu com Portas.

Jorge Lacão, outro socialista, considerou que as divergências que o PS manteve com Portas “foram fator de fortalecimento do pluralismo democrático”, e reconheceu no adversário um democrata. E ainda prometeu que os socialistas estarão “sempre preparados” para “o enfrentarmos politicamente”, se se der o caso de Portas voltar às lides. Caso que, na opinião de Pedro Filipe Soares, do BE, é o mais provável. “”A despedida é ao deputado Paulo Portas”, esclareceu o líder parlamentar bloquista, notando que “ninguém nesta sala ou no país acreditará” que Portas deixa de vez a política. O comunista João Oliveira ainda fez uma alusão bem humorada à “irrevogabilidade das decisões da política”.

Luís Montenegro, lider parlamentar do antigo parceiro de coligação do CDS, assinalou que “não obstante não termos estado sempre de acordo, e não obstante as nossas diferenças, foi um privilegio partilhar parte deste caminho consigo”. Elogiou ainda Portas por ser “alguém empenhado em elevar e proteger o interesse nacional, com sentido de estado, sentido de colaboração e sentido democrático de respeito pelas opiniões dos outros”. Na bancada do PSD, Pedro Passos Coelho, que costuma sentar-se na primeira fila, deixou-se ficar discretamente numa das filas de trás.

O mundo perplexizante

No breve testamento político desta tarde, Paulo Portas fez uma empenhada defesa das soluções de compromisso, do gradualismo e da flexibilidade. “Em globalização, a rigidez e o dogmatismo são letais; a flexibilidade e o compromisso vencem”, afirmou, considerando que “as questões pertinentes são muito mais complexas do que a ladaínha dos direitos adquiridos permite alcançar”.

A crítica à esquerda esteve sempre explícita ou implícita (“o determinismo das esquerdas, aqui em maioria, pode ir literalmente em contramão” com o mundo, avisou Portas). E manteve esse registo, fosse nas considerações sobre o assunto do debate ou nas reflexões sobre o estado do mundo.

Sobre as questões da proteção dos idosos e do envelhecimento ativo, Portas argumentou que “o pior serviço que podemos prestar aos beneficiários de uma vida mais longa é uma fartura de ideologia que vai dificultar cada etapa da sua vida, incluindo as derradeiras e merecidas etapas com segurança e tranquilidade. Seria bastante mais útil, como a nossa iniciativa faz, olhar para as melhores práticas de uso e reutilização de trabalho a tempo parcial e da reforma parcial”, numa “permanente adaptação do equilíbrio entre flexibilidade e segurança”.

Sobre o estado do mundo, e adotando já um tom professoral, ou senatorial, Portas deu vários exemplos para ilustrar a necessidade de “mudar de atitude”. “No mundo em que vivemos a maior companhia de taxis não é proprietária de taxis – Uber; o maior fornecedor de alojamento não tem casas – Air BnB; a maior companhia de telecomunicações não tem infraestruturas próprias – Skype; o retalhista mais poderoso não tem invetário – Ali Baba; um dos mais populares proprietários de novos media não cria conteúdos – Facebook; o mais procurado distribuidor de filmes não tem cinemas – Netflix”.

Conclusão: “Num mundo assim, cada vez mais tecno, que obviamente muda a frequência, a duração e a natureza do emprego ao longo da vida, faz sentido dedicarmos o essencial das nossas energias a garantir que no Estado, mas só no Estado, se trabalha 35 horas, quando 4/5 dos trabalhadores fazem 40 horas, ou que na administração as regalias são perpétuas, mas a criação de emprego essa, no setor privado, ou é flexível ou pura e simplesmente o desemprego cresce?”

O tom até pode já ser de senador, mas Portas deu combate à esquerda até ao fim. Mesmo havendo pelo meio “obrigados” e até uma furtiva lágrima.

Paulo Portas despediu-se esta quinta-feira da Assembleia da República, o último palco político onde se mantinha em funções. O pretexto – que foi apenas isso – foi o debate sobre o pacote de 19 iniciativas do CDS sobre envelhecimento ativo. Aos 53 anos, Portas reforma-se (até ver) da política, mas as notícias que vão sendo conhecidas sobre o seu futuro não deixam dúvidas de que será muito ativo: já é vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, já tem contrato com a TVI para um programa de comentário sobre política internacional, tem uma agenda repleta de intervenções em colóquios internacionais, tem convites para dar aulas e ainda estará a negociar outras tarefas ligadas a grandes empresas portuguesas.

A hora do adeus – que foi combinada “com a presidente do meu partido, de quem gosto muito e em quem confio”, como Portas fez questão de frisar –, foi no encerramento de “um debate que o partido como instituição considerasse relevante”. O debate era sobre envelhecimento ativo e proteção de idosos, o discurso de Portas foi uma reflexão sobre o Estado do mundo, sobre os “tempos perplexizantes” que vivemos, mas também sobre questões da atualidade política, como as 35 horas. Mas o assunto que realmente marcou o discurso de Portas foi o adeus de Portas.

“Quero deixar a todos, sem distinção – aos meus colegas de bancada, aos meus parceiros de governo, aos meus adversários políticos, aos funcionários diligentes desta casa, aos jornalistas, pelo seu sentido crítico – um obrigado. Deixo aqui amigos em todas as bancadas e tanto quanto tenho consciência não tenho inimigos nem os fiz. Bem-haja a todos, bom trabalho por Portugal”, foram as últimas palavras em Plenário do ex-líder do CDS, 21 anos depois de se ter estreado como deputado.

Saiu da tribuna, aplaudido de pé pelo CDS e pelo PSD, mas também aplaudido por deputados (sentados) do PS, foi cumprimentar o presidente da AR, Ferro Rodrigues, e sentou-se na primeira fila da bancada centrista, entre Assunção Cristas e Nuno Magalhães.

Elogios de todos

As divergências não se esbateram na hora do adeus, mas Portas ouviu elogios de todos os quadrantes. Ferro Rodrigues louvou-lhe a capacidade de “contrariar circunstâncias adversas” e o facto de ter consolidado um partido que “no inicio da década de 90 parecia estar definhar”. O presidente da AR não esqueceu também a qualidade de Portas como orador e “os famosos soudbites, feitos de bom português e de um muito eficaz português” - frase que prova que, sobre soundbites, Ferro nada aprendeu com Portas.

Jorge Lacão, outro socialista, considerou que as divergências que o PS manteve com Portas “foram fator de fortalecimento do pluralismo democrático”, e reconheceu no adversário um democrata. E ainda prometeu que os socialistas estarão “sempre preparados” para “o enfrentarmos politicamente”, se se der o caso de Portas voltar às lides. Caso que, na opinião de Pedro Filipe Soares, do BE, é o mais provável. “”A despedida é ao deputado Paulo Portas”, esclareceu o líder parlamentar bloquista, notando que “ninguém nesta sala ou no país acreditará” que Portas deixa de vez a política. O comunista João Oliveira ainda fez uma alusão bem humorada à “irrevogabilidade das decisões da política”.

Luís Montenegro, lider parlamentar do antigo parceiro de coligação do CDS, assinalou que “não obstante não termos estado sempre de acordo, e não obstante as nossas diferenças, foi um privilegio partilhar parte deste caminho consigo”. Elogiou ainda Portas por ser “alguém empenhado em elevar e proteger o interesse nacional, com sentido de estado, sentido de colaboração e sentido democrático de respeito pelas opiniões dos outros”. Na bancada do PSD, Pedro Passos Coelho, que costuma sentar-se na primeira fila, deixou-se ficar discretamente numa das filas de trás.

O mundo perplexizante

No breve testamento político desta tarde, Paulo Portas fez uma empenhada defesa das soluções de compromisso, do gradualismo e da flexibilidade. “Em globalização, a rigidez e o dogmatismo são letais; a flexibilidade e o compromisso vencem”, afirmou, considerando que “as questões pertinentes são muito mais complexas do que a ladaínha dos direitos adquiridos permite alcançar”.

A crítica à esquerda esteve sempre explícita ou implícita (“o determinismo das esquerdas, aqui em maioria, pode ir literalmente em contramão” com o mundo, avisou Portas). E manteve esse registo, fosse nas considerações sobre o assunto do debate ou nas reflexões sobre o estado do mundo.

Sobre as questões da proteção dos idosos e do envelhecimento ativo, Portas argumentou que “o pior serviço que podemos prestar aos beneficiários de uma vida mais longa é uma fartura de ideologia que vai dificultar cada etapa da sua vida, incluindo as derradeiras e merecidas etapas com segurança e tranquilidade. Seria bastante mais útil, como a nossa iniciativa faz, olhar para as melhores práticas de uso e reutilização de trabalho a tempo parcial e da reforma parcial”, numa “permanente adaptação do equilíbrio entre flexibilidade e segurança”.

Sobre o estado do mundo, e adotando já um tom professoral, ou senatorial, Portas deu vários exemplos para ilustrar a necessidade de “mudar de atitude”. “No mundo em que vivemos a maior companhia de taxis não é proprietária de taxis – Uber; o maior fornecedor de alojamento não tem casas – Air BnB; a maior companhia de telecomunicações não tem infraestruturas próprias – Skype; o retalhista mais poderoso não tem invetário – Ali Baba; um dos mais populares proprietários de novos media não cria conteúdos – Facebook; o mais procurado distribuidor de filmes não tem cinemas – Netflix”.

Conclusão: “Num mundo assim, cada vez mais tecno, que obviamente muda a frequência, a duração e a natureza do emprego ao longo da vida, faz sentido dedicarmos o essencial das nossas energias a garantir que no Estado, mas só no Estado, se trabalha 35 horas, quando 4/5 dos trabalhadores fazem 40 horas, ou que na administração as regalias são perpétuas, mas a criação de emprego essa, no setor privado, ou é flexível ou pura e simplesmente o desemprego cresce?”

O tom até pode já ser de senador, mas Portas deu combate à esquerda até ao fim. Mesmo havendo pelo meio “obrigados” e até uma furtiva lágrima.

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