As telas de António Colaço

05-05-2020
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Aos 18 anos, em 1972, o assessor parlamentar do PS, António Colaço, concorria a Belas Artes. Chumbou. Irritado, à saída, deixou a uma funcionária uma pintura sua: "Uma Vénus de Milo, numa escola onde se destacava um jovem com um pau na mão e um cavalete partido." E, para quem não percebeu a alegoria, jurou bem alto: "Hei-de pintar!"

E pintou mesmo... até a manta. No sentido literal, já que a sua incursão pelas artes não se resume à pintura "próximo da figurativa". Recorre à colagem de materiais. Ainda muito jovem, recorda-se de ter passado um dia inteiro a pintar com a água férrea de um riacho. Por alimento, apenas um lanche que a mãe, "criada na casa do irmão do cardeal Cerejeira", lhe preparou.

Mas a vida deste comunicador, que nos últimos 20 anos palmilha os lugares mais secretos dos corredores do poder socialista, é rica em momentos de ruptura e arrebatamento. Foi frade franciscano, mas a vocação esvaiu-se. Pouco depois, já conspirava nas escadas da Faculdade de Letras de Lisboa. Em Janeiro de 1974 assentava praça em Mafra. A catarata traumática provocada, aos 5 anos, por uma pedrada no olho esquerdo, não o livrou do serviço militar. Estava na Escola Prática de Administração Militar no 25 de Abril e alinhou na ocupação da RTP: "Cheguei a dormir numa cabina dos telejornais."

De então, guarda as divisas de cadete, balas que não disparou e um cravo "oferecido por uma senhora". Era tempo de debate de ideias. Discute-as no Movimento de Esquerda Socialista. É do reencontro com um velho amigo de infância, Jorge Lacão, que despontam os seus 20 anos de assessoria. "Estreei-me na Assembleia da República no dia em que António Guterres se iniciou como líder parlamentar."

Antes disso, funcionário da Câmara de Abrantes, abraçou a causa da rádio. Deu a voz na Rádio de Abrantes, na Regional do Ribatejo, e esteve no parto da TSF, com Adelino Gomes. Com idêntica paixão, juntou, em Abrantes, o Congresso das Rádios Piratas. Ao mundo da telefonia promete um dia regressar. Mas, à arte, que "não se esgota nas galerias", vai regressando quando pode.

Já de partida do Parlamento viu negado o direito de ali expor algumas das suas obras, com o argumento de "não ser um pintor de nome". De telas debaixo do braço, entrou na Associação 25 de Abril, mostrou a obra e não mais parou. Em homenagem às origens de seu pai (padeiro), expõe agora em Messejana, porque na Assembleia... sem nome, nem pensar! Às vezes, como diria Álvaro de Campos: (...) "O nome é morto, inda que escrito."

Texto publicado na Revista Única, da edição do Expresso de 17 de Outubro de 2009

Aos 18 anos, em 1972, o assessor parlamentar do PS, António Colaço, concorria a Belas Artes. Chumbou. Irritado, à saída, deixou a uma funcionária uma pintura sua: "Uma Vénus de Milo, numa escola onde se destacava um jovem com um pau na mão e um cavalete partido." E, para quem não percebeu a alegoria, jurou bem alto: "Hei-de pintar!"

E pintou mesmo... até a manta. No sentido literal, já que a sua incursão pelas artes não se resume à pintura "próximo da figurativa". Recorre à colagem de materiais. Ainda muito jovem, recorda-se de ter passado um dia inteiro a pintar com a água férrea de um riacho. Por alimento, apenas um lanche que a mãe, "criada na casa do irmão do cardeal Cerejeira", lhe preparou.

Mas a vida deste comunicador, que nos últimos 20 anos palmilha os lugares mais secretos dos corredores do poder socialista, é rica em momentos de ruptura e arrebatamento. Foi frade franciscano, mas a vocação esvaiu-se. Pouco depois, já conspirava nas escadas da Faculdade de Letras de Lisboa. Em Janeiro de 1974 assentava praça em Mafra. A catarata traumática provocada, aos 5 anos, por uma pedrada no olho esquerdo, não o livrou do serviço militar. Estava na Escola Prática de Administração Militar no 25 de Abril e alinhou na ocupação da RTP: "Cheguei a dormir numa cabina dos telejornais."

De então, guarda as divisas de cadete, balas que não disparou e um cravo "oferecido por uma senhora". Era tempo de debate de ideias. Discute-as no Movimento de Esquerda Socialista. É do reencontro com um velho amigo de infância, Jorge Lacão, que despontam os seus 20 anos de assessoria. "Estreei-me na Assembleia da República no dia em que António Guterres se iniciou como líder parlamentar."

Antes disso, funcionário da Câmara de Abrantes, abraçou a causa da rádio. Deu a voz na Rádio de Abrantes, na Regional do Ribatejo, e esteve no parto da TSF, com Adelino Gomes. Com idêntica paixão, juntou, em Abrantes, o Congresso das Rádios Piratas. Ao mundo da telefonia promete um dia regressar. Mas, à arte, que "não se esgota nas galerias", vai regressando quando pode.

Já de partida do Parlamento viu negado o direito de ali expor algumas das suas obras, com o argumento de "não ser um pintor de nome". De telas debaixo do braço, entrou na Associação 25 de Abril, mostrou a obra e não mais parou. Em homenagem às origens de seu pai (padeiro), expõe agora em Messejana, porque na Assembleia... sem nome, nem pensar! Às vezes, como diria Álvaro de Campos: (...) "O nome é morto, inda que escrito."

Texto publicado na Revista Única, da edição do Expresso de 17 de Outubro de 2009

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