Igualdade no Casamento

15-11-2019
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Por Fernanda CâncioA possibilidade da bigamia "legal" é só um dos imbróglios jurídicos suscitados pela desigualdade na UE quanto ao reconhecimento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em teoria, nos países em que esse tipo de união não é re- conhecida juridicamente - caso de Portugal - um nacional casado com uma pessoa do mesmo sexo numa nação que a permite poderá celebrar novo casamento com uma pessoa de outro sexo.Por outro lado, se dentro do espaço da UE o cônjuge estrangeiro de um nacional de um determinado país tem direito de residência, essa prerrogativa só se aplica, nos Estados membros que não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aos cônjuges de sexo diferente. Em 2003, o Parlamento Europeu propôs que este direito fosse alargado a todos os cônjuges mas a Comissão Europeia recusou, apesar de assegurar aos cônjuges dos seus funcionários, independentemente da diferença de sexo, os mesmos direitos.A confusão já existente tenderá a adensar-se à medida que as alterações legislativas no sentido do reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo "alastra" na UE - desde que a Holanda inaugurou a tendência, em 2001, mais três países (Bélgica, Espanha e Reino Unido) seguiram-lhe o exemplo e dois mais (Suécia e Noruega) deverão fazê-lo em breve, o que equivalerá a um quarto da União, aumentando a pressão sobre os outros países.É o caso de Portugal quatro anos após ganharem a batalha pela aprovação de uma lei da união de facto que inclui casais do mesmo sexo, as organizações LGBT (de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) colocaram o casamento na agenda, fazendo circular uma petição que, invocando o princípio constitucional de não discriminação com base na orientação sexual (consignado na revisão de 2004), considera nula a norma do Código Civil que estabelece que o casamento só pode celebrar-se entre pessoas de sexo diferente e requer a discussão da matéria no Parlamento.A ILGA-Portugal assegura que as quatro mil assinaturas necessárias foram já recolhidas. Entretanto, vários dirigentes partidários - incluindo agora um membro do governo (ver entrevista de Jorge Lacão) - reconheceram já a inconstitucionalidade da dita norma. É o caso de Odete Santos, do PCP, de Ana Drago, do BE, e do líder da JS, Pedro Nuno Santos. Este último frisa ser seu objectivo levar o tema ao Parlamento ainda nesta legislatura e "acreditar na vitória", apesar de reconhecer a divisão do PS na matéria. "Muitos deputados terão vergonha de lutar contra isto", diz.A alteração legislativa em seio do Parlamento não é porém o único modo de mudar o Código Civil. Outra hipótese é a de a dita norma ser considerada não conforme com lei fundamental pelo Tribunal Constitucional. Para que este se pronuncie, basta que 23 deputados ou o provedor de Justiça o solicitem.O segundo caso não é provável Nascimento Rodrigues, quer na resposta ao requerimento de um português casado com um holandês que queria ver a sua união inscrita no seu BI quer ao pedido de esclarecimento do DN sobre a constitucionalidade da norma, respondeu não poder pronunciar-se por se tratar de "uma opção política" que "cabe aos legisladores".Uma resposta que suscita estranheza ao assessor do Tribunal Constitucional José Manuel Vila Longa "Existem instâncias para fiscalizar as leis, e uma delas é o provedor. Por essa ordem de ideias, nunca suscitava a fiscalização de nada." Vila Longa não só reputa a norma de inconstitucional como assegura "ser muito difícil ou mesmo impossível defender, em termos jurídicos, a sua constitucionalidade".Mais longe vai o especialista de direito de família Carlos Pamplona Côrte-Real. "Estando as autoridades públicas obrigadas a respeitar e cumprir a Constituição, qualquer conservador do registo civil pode celebrar um casamento entre pessoas do mesmo sexo, hoje, em Portugal." Uma asserção que Helena Carita, da Associação Sindical dos Conservadores, considera "interessante". "Nunca a ponderei, mas à partida parece-me que não nos cabe fazer interpretações da Constituição." A jurista diz preferir "esperar" que seja alterada a lei, facto que considera inevitável. "Creio que é o futuro, não estou a ver que consigamos ficar de fora dessa onda que varre a Europa."

Por Fernanda CâncioA possibilidade da bigamia "legal" é só um dos imbróglios jurídicos suscitados pela desigualdade na UE quanto ao reconhecimento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em teoria, nos países em que esse tipo de união não é re- conhecida juridicamente - caso de Portugal - um nacional casado com uma pessoa do mesmo sexo numa nação que a permite poderá celebrar novo casamento com uma pessoa de outro sexo.Por outro lado, se dentro do espaço da UE o cônjuge estrangeiro de um nacional de um determinado país tem direito de residência, essa prerrogativa só se aplica, nos Estados membros que não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aos cônjuges de sexo diferente. Em 2003, o Parlamento Europeu propôs que este direito fosse alargado a todos os cônjuges mas a Comissão Europeia recusou, apesar de assegurar aos cônjuges dos seus funcionários, independentemente da diferença de sexo, os mesmos direitos.A confusão já existente tenderá a adensar-se à medida que as alterações legislativas no sentido do reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo "alastra" na UE - desde que a Holanda inaugurou a tendência, em 2001, mais três países (Bélgica, Espanha e Reino Unido) seguiram-lhe o exemplo e dois mais (Suécia e Noruega) deverão fazê-lo em breve, o que equivalerá a um quarto da União, aumentando a pressão sobre os outros países.É o caso de Portugal quatro anos após ganharem a batalha pela aprovação de uma lei da união de facto que inclui casais do mesmo sexo, as organizações LGBT (de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) colocaram o casamento na agenda, fazendo circular uma petição que, invocando o princípio constitucional de não discriminação com base na orientação sexual (consignado na revisão de 2004), considera nula a norma do Código Civil que estabelece que o casamento só pode celebrar-se entre pessoas de sexo diferente e requer a discussão da matéria no Parlamento.A ILGA-Portugal assegura que as quatro mil assinaturas necessárias foram já recolhidas. Entretanto, vários dirigentes partidários - incluindo agora um membro do governo (ver entrevista de Jorge Lacão) - reconheceram já a inconstitucionalidade da dita norma. É o caso de Odete Santos, do PCP, de Ana Drago, do BE, e do líder da JS, Pedro Nuno Santos. Este último frisa ser seu objectivo levar o tema ao Parlamento ainda nesta legislatura e "acreditar na vitória", apesar de reconhecer a divisão do PS na matéria. "Muitos deputados terão vergonha de lutar contra isto", diz.A alteração legislativa em seio do Parlamento não é porém o único modo de mudar o Código Civil. Outra hipótese é a de a dita norma ser considerada não conforme com lei fundamental pelo Tribunal Constitucional. Para que este se pronuncie, basta que 23 deputados ou o provedor de Justiça o solicitem.O segundo caso não é provável Nascimento Rodrigues, quer na resposta ao requerimento de um português casado com um holandês que queria ver a sua união inscrita no seu BI quer ao pedido de esclarecimento do DN sobre a constitucionalidade da norma, respondeu não poder pronunciar-se por se tratar de "uma opção política" que "cabe aos legisladores".Uma resposta que suscita estranheza ao assessor do Tribunal Constitucional José Manuel Vila Longa "Existem instâncias para fiscalizar as leis, e uma delas é o provedor. Por essa ordem de ideias, nunca suscitava a fiscalização de nada." Vila Longa não só reputa a norma de inconstitucional como assegura "ser muito difícil ou mesmo impossível defender, em termos jurídicos, a sua constitucionalidade".Mais longe vai o especialista de direito de família Carlos Pamplona Côrte-Real. "Estando as autoridades públicas obrigadas a respeitar e cumprir a Constituição, qualquer conservador do registo civil pode celebrar um casamento entre pessoas do mesmo sexo, hoje, em Portugal." Uma asserção que Helena Carita, da Associação Sindical dos Conservadores, considera "interessante". "Nunca a ponderei, mas à partida parece-me que não nos cabe fazer interpretações da Constituição." A jurista diz preferir "esperar" que seja alterada a lei, facto que considera inevitável. "Creio que é o futuro, não estou a ver que consigamos ficar de fora dessa onda que varre a Europa."

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