poesia: irene lisboa

02-09-2020
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Começar, recomeçar, interminamente repetir um

monótono romance, o romance da minha vida.

Com palavras iguais, inalteráveis, semelhantes, in-

sistir sobre o cansaço e a pobreza disto de viver…

Andar como os dementes pêlos cantos e repisar

o que já ninguém quer ouvir.

Levar o meu desprecioso tempo à deriva.

Queixar-me, castigar e lamentar sem qualquer

esperança, por desfastio.

Pôr a nu uma miséria comum e conhecida, chã-

mente, serenamente, indiferente à beleza dos temas

e das conclusões.

Monotonamente, monotonamente.

Monotonia. Arte, vida…

Não serei ainda eu que te erigirei o merecido

altar.

Que te manejarei hábil e serena.

Monotonia! Gume frio, acerado, tenaz, eloquente.

Sino de poucos tons, impressionante.

Mas se te descobri não te vou renegar.

Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade,

a pobreza e a constância.

Monotonia, torna-me desinteressada.

irene lisboa

outono havias de vir latente
triste

obras de irene lisboa  I

editorial presença

1991

Começar, recomeçar, interminamente repetir um

monótono romance, o romance da minha vida.

Com palavras iguais, inalteráveis, semelhantes, in-

sistir sobre o cansaço e a pobreza disto de viver…

Andar como os dementes pêlos cantos e repisar

o que já ninguém quer ouvir.

Levar o meu desprecioso tempo à deriva.

Queixar-me, castigar e lamentar sem qualquer

esperança, por desfastio.

Pôr a nu uma miséria comum e conhecida, chã-

mente, serenamente, indiferente à beleza dos temas

e das conclusões.

Monotonamente, monotonamente.

Monotonia. Arte, vida…

Não serei ainda eu que te erigirei o merecido

altar.

Que te manejarei hábil e serena.

Monotonia! Gume frio, acerado, tenaz, eloquente.

Sino de poucos tons, impressionante.

Mas se te descobri não te vou renegar.

Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade,

a pobreza e a constância.

Monotonia, torna-me desinteressada.

irene lisboa

outono havias de vir latente
triste

obras de irene lisboa  I

editorial presença

1991

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