poesia: alejandra pizarnik

01-09-2020
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“Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

e voou

e o meu coração está louco

porque uiva à morte

e sorri por detrás do vento

aos meus delírios

Que hei-de fazer com o medo

Que hei-de fazer com o medo

A luz já não dança no meu sorriso

nem as estações queimam pombas nas minhas

ideias

As minhas mãos despiram-se

e foram até onde a morte

ensina os mortos a viver

Senhor

o ar castiga-me o ser

Por detrás do ar há monstros

que bebem do meu sangue

É  o desastre

é a hora do vazio no vazio

é o instante de aferrolhar os lábios

Ouvir gritar os condenados

contemplar cada um dos meus nomes

enforcados no nada

Senhor

eu tenho vinte anos

e também os meus olhos têm vinte anos

e no entanto não dizem nada

Senhor

eu consumei a minha vida num instante

Estalou a última inocência

Agora é nunca ou jamais

ou simplesmente foi

Porque é que não me mato defronte a um espelho

e desapareço para ressurgir no mar

onde me havia de esperar um grande navio

com as luzes acesas?

Porque é que não arranco as veias

e faço com elas uma escada

para subir ao outro lado da noite?

O princípio deu à luz o final

tudo permanecerá igual

os sorrisos gastos

o interesse interessado

as perguntas de pedra em pedra

os gestos que arremessam o amor

tudo continuará igual

E no entanto os meus braços insistem em abraçar o mundo

porque ainda não lhes ensinaram

que já é demasiado tarde

Senhor

Atira os cadáveres do meu sangue

Recordo a minha meninice

quando eu era uma anciã

as flores morriam nas minhas mãos

porque a dança selvagem da alegria

lhes destruía o coração

Recordo as negras manhãs de sol

quando era menina

quer dizer ontem

quer dizer há séculos

Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

e devorou-me a esperança

Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

Que hei-de fazer com o medo?”

alejandra pizarnik

tradução livre

“Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

e voou

e o meu coração está louco

porque uiva à morte

e sorri por detrás do vento

aos meus delírios

Que hei-de fazer com o medo

Que hei-de fazer com o medo

A luz já não dança no meu sorriso

nem as estações queimam pombas nas minhas

ideias

As minhas mãos despiram-se

e foram até onde a morte

ensina os mortos a viver

Senhor

o ar castiga-me o ser

Por detrás do ar há monstros

que bebem do meu sangue

É  o desastre

é a hora do vazio no vazio

é o instante de aferrolhar os lábios

Ouvir gritar os condenados

contemplar cada um dos meus nomes

enforcados no nada

Senhor

eu tenho vinte anos

e também os meus olhos têm vinte anos

e no entanto não dizem nada

Senhor

eu consumei a minha vida num instante

Estalou a última inocência

Agora é nunca ou jamais

ou simplesmente foi

Porque é que não me mato defronte a um espelho

e desapareço para ressurgir no mar

onde me havia de esperar um grande navio

com as luzes acesas?

Porque é que não arranco as veias

e faço com elas uma escada

para subir ao outro lado da noite?

O princípio deu à luz o final

tudo permanecerá igual

os sorrisos gastos

o interesse interessado

as perguntas de pedra em pedra

os gestos que arremessam o amor

tudo continuará igual

E no entanto os meus braços insistem em abraçar o mundo

porque ainda não lhes ensinaram

que já é demasiado tarde

Senhor

Atira os cadáveres do meu sangue

Recordo a minha meninice

quando eu era uma anciã

as flores morriam nas minhas mãos

porque a dança selvagem da alegria

lhes destruía o coração

Recordo as negras manhãs de sol

quando era menina

quer dizer ontem

quer dizer há séculos

Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

e devorou-me a esperança

Senhor

a gaiola transformou-se em pássaro

Que hei-de fazer com o medo?”

alejandra pizarnik

tradução livre

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