Grupo no Twitter fez durante o Leslie "o que a Proteção Civil devia fazer"

31-01-2020
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A ideia surgiu durante os fogos de Monchique mas foi agora, durante o furacão Leslie, que se organizou. O VOST Portugal - Voluntários Digitais em Situações de Emergência - é uma conta no Twitter que "faz aquilo que a Proteção Civil devia fazer", como explica um dos cofundadores, Jorge Gomes. Informam a população, em tempo real, sobre tudo o que é importante saber numa situação de emergência.

No caso do furacão Leslie, que atingiu Portugal como tempestade tropical, partilharam tweets sobre a velocidade do vento, os locais mais vulneráveis, as estradas que estavam cortadas, os transportes públicos suprimidos e, a função mais importante, conseguiram ajudar quem desesperava para saber se os familiares, em zonas sem comunicações, se encontravam bem. A VOST Portugal nasceu na sexta-feira e em três dias conseguiu alcançar mais seguidores do que o Twitter da Proteção Civil.

"Houve situações dramáticas. Alguém nos contactou por mensagem privada porque não conseguia saber se os pais estavam bem. Não há comunicações", contou ao DN Jorge Gomes, um empresário de Alvor, no Algarve. "Conseguimos, através de um tweet, que alguém fosse a essa freguesia da Figueira da Foz perceber se os senhores estavam bem. E estão", revelou, passavam poucos minutos das 11 da manhã desta segunda-feira.

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A conta partilhou dezenas de tweets com informações cruciais, mas também conseguiu fazê-lo com humor. Na sexta-feira, quando se avizinhava uma noite de ventos fortes - o Leslie chegava a Portugal - e depois de perceberem que a caixa de mensagens estava a transbordar de mensagens de adolescentes com uma pergunta em comum, decidiram partilhar um tweet de resposta geral:

"A nossa caixa de mensagens está cheia de adolescentes a perguntar se não dá mesmo para sair esta noite. Respondemos aqui a todos: Não!"

Mas não foi o humor que levou mais de 4000 pessoas - em apenas 12 horas - a seguirem uma conta criada apenas na sexta-feira (o Twitter da Proteção Civil tem pouco mais de 3000). Os tweets da VOST Portugal foram partilhados e mencionados por 1 milhão e 700 mil pessoas durante a passagem da tempestade tropical. Os voluntários não estavam à espera de tanta afluência, mas conheciam a sede de informação existente.

Fizeram-no a oito mãos: são apenas quatro pessoas - angariaram outros dois voluntários já durante o fim de semana - são na maioria geeks de informática, muitos deles ainda estudantes, nas faixas etárias dos 20 e 30 anos. Jorge Gomes é o único que destoa: empresário na área da restauração, com background em Gestão, tem 48 anos e é algarvio - os restantes cofundadores são de Lisboa. Mas foi ele o autor da primeira conta, em pleno agosto de incêndios em Monchique, quando metade do país estava de férias na zona, ou perto, e as famílias desesperavam por notícias dos seus. Ou por informações, só isso, notícias dos fogos, das casas, das estradas por onde ainda podiam passar.

Não dormiram durante três dias: tuitaram informação

Não se conhecem, nunca ouviram a voz dos outros, nem sequer sabem onde cada um mora. Comunicam através de um servidor de discord - uma plataforma onde normalmente os jogadores online comunicam entre eles. "É o nosso backoffice", brinca Jorge Gomes. De sexta-feira a domingo não dormiram, foram "intercalando pequenas sestas", como contou ao DN Duarte Sousa, de 22 anos, estudante do Mestrado de Informática. Ele, que tanto medo tinha de trovoadas em criança e que agora, quando acontecem, fica a fotografar os raios a partir da janela de casa.

Começou a colaborar na conta do Twitter criada por Jorge Gomes durante os incêndios de Monchique: "Percebemos que estávamos a partilhar a mesma informação". Decidiram reunir tudo no mesmo sítio. "O que se passa com os canais oficiais é que há um grande atraso em relação ao que é partilhado no site da Proteção Civil", critica. Sabe do que fala: "Há muito tempo que acompanho este tipo de situações".

Considera que, desta vez, e no que diz respeito à prevenção em relação à passagem do furacão Leslie, a Proteção Civil, a autarquia de Lisboa e o IPMA "funcionaram bem". O problema foi depois. "Não partilham nada nas redes sociais. Nós queremos ajudar as populações que se sentem abandonadas. Já que a Proteção Civil não o faz que alguém o faça", resume.

Jorge e Duarte acabaram unidos pelo incêndio de Monchique - que durou de 3 a 10 de agosto - o fogo que levou o empresário a deixar de partilhar informação no seu Twitter pessoal para criar uma conta dedicada apenas a isso: "Chamava-se CONAC-TW, foi uma provocação minha à sigla do ao Comandante Nacional da Prorteção Civil, uma vez que eu estava a fazer aquilo que lhe competia", revelou. Só na sexta-feira o nome foi alterado para VOST Portugal - imitando o nome da VOST Europe - que agrupa voluntários de vários países europeus, como Espanha. Acabaram a receber os parabéns da organização que usou os tweets portugueses como canal de informação.

Já em agosto Jorge Gomes tinha sido uma espécie de anjo da guarda de pessoas aflitas no meio da tragédia. "Recebi a mensagem privada de um senhor que não sabia dos pais. Liguei para um amigo meu que é polícia e meia hora depois conseguiu garantir que a família desse senhor estava bem", recordou. Apesar das informações que constam na conta de Twitter - "validamos sempre com três ou quatro fontes" - são voluntários e amadores. "Funcionamos um pouco à portuguesa, temos esta coisa boa, ligamos para alguém que conhece alguém e que por sua vez conhece outra pessoa e vai-se buscar a informação que precisamos", resume.

Mas não só. Usam todas as fontes disponíveis: órgãos de comunicação social - durante a passagem do Leslie também estes (TVI24 e Sic Notícias) se serviram da conta de Twitter - grupos de Facebook, fóruns especializados - como o Fogos.pt , e as informações das estações meteorológicas pessoais que muitas pessoas têm - "há um submundo de geeks da meteorologia que eu desconhecia", contou Jorge Gomes. Compilaram informação do Facebook, e usaram os contactos que Jorge Gomes tem na Polícia, GNR e Bombeiros - aconteceu em Monchique e foram úteis também agora.

"O objetivo da VOST Portugal é que a Proteção Civil arranje uma equipa que faça o que nós fazemos", admite o empresário, sem poupar nas críticas às autoridades e ao próprio IPMA. "Como é que é possível que a Proteção Civil não faça o que quatro pessoas conseguem fazer?", acrescenta, admitindo que ficou chocado quando ouviu o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dizer na televisão pública: "Nós somos cientistas, não somos comunicadores".

Durante a passagem do Leslie, a equipa ganhou mais dois voluntários. Francisco Robalo, 25 anos, estudante de Ciências de Dados - também na área da informática - é um deles. A sua "praia" são os dados e as estatísticas e é isso que agora estão a fazer: a reunir informação sobre os locais onde os serviços ainda não foram reativados: "Há pessoa ainda sem água e eletricidade". Uma vez mais, essa informação não está reunida. Estão também a pressionar as operadoras e a EDP Distribuição para informar quando é que vão repor as comunicações e o abastecimento de energia. "Vamos tornar essas informações públicas", diz Robalo.

O estudante aponta os "erros crassos" cometidos pelas autoridades nos últimos dias. "Desde quinta-feira que se sabia que era provável que a rota do furacão se alterasse, mas a Proteção Civil só informou a população na sexta-feira", critica. "Viu-se também o que aconteceu com o caso dos SMS", lembra. Muitas pessoas só receberam horas depois a informação da EMEL que aconselhava que estas se mantivessem em casa a partir das 18:00 do mesmo dia, devido à chegada do furacão Leslie a Portugal. A EMEL culpou as operadoras pelo atraso no envio.

Para Jorge Gomes, falta "vontade política" para alterar a forma como a Proteção Civil (não) comunica com a população. "Não temos ninguém [na Proteção Civil] que seja competente e deste século. Proteger também é informar", desabafou.

A ideia surgiu durante os fogos de Monchique mas foi agora, durante o furacão Leslie, que se organizou. O VOST Portugal - Voluntários Digitais em Situações de Emergência - é uma conta no Twitter que "faz aquilo que a Proteção Civil devia fazer", como explica um dos cofundadores, Jorge Gomes. Informam a população, em tempo real, sobre tudo o que é importante saber numa situação de emergência.

No caso do furacão Leslie, que atingiu Portugal como tempestade tropical, partilharam tweets sobre a velocidade do vento, os locais mais vulneráveis, as estradas que estavam cortadas, os transportes públicos suprimidos e, a função mais importante, conseguiram ajudar quem desesperava para saber se os familiares, em zonas sem comunicações, se encontravam bem. A VOST Portugal nasceu na sexta-feira e em três dias conseguiu alcançar mais seguidores do que o Twitter da Proteção Civil.

"Houve situações dramáticas. Alguém nos contactou por mensagem privada porque não conseguia saber se os pais estavam bem. Não há comunicações", contou ao DN Jorge Gomes, um empresário de Alvor, no Algarve. "Conseguimos, através de um tweet, que alguém fosse a essa freguesia da Figueira da Foz perceber se os senhores estavam bem. E estão", revelou, passavam poucos minutos das 11 da manhã desta segunda-feira.

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A conta partilhou dezenas de tweets com informações cruciais, mas também conseguiu fazê-lo com humor. Na sexta-feira, quando se avizinhava uma noite de ventos fortes - o Leslie chegava a Portugal - e depois de perceberem que a caixa de mensagens estava a transbordar de mensagens de adolescentes com uma pergunta em comum, decidiram partilhar um tweet de resposta geral:

"A nossa caixa de mensagens está cheia de adolescentes a perguntar se não dá mesmo para sair esta noite. Respondemos aqui a todos: Não!"

Mas não foi o humor que levou mais de 4000 pessoas - em apenas 12 horas - a seguirem uma conta criada apenas na sexta-feira (o Twitter da Proteção Civil tem pouco mais de 3000). Os tweets da VOST Portugal foram partilhados e mencionados por 1 milhão e 700 mil pessoas durante a passagem da tempestade tropical. Os voluntários não estavam à espera de tanta afluência, mas conheciam a sede de informação existente.

Fizeram-no a oito mãos: são apenas quatro pessoas - angariaram outros dois voluntários já durante o fim de semana - são na maioria geeks de informática, muitos deles ainda estudantes, nas faixas etárias dos 20 e 30 anos. Jorge Gomes é o único que destoa: empresário na área da restauração, com background em Gestão, tem 48 anos e é algarvio - os restantes cofundadores são de Lisboa. Mas foi ele o autor da primeira conta, em pleno agosto de incêndios em Monchique, quando metade do país estava de férias na zona, ou perto, e as famílias desesperavam por notícias dos seus. Ou por informações, só isso, notícias dos fogos, das casas, das estradas por onde ainda podiam passar.

Não dormiram durante três dias: tuitaram informação

Não se conhecem, nunca ouviram a voz dos outros, nem sequer sabem onde cada um mora. Comunicam através de um servidor de discord - uma plataforma onde normalmente os jogadores online comunicam entre eles. "É o nosso backoffice", brinca Jorge Gomes. De sexta-feira a domingo não dormiram, foram "intercalando pequenas sestas", como contou ao DN Duarte Sousa, de 22 anos, estudante do Mestrado de Informática. Ele, que tanto medo tinha de trovoadas em criança e que agora, quando acontecem, fica a fotografar os raios a partir da janela de casa.

Começou a colaborar na conta do Twitter criada por Jorge Gomes durante os incêndios de Monchique: "Percebemos que estávamos a partilhar a mesma informação". Decidiram reunir tudo no mesmo sítio. "O que se passa com os canais oficiais é que há um grande atraso em relação ao que é partilhado no site da Proteção Civil", critica. Sabe do que fala: "Há muito tempo que acompanho este tipo de situações".

Considera que, desta vez, e no que diz respeito à prevenção em relação à passagem do furacão Leslie, a Proteção Civil, a autarquia de Lisboa e o IPMA "funcionaram bem". O problema foi depois. "Não partilham nada nas redes sociais. Nós queremos ajudar as populações que se sentem abandonadas. Já que a Proteção Civil não o faz que alguém o faça", resume.

Jorge e Duarte acabaram unidos pelo incêndio de Monchique - que durou de 3 a 10 de agosto - o fogo que levou o empresário a deixar de partilhar informação no seu Twitter pessoal para criar uma conta dedicada apenas a isso: "Chamava-se CONAC-TW, foi uma provocação minha à sigla do ao Comandante Nacional da Prorteção Civil, uma vez que eu estava a fazer aquilo que lhe competia", revelou. Só na sexta-feira o nome foi alterado para VOST Portugal - imitando o nome da VOST Europe - que agrupa voluntários de vários países europeus, como Espanha. Acabaram a receber os parabéns da organização que usou os tweets portugueses como canal de informação.

Já em agosto Jorge Gomes tinha sido uma espécie de anjo da guarda de pessoas aflitas no meio da tragédia. "Recebi a mensagem privada de um senhor que não sabia dos pais. Liguei para um amigo meu que é polícia e meia hora depois conseguiu garantir que a família desse senhor estava bem", recordou. Apesar das informações que constam na conta de Twitter - "validamos sempre com três ou quatro fontes" - são voluntários e amadores. "Funcionamos um pouco à portuguesa, temos esta coisa boa, ligamos para alguém que conhece alguém e que por sua vez conhece outra pessoa e vai-se buscar a informação que precisamos", resume.

Mas não só. Usam todas as fontes disponíveis: órgãos de comunicação social - durante a passagem do Leslie também estes (TVI24 e Sic Notícias) se serviram da conta de Twitter - grupos de Facebook, fóruns especializados - como o Fogos.pt , e as informações das estações meteorológicas pessoais que muitas pessoas têm - "há um submundo de geeks da meteorologia que eu desconhecia", contou Jorge Gomes. Compilaram informação do Facebook, e usaram os contactos que Jorge Gomes tem na Polícia, GNR e Bombeiros - aconteceu em Monchique e foram úteis também agora.

"O objetivo da VOST Portugal é que a Proteção Civil arranje uma equipa que faça o que nós fazemos", admite o empresário, sem poupar nas críticas às autoridades e ao próprio IPMA. "Como é que é possível que a Proteção Civil não faça o que quatro pessoas conseguem fazer?", acrescenta, admitindo que ficou chocado quando ouviu o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dizer na televisão pública: "Nós somos cientistas, não somos comunicadores".

Durante a passagem do Leslie, a equipa ganhou mais dois voluntários. Francisco Robalo, 25 anos, estudante de Ciências de Dados - também na área da informática - é um deles. A sua "praia" são os dados e as estatísticas e é isso que agora estão a fazer: a reunir informação sobre os locais onde os serviços ainda não foram reativados: "Há pessoa ainda sem água e eletricidade". Uma vez mais, essa informação não está reunida. Estão também a pressionar as operadoras e a EDP Distribuição para informar quando é que vão repor as comunicações e o abastecimento de energia. "Vamos tornar essas informações públicas", diz Robalo.

O estudante aponta os "erros crassos" cometidos pelas autoridades nos últimos dias. "Desde quinta-feira que se sabia que era provável que a rota do furacão se alterasse, mas a Proteção Civil só informou a população na sexta-feira", critica. "Viu-se também o que aconteceu com o caso dos SMS", lembra. Muitas pessoas só receberam horas depois a informação da EMEL que aconselhava que estas se mantivessem em casa a partir das 18:00 do mesmo dia, devido à chegada do furacão Leslie a Portugal. A EMEL culpou as operadoras pelo atraso no envio.

Para Jorge Gomes, falta "vontade política" para alterar a forma como a Proteção Civil (não) comunica com a população. "Não temos ninguém [na Proteção Civil] que seja competente e deste século. Proteger também é informar", desabafou.

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