Eutanásia. Recolha de assinaturas para o referendo está “viral”, movimento a favor da despenalização diz que consulta é “antidemocrática”

14-02-2020
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A adesão à iniciativa popular de referendo sobre a despenalização da eutanásia “está a ultrapassar todas as expetativas”, garante ao Expresso Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa pela Vida (FPV), a entidade que está a reunir as assinaturas. “Está a tornar-se viral. Estamos admirados com a adesão”, declara, com notório entusiasmo.

A contabilidade é feita com base nas assinaturas feitas online – 8.414, às 23h45 desta terça-feira – e nas 4.000 assinaturas em papel que a federação diz já ter recebido, contabilizando assim, no total, mais de 10.000 assinaturas. Isilda Pegado, ex-deputada do PSD, salienta que a única coisa que a FPV fez foi divulgar a iniciativa na internet, nomeadamente nas redes sociais e com a disponibilização da folha de recolha de assinaturas.

“Nem sequer enviamos as cartas para as associações que integram a federação e para os grupos que se têm formado pelo país em defesa da vida, só o vamos fazer amanhã ou depois”, revela. Por isso, e apesar dos “meios muito reduzidos” da FPV, a responsável diz que o objetivo das 60.000 assinaturas não a “atormenta” e será obtido em tempo útil.

Do outro lado da barricada estão plataformas como o Movimento Cívico “Direito a Morrer com Dignidade”, que considera que o referendo não era necessário mas garante não ter medo de ir a votos. “Quando as pessoas votam em questões destas, o que realmente importa são as suas convicções mais profundas, que se formam pelo que veem em situações de pessoas próximas. Tenho a certeza absoluta de que, se houver um referendo, vamos ganhar”, afirma Bruno Maia, médico, candidato (não eleito) do Bloco de Esquerda a deputado na Assembleia da República e um dos membros deste movimento.

De acordo com Isilda Pegado, têm chegado à FPV folhas com assinaturas “de gente anónima” e “nunca uma iniciativa popular foi tão expressiva”. A organização que lidera, salienta, é laica e a adesão “extravasa o âmbito das pessoas com prática religiosa”, o que, destaca, é simbolizado pela lista de mandatários – que inclui o antigo presidente da República Ramalho Eanes e a ex-presidente do PSD Manuela Ferreira Leite. Porém, a FPV também “olha para o país com a sua realidade sociológica, onde existem várias igrejas”.

Igreja não diz às paróquias “para se fazer isto ou aquilo”

No universo católico português a mobilização já começou, admite o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. O Expresso sabe que em várias escolas católicas circulam emails e outras formas de comunicação para reunir assinaturas. O tema também já corre por paróquias de todo o país e será seguramente objeto de muitas homilias. Porém, não há nenhuma “orientação geral” da hierarquia da Igreja.

“Não temos previstas mobilizações específicas. A mobilização é integrada naquilo que é feito em cada diocese, em cada paróquia. Aliás, já o estão a fazer. Há muitas formas, não dizemos para se fazer isto ou aquilo”, explica Manuel Barbosa ao Expresso.

tiago miranda

O diácono Fernando Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), assume que há um “esforço global” no sentido de esclarecer a comunidade – seja por via eletrónica, pela disponibilização nas secretarias de folhas para a recolha de assinaturas ou por mero “passa-palavra” –, mas também não assume nenhuma centralização.

“A impressão muito empírica que eu tenho é a de que a adesão à causa confirma o impacto. As pessoas estão muito sintonizadas para que este debate não fique apenas na esfera do Parlamento”, revela Fernando Magalhães, também diretor do Externato Frei Luís de Sousa, em Almada.

Nessa escola, o referendo deverá ser tema de um boletim habitualmente enviado aos pais e chegar “às redes sociais”. “Queremos apenas recordar que há uma série de iniciativas no terreno, depois as pessoas atuam de acordo com a sua próprio consciência”, sublinha. Para além disso, o diácono acrescenta que o tema é abordado com os alunos no contexto das próprias aulas – nomeadamente Cidadania, Ciências e Educação Moral e Religiosa Católica. Assim, “seguramente”, o debate chegará por via dos filhos aos pais.

Eutanásia ainda pode ser travada no Parlamento

O movimento global de promoção do referendo, denominado “#simavida”, apresenta a iniciativa como resposta à entrada no Parlamento de cinco projetos de lei - do BE, PAN, PS, PEV e, mais recentemente, do Iniciativa Liberal - que visam definir e regular os casos e as condições em que não é punível a morte a pedido. “Apenas o poderíamos fazer depois do processo legislativo estar a decorrer”, justifica Isilda Pegado, que não faz uma previsão para o momento em que pode terminar a recolha de assinaturas – sendo bem sucedida – e a entrega do pedido de referendo para voto na Assembleia da República.

Um referendo ao qual, como dissemos, se opõe o Movimento Cívico “Direito a Morrer com Dignidade”. “Concordamos com a Conferência Episcopal Portuguesa: a vida não é referendável, Também acho que os direitos fundamentais não são referendáveis. Somos consequentes com a nossa posição, os padres portugueses é que estão em contradição absoluta”, atira Bruno Maia.

De facto, a instituição que agrupa os bispos da Igreja Católica em Portugal começou por recusar o referendo, até que esta terça-feira, oficialmente, declarou acompanhar e apoiar “as iniciativas em curso contra a despenalização da eutanásia, nomeadamente a realização” de um sufrágio sobre o tema.

A despenalização da morte assistida será debatida na Assembleia da República a 20 de fevereiro. Havendo propostas no mesmo sentido de cinco partidos, com larga maioria, a expectativa é de que um ou vários destes projetos sejam aprovados, depois de em maio de 2018 uma iniciativa do PS ter ficado a cinco votos da luz verde.

No entanto, do lado da oposição à despenalização, ainda há expectativa de que a aprovação não se concretize. “Sabemos qual é o contexto parlamentar. Já foram tomadas posições, esperamos que haja alteração também disso. A aprovação da realização do referendo não é para atrasar o processo, mas que para que a questão seja mais debatida na sociedade”, nota o padre Manuel Barbosa.

Por outro lado, mesmo com as 60.000 assinaturas, a realização do referendo fica dependente da formação de uma maioria simples no Parlamento - e a expetativa é que ela seja difícil de obter. “Os deputados saberão olhar para os cidadãos que os elegeram e que a democracia não se esgota no dia do voto”, pressiona a presidente da FPV.

Maioria dos médicos a favor da despenalização, garante movimento

O porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa insiste ainda que o assunto mobiliza “a unanimidade dos responsáveis máximos das religiões presentes em Portugal”, uma declaração que será reafirmada esta quarta-feira. “Também a Ordem dos Médicos vai ter uma ação concreta neste sentido, as associações católicas de médicos e enfermeiros também se vão pronunciar”, informa.

Isilda Pegado cita uma série de instituições que diz constituírem uma “larguíssima maioria” que analisou e se pronunciou contra os projetos de lei apresentados: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Conselho Superior de Magistratura e Conselho Superior do Ministério Público.

Porém, para Bruno Maia, a situação é inversa. “A maioria dos profissionais de saúde defende a morte assistida”, assegura, evocando estudos do professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Miguel Ricou, e da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos.

Aliás, o médico neurologista nega que a Ordem dos Médicos seja contrária à despenalização da eutanásia: “Quem está contra é a direção. Quando falamos da opinião de médicos e enfermeiros, ela foi feita na sua prática diária e não condicionada pelo próprio estatuto”. Num comunicado divulgado esta terça-feira pelo movimento “Direito a Morrer com Dignidade”, são referidas personalidades a favor da regulamentação da morte assistida em Portugal: por exemplo, o investigador Manuel Sobrinho Simões, os ex-diretores-gerais da Saúde Francisco George e Constantino Sakellarides e o sexólogo Júlio Machado Vaz.

“Ao contrário do que dizem as forças que se opõem, o debate está a ser feito há muito tempo. Houve uma reflexão muito séria, o tema é transversal”, sublinha Bruno Maia, que defende mesmo que consulta popular será “antidemocrática”, no sentido em que, nas legislativas de 6 de outubro, todos conheciam as posições dos partidos e votaram em conformidade.

“Na votação de 2018, só dois deputados do PS não votaram a favor. As pessoas sabem que pode haver liberdade de voto mas também sabem qual a opinião maioritária do grupo parlamentar. O líder do PSD até tem posições públicas a favor. Os únicos partidos que estão contra são PCP e CDS”, exclama o médico.

Em sentido inverso, a FPV queixa-se das propostas sobre eutanásia não surgirem nos programas eleitorais de PS e PSD. Certa é também a pergunta do referendo que será proposta, após “consulta a professores de Direito e juristas de renome”, ressalva Isilda Pegado: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”.

A adesão à iniciativa popular de referendo sobre a despenalização da eutanásia “está a ultrapassar todas as expetativas”, garante ao Expresso Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa pela Vida (FPV), a entidade que está a reunir as assinaturas. “Está a tornar-se viral. Estamos admirados com a adesão”, declara, com notório entusiasmo.

A contabilidade é feita com base nas assinaturas feitas online – 8.414, às 23h45 desta terça-feira – e nas 4.000 assinaturas em papel que a federação diz já ter recebido, contabilizando assim, no total, mais de 10.000 assinaturas. Isilda Pegado, ex-deputada do PSD, salienta que a única coisa que a FPV fez foi divulgar a iniciativa na internet, nomeadamente nas redes sociais e com a disponibilização da folha de recolha de assinaturas.

“Nem sequer enviamos as cartas para as associações que integram a federação e para os grupos que se têm formado pelo país em defesa da vida, só o vamos fazer amanhã ou depois”, revela. Por isso, e apesar dos “meios muito reduzidos” da FPV, a responsável diz que o objetivo das 60.000 assinaturas não a “atormenta” e será obtido em tempo útil.

Do outro lado da barricada estão plataformas como o Movimento Cívico “Direito a Morrer com Dignidade”, que considera que o referendo não era necessário mas garante não ter medo de ir a votos. “Quando as pessoas votam em questões destas, o que realmente importa são as suas convicções mais profundas, que se formam pelo que veem em situações de pessoas próximas. Tenho a certeza absoluta de que, se houver um referendo, vamos ganhar”, afirma Bruno Maia, médico, candidato (não eleito) do Bloco de Esquerda a deputado na Assembleia da República e um dos membros deste movimento.

De acordo com Isilda Pegado, têm chegado à FPV folhas com assinaturas “de gente anónima” e “nunca uma iniciativa popular foi tão expressiva”. A organização que lidera, salienta, é laica e a adesão “extravasa o âmbito das pessoas com prática religiosa”, o que, destaca, é simbolizado pela lista de mandatários – que inclui o antigo presidente da República Ramalho Eanes e a ex-presidente do PSD Manuela Ferreira Leite. Porém, a FPV também “olha para o país com a sua realidade sociológica, onde existem várias igrejas”.

Igreja não diz às paróquias “para se fazer isto ou aquilo”

No universo católico português a mobilização já começou, admite o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. O Expresso sabe que em várias escolas católicas circulam emails e outras formas de comunicação para reunir assinaturas. O tema também já corre por paróquias de todo o país e será seguramente objeto de muitas homilias. Porém, não há nenhuma “orientação geral” da hierarquia da Igreja.

“Não temos previstas mobilizações específicas. A mobilização é integrada naquilo que é feito em cada diocese, em cada paróquia. Aliás, já o estão a fazer. Há muitas formas, não dizemos para se fazer isto ou aquilo”, explica Manuel Barbosa ao Expresso.

tiago miranda

O diácono Fernando Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), assume que há um “esforço global” no sentido de esclarecer a comunidade – seja por via eletrónica, pela disponibilização nas secretarias de folhas para a recolha de assinaturas ou por mero “passa-palavra” –, mas também não assume nenhuma centralização.

“A impressão muito empírica que eu tenho é a de que a adesão à causa confirma o impacto. As pessoas estão muito sintonizadas para que este debate não fique apenas na esfera do Parlamento”, revela Fernando Magalhães, também diretor do Externato Frei Luís de Sousa, em Almada.

Nessa escola, o referendo deverá ser tema de um boletim habitualmente enviado aos pais e chegar “às redes sociais”. “Queremos apenas recordar que há uma série de iniciativas no terreno, depois as pessoas atuam de acordo com a sua próprio consciência”, sublinha. Para além disso, o diácono acrescenta que o tema é abordado com os alunos no contexto das próprias aulas – nomeadamente Cidadania, Ciências e Educação Moral e Religiosa Católica. Assim, “seguramente”, o debate chegará por via dos filhos aos pais.

Eutanásia ainda pode ser travada no Parlamento

O movimento global de promoção do referendo, denominado “#simavida”, apresenta a iniciativa como resposta à entrada no Parlamento de cinco projetos de lei - do BE, PAN, PS, PEV e, mais recentemente, do Iniciativa Liberal - que visam definir e regular os casos e as condições em que não é punível a morte a pedido. “Apenas o poderíamos fazer depois do processo legislativo estar a decorrer”, justifica Isilda Pegado, que não faz uma previsão para o momento em que pode terminar a recolha de assinaturas – sendo bem sucedida – e a entrega do pedido de referendo para voto na Assembleia da República.

Um referendo ao qual, como dissemos, se opõe o Movimento Cívico “Direito a Morrer com Dignidade”. “Concordamos com a Conferência Episcopal Portuguesa: a vida não é referendável, Também acho que os direitos fundamentais não são referendáveis. Somos consequentes com a nossa posição, os padres portugueses é que estão em contradição absoluta”, atira Bruno Maia.

De facto, a instituição que agrupa os bispos da Igreja Católica em Portugal começou por recusar o referendo, até que esta terça-feira, oficialmente, declarou acompanhar e apoiar “as iniciativas em curso contra a despenalização da eutanásia, nomeadamente a realização” de um sufrágio sobre o tema.

A despenalização da morte assistida será debatida na Assembleia da República a 20 de fevereiro. Havendo propostas no mesmo sentido de cinco partidos, com larga maioria, a expectativa é de que um ou vários destes projetos sejam aprovados, depois de em maio de 2018 uma iniciativa do PS ter ficado a cinco votos da luz verde.

No entanto, do lado da oposição à despenalização, ainda há expectativa de que a aprovação não se concretize. “Sabemos qual é o contexto parlamentar. Já foram tomadas posições, esperamos que haja alteração também disso. A aprovação da realização do referendo não é para atrasar o processo, mas que para que a questão seja mais debatida na sociedade”, nota o padre Manuel Barbosa.

Por outro lado, mesmo com as 60.000 assinaturas, a realização do referendo fica dependente da formação de uma maioria simples no Parlamento - e a expetativa é que ela seja difícil de obter. “Os deputados saberão olhar para os cidadãos que os elegeram e que a democracia não se esgota no dia do voto”, pressiona a presidente da FPV.

Maioria dos médicos a favor da despenalização, garante movimento

O porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa insiste ainda que o assunto mobiliza “a unanimidade dos responsáveis máximos das religiões presentes em Portugal”, uma declaração que será reafirmada esta quarta-feira. “Também a Ordem dos Médicos vai ter uma ação concreta neste sentido, as associações católicas de médicos e enfermeiros também se vão pronunciar”, informa.

Isilda Pegado cita uma série de instituições que diz constituírem uma “larguíssima maioria” que analisou e se pronunciou contra os projetos de lei apresentados: Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Conselho Superior de Magistratura e Conselho Superior do Ministério Público.

Porém, para Bruno Maia, a situação é inversa. “A maioria dos profissionais de saúde defende a morte assistida”, assegura, evocando estudos do professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Miguel Ricou, e da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos.

Aliás, o médico neurologista nega que a Ordem dos Médicos seja contrária à despenalização da eutanásia: “Quem está contra é a direção. Quando falamos da opinião de médicos e enfermeiros, ela foi feita na sua prática diária e não condicionada pelo próprio estatuto”. Num comunicado divulgado esta terça-feira pelo movimento “Direito a Morrer com Dignidade”, são referidas personalidades a favor da regulamentação da morte assistida em Portugal: por exemplo, o investigador Manuel Sobrinho Simões, os ex-diretores-gerais da Saúde Francisco George e Constantino Sakellarides e o sexólogo Júlio Machado Vaz.

“Ao contrário do que dizem as forças que se opõem, o debate está a ser feito há muito tempo. Houve uma reflexão muito séria, o tema é transversal”, sublinha Bruno Maia, que defende mesmo que consulta popular será “antidemocrática”, no sentido em que, nas legislativas de 6 de outubro, todos conheciam as posições dos partidos e votaram em conformidade.

“Na votação de 2018, só dois deputados do PS não votaram a favor. As pessoas sabem que pode haver liberdade de voto mas também sabem qual a opinião maioritária do grupo parlamentar. O líder do PSD até tem posições públicas a favor. Os únicos partidos que estão contra são PCP e CDS”, exclama o médico.

Em sentido inverso, a FPV queixa-se das propostas sobre eutanásia não surgirem nos programas eleitorais de PS e PSD. Certa é também a pergunta do referendo que será proposta, após “consulta a professores de Direito e juristas de renome”, ressalva Isilda Pegado: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”.

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