Hoje há Orçamento, amanhã não sabemos

26-11-2020
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O que dizer sobre Diego Armando Maradona , desaparecido ontem, assim, sem mais, que não tenha já sido escrito ou dito por todo o lado? Como resumir o que se diz em todo o mundo, das ruas de Nápoles aos Bairros de Buenos Aires? Talvez o melhor seja o título descritivo que encabeça o site do argentino Clarín : “Morreu Maradona e o mundo chora-o”. Se este texto fosse um telegrama acabava aqui. As capas dos jornais são todas dele e quase todas têm a palavra Deus . Na Tribuna pode ler duas mãos cheias de excelentes textos que explicam porque é que ele era único e irrepetível. Está lá tudo, é só escolher . E se me sobrasse uma só palavra, teria que a pedir emprestada a esta magnífica capa do francês Libération , com o mais simples dos títulos: “ Celeste ”. Descendo à terra e às minudências da nossa vida política , fique a saber que hoje é aquele dia em que o Parlamento faz um exercício de geometria variável e gritaria invariável para aprovar o Orçamento do Estado. Quando o governo é minoritário, o exercício fica sempre mais complicado, apesar de os últimos anos nos terem mostrado que PCP, Bloco e PAN acabam sempre a salvar o documento , entre queixas, promessas e nenhumas juras de amor. Acontece que desta vez o PS teve um problema novo. O Bloco deu às de vila-diogo e o PCP foi decisivo para que não houvesse uma crise. A abstenção comunista tem um preço negocial alto, ainda sem contas saldadas . A manhã vai mostrar-nos o que falta desta história. Nas últimas horas surgiu um novo e enorme problema por causa do Novo Banco . Com enorme surpresa, uma proposta do Bloco teve o apoio do PSD (e do PCP e do PAN), e agora o Fundo de Resolução está impedido de colocar um cêntimo que seja no Novo Banco . Assim mesmo, nem mais um euro para o Novo Banco. Ora, além de estar prevista no OE uma transferência de 476 milhões em 2021, este mecanismo decorre de um acordo entre o Estado Português, a Lone Star e a Comissão Europeia, que permitiu a venda do banco. Ou seja, há contratos assinados. Os meus colegas Diogo Cavaleiro e Liliana Valente explicam muito bem neste texto o que está em causa neste esticar (ou partir) da corda. Parece uma brincadeira pouco pensada, mas vai tornar o nosso dia bem mais animado. Só a política portuguesa é que nos podia entreter e surpreender no dia de luto por Maradona. A nossa e, claro, a dos americanos. Não estamos sozinhos na Terra.

OUTRAS NOTÍCIAS

Donald Trump decidiu perdoar Michael Flynn. Os indultos são usados por todos os presidentes americanos, especialmente no fim do mandato. Mas este caso tem contornos perigosos, porque Flynn, antigo conselheiro de segurança nacional, admitiu ter mentido duas vezes ao FBI na sequência da investigação às alegadas ligações entre a campanha presidencial de Trump em 2016 e diplomatas russos.

O anúncio do indulto foi feito pelo presidente norte-americano no Twitter esta quarta-feira e anunciado como sendo uma grande honra. É natural que haja mais indultos na próxima semana e que vários protejam colaboradores (ou ex-colaboradores) do ainda Presidente dos EUA. Há enorme especulação sobre a possibilidade de Trump se perdoar a si próprio, pondo-se a salvo de qualquer processo federal, o que seria inédito.

Durante a campanha para as presidenciais americanas, um dos temas mais debatidos foi o preenchimento de uma vaga no Supremo Tribunal de Justiça. Apesar da proximidade ao ato eleitoral – e de os cargos no Supremo serem vitalícios -, Donald Trump avançou com a nomeação de uma juíza muito conservadora e profundamente religiosa, Amy Coney Barrett. Hoje, conheceu-se o primeiro efeito da nova inclinação do Supremo Americano.

O Tribunal deu razão (5 contra 4 juízes) a queixas da comunidade judaica e também da Igreja Católica contra o Estado de Nova Iorque, que colocou restrições de culto por causa da pandemia. A visão mais literal da Constituição americana – agora dominante no Supremo – defende que a liberdade religiosa não pode ser posta em causa desta forma. E não autoriza as medidas do governador de Nova Iorque. O voto de Amy Coney Barrett foi decisivo.

Fixe estes dois números: 59 milhões de casos e 1 milhão e 400 mil mortos em todo o mundo. São estas as contas da pandemia. No vigésimo sexto dia de novembro.

Por cá, sabemos que o governo finalmente chamou 500 funcionários públicos para ajudarem no rastreio de doentes com Covid 19. A notícia é do Público e da Rádio Renascença, que entrevistaram Marta Temido. Faz uma certa confusão que esta medida óbvia só apareça quando o número de casos explodiu e o rastreio perdeu o norte a um número esmagador de casos.

Há uma outra palavra da ministra que dá que pensar, quando afirma que o risco que Portugal corre em ter uma deficiente distribuição das vacinas é “zero”. Isso mesmo, zero. Num país que nunca foi conhecido pela sua eficiência logística ou planeamento porque é que este zero não me sai da cabeça?

Por falar em vacina, o recente anúncio da Astrazeneca/Universidade de Oxford está a passar rapidamente da euforia ao forte ceticismo. Os fabricantes e investigadores reconhecem que um erro de fabrico e dosagem está a levantar questões sobre os resultados preliminares da vacina experimental contra a covid-19.

A eficácia média levanta dúvidas por parte dos especialistas porque os participantes do estudo não receberam todos a mesma dose do fármaco. A universidade de Oxford diz agora que houve um erro no fabrico e que alguns voluntários receberam primeiro apenas meia dose da vacina, porque alguns dos frascos usados não tinham a concentração certa.

Morreu Reinaldo Teles, um dos mais importantes dirigentes do F.C. Porto e de todo o futebol português, indissociável da ascensão e da gestão de Pinto da Costa, em que o clube ganhou um impressionante número de títulos cá e lá fora.

Num dia triste para o Futebol Clube do Porto, a equipa de Sérgio Conceição conseguiu uma importante vitória no terreno do Marselha, em mais uma jornada da Liga dos Campões. A campanha europeia dos portistas está a correr muito bem e a passagem à próxima fase está quase garantida.

FRASES

“Se morrer, quero voltar a nascer e quero ser jogador de futebol. E quero voltar a ser Diego Armando Maradona”. Maradona, em 1992, em declarações à imprensa argentina

“Agora já estão a ouvir? Quantas pessoas têm de perder o emprego até que nos oiçam?”. Lubomir Stanisic, na manifestação do Movimento sobreviver a pão e água

"É uma abstenção que marca um distanciamento face a opções e critérios que o Governo assume". João Oliveira, líder parlamentar do PCP

O QUE EU ANDO A LER

Ainda não chegou a altura das listas de Natal, mas hoje deixo quatro recomendações.

Para quem tiver mais tempo, sugiro a leitura do Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe (edições PIM!), publicado originalmente em 1719. É um relato impressionante da peste que assolou Londres em 1665. Quando muito se discute sobre as lições que devemos tirar de uma pandemia, talvez valha a pena ler esta curta passagem da introdução de João Gaspar Simões:

“(…) o certo é que a vida, depois disso, recomeçou com mais pujança ainda, e os homens nem sequer ganharam experiência moral com o castigo que a todos atingiu. Mortos e vivos não aprenderam nada com o “julgamento de Deus” (…) que vitimou os seus concidadãos”.

Sobre um apocalipse bem diferente, fica a sugestão de The Silence, o mais recente – e curto - romance do americano Don DeLillo (ainda não traduzido em português). Tudo acontece na noite do Super Bowl de 2022, quando todas as comunicações digitais e eletrónicas são interrompidas. Não há televisão, internet, telemóveis. Num apocalipse tecnológico não há nada, só ecrãs vazios. E a conversa que faz o livro.

Nas quedas, sobretudo naquelas lá de muito alto, de que a Lava Jato está cheia, as histórias não costumam ir além de quem caiu e se estatelou. Mas este artigo de Malu Gaspar na Piauí de novembro – A guerra dos Tronos – mostra de forma impecável como a maior investigação judicial da história do Brasil destruiu a relação entre Marcelo Odebrecht e o seu pai, Emílio. É um texto magnífico e raro sobre uma das famílias mais ricas e poderosas do Brasil.

Por fim, o melhor podcast de reportagem que ouvi este ano. Retrato Narrado, de Carol Pires, sobre a biografia e ascensão de Jair Messias Bolsonaro. Não procura explicações simples nem únicas, escapa ao maniqueísmo e ao julgamento primário, e mostra muito bem como foi possível que um deputado quase folclórico se transformasse em tão pouco tempo em Presidente brasileiro.

Mesmo sem Maradona, o mundo continua a girar. Amanhã o Expresso volta a estar mais cedo nas bancas (os assinantes digitais já o poderão ler hoje a partir das 23h), porque temos mais um fim de semana com restrições. Aproveitem para ler.

O que dizer sobre Diego Armando Maradona , desaparecido ontem, assim, sem mais, que não tenha já sido escrito ou dito por todo o lado? Como resumir o que se diz em todo o mundo, das ruas de Nápoles aos Bairros de Buenos Aires? Talvez o melhor seja o título descritivo que encabeça o site do argentino Clarín : “Morreu Maradona e o mundo chora-o”. Se este texto fosse um telegrama acabava aqui. As capas dos jornais são todas dele e quase todas têm a palavra Deus . Na Tribuna pode ler duas mãos cheias de excelentes textos que explicam porque é que ele era único e irrepetível. Está lá tudo, é só escolher . E se me sobrasse uma só palavra, teria que a pedir emprestada a esta magnífica capa do francês Libération , com o mais simples dos títulos: “ Celeste ”. Descendo à terra e às minudências da nossa vida política , fique a saber que hoje é aquele dia em que o Parlamento faz um exercício de geometria variável e gritaria invariável para aprovar o Orçamento do Estado. Quando o governo é minoritário, o exercício fica sempre mais complicado, apesar de os últimos anos nos terem mostrado que PCP, Bloco e PAN acabam sempre a salvar o documento , entre queixas, promessas e nenhumas juras de amor. Acontece que desta vez o PS teve um problema novo. O Bloco deu às de vila-diogo e o PCP foi decisivo para que não houvesse uma crise. A abstenção comunista tem um preço negocial alto, ainda sem contas saldadas . A manhã vai mostrar-nos o que falta desta história. Nas últimas horas surgiu um novo e enorme problema por causa do Novo Banco . Com enorme surpresa, uma proposta do Bloco teve o apoio do PSD (e do PCP e do PAN), e agora o Fundo de Resolução está impedido de colocar um cêntimo que seja no Novo Banco . Assim mesmo, nem mais um euro para o Novo Banco. Ora, além de estar prevista no OE uma transferência de 476 milhões em 2021, este mecanismo decorre de um acordo entre o Estado Português, a Lone Star e a Comissão Europeia, que permitiu a venda do banco. Ou seja, há contratos assinados. Os meus colegas Diogo Cavaleiro e Liliana Valente explicam muito bem neste texto o que está em causa neste esticar (ou partir) da corda. Parece uma brincadeira pouco pensada, mas vai tornar o nosso dia bem mais animado. Só a política portuguesa é que nos podia entreter e surpreender no dia de luto por Maradona. A nossa e, claro, a dos americanos. Não estamos sozinhos na Terra.

OUTRAS NOTÍCIAS

Donald Trump decidiu perdoar Michael Flynn. Os indultos são usados por todos os presidentes americanos, especialmente no fim do mandato. Mas este caso tem contornos perigosos, porque Flynn, antigo conselheiro de segurança nacional, admitiu ter mentido duas vezes ao FBI na sequência da investigação às alegadas ligações entre a campanha presidencial de Trump em 2016 e diplomatas russos.

O anúncio do indulto foi feito pelo presidente norte-americano no Twitter esta quarta-feira e anunciado como sendo uma grande honra. É natural que haja mais indultos na próxima semana e que vários protejam colaboradores (ou ex-colaboradores) do ainda Presidente dos EUA. Há enorme especulação sobre a possibilidade de Trump se perdoar a si próprio, pondo-se a salvo de qualquer processo federal, o que seria inédito.

Durante a campanha para as presidenciais americanas, um dos temas mais debatidos foi o preenchimento de uma vaga no Supremo Tribunal de Justiça. Apesar da proximidade ao ato eleitoral – e de os cargos no Supremo serem vitalícios -, Donald Trump avançou com a nomeação de uma juíza muito conservadora e profundamente religiosa, Amy Coney Barrett. Hoje, conheceu-se o primeiro efeito da nova inclinação do Supremo Americano.

O Tribunal deu razão (5 contra 4 juízes) a queixas da comunidade judaica e também da Igreja Católica contra o Estado de Nova Iorque, que colocou restrições de culto por causa da pandemia. A visão mais literal da Constituição americana – agora dominante no Supremo – defende que a liberdade religiosa não pode ser posta em causa desta forma. E não autoriza as medidas do governador de Nova Iorque. O voto de Amy Coney Barrett foi decisivo.

Fixe estes dois números: 59 milhões de casos e 1 milhão e 400 mil mortos em todo o mundo. São estas as contas da pandemia. No vigésimo sexto dia de novembro.

Por cá, sabemos que o governo finalmente chamou 500 funcionários públicos para ajudarem no rastreio de doentes com Covid 19. A notícia é do Público e da Rádio Renascença, que entrevistaram Marta Temido. Faz uma certa confusão que esta medida óbvia só apareça quando o número de casos explodiu e o rastreio perdeu o norte a um número esmagador de casos.

Há uma outra palavra da ministra que dá que pensar, quando afirma que o risco que Portugal corre em ter uma deficiente distribuição das vacinas é “zero”. Isso mesmo, zero. Num país que nunca foi conhecido pela sua eficiência logística ou planeamento porque é que este zero não me sai da cabeça?

Por falar em vacina, o recente anúncio da Astrazeneca/Universidade de Oxford está a passar rapidamente da euforia ao forte ceticismo. Os fabricantes e investigadores reconhecem que um erro de fabrico e dosagem está a levantar questões sobre os resultados preliminares da vacina experimental contra a covid-19.

A eficácia média levanta dúvidas por parte dos especialistas porque os participantes do estudo não receberam todos a mesma dose do fármaco. A universidade de Oxford diz agora que houve um erro no fabrico e que alguns voluntários receberam primeiro apenas meia dose da vacina, porque alguns dos frascos usados não tinham a concentração certa.

Morreu Reinaldo Teles, um dos mais importantes dirigentes do F.C. Porto e de todo o futebol português, indissociável da ascensão e da gestão de Pinto da Costa, em que o clube ganhou um impressionante número de títulos cá e lá fora.

Num dia triste para o Futebol Clube do Porto, a equipa de Sérgio Conceição conseguiu uma importante vitória no terreno do Marselha, em mais uma jornada da Liga dos Campões. A campanha europeia dos portistas está a correr muito bem e a passagem à próxima fase está quase garantida.

FRASES

“Se morrer, quero voltar a nascer e quero ser jogador de futebol. E quero voltar a ser Diego Armando Maradona”. Maradona, em 1992, em declarações à imprensa argentina

“Agora já estão a ouvir? Quantas pessoas têm de perder o emprego até que nos oiçam?”. Lubomir Stanisic, na manifestação do Movimento sobreviver a pão e água

"É uma abstenção que marca um distanciamento face a opções e critérios que o Governo assume". João Oliveira, líder parlamentar do PCP

O QUE EU ANDO A LER

Ainda não chegou a altura das listas de Natal, mas hoje deixo quatro recomendações.

Para quem tiver mais tempo, sugiro a leitura do Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe (edições PIM!), publicado originalmente em 1719. É um relato impressionante da peste que assolou Londres em 1665. Quando muito se discute sobre as lições que devemos tirar de uma pandemia, talvez valha a pena ler esta curta passagem da introdução de João Gaspar Simões:

“(…) o certo é que a vida, depois disso, recomeçou com mais pujança ainda, e os homens nem sequer ganharam experiência moral com o castigo que a todos atingiu. Mortos e vivos não aprenderam nada com o “julgamento de Deus” (…) que vitimou os seus concidadãos”.

Sobre um apocalipse bem diferente, fica a sugestão de The Silence, o mais recente – e curto - romance do americano Don DeLillo (ainda não traduzido em português). Tudo acontece na noite do Super Bowl de 2022, quando todas as comunicações digitais e eletrónicas são interrompidas. Não há televisão, internet, telemóveis. Num apocalipse tecnológico não há nada, só ecrãs vazios. E a conversa que faz o livro.

Nas quedas, sobretudo naquelas lá de muito alto, de que a Lava Jato está cheia, as histórias não costumam ir além de quem caiu e se estatelou. Mas este artigo de Malu Gaspar na Piauí de novembro – A guerra dos Tronos – mostra de forma impecável como a maior investigação judicial da história do Brasil destruiu a relação entre Marcelo Odebrecht e o seu pai, Emílio. É um texto magnífico e raro sobre uma das famílias mais ricas e poderosas do Brasil.

Por fim, o melhor podcast de reportagem que ouvi este ano. Retrato Narrado, de Carol Pires, sobre a biografia e ascensão de Jair Messias Bolsonaro. Não procura explicações simples nem únicas, escapa ao maniqueísmo e ao julgamento primário, e mostra muito bem como foi possível que um deputado quase folclórico se transformasse em tão pouco tempo em Presidente brasileiro.

Mesmo sem Maradona, o mundo continua a girar. Amanhã o Expresso volta a estar mais cedo nas bancas (os assinantes digitais já o poderão ler hoje a partir das 23h), porque temos mais um fim de semana com restrições. Aproveitem para ler.

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