Sair à noite em Alvalade não é para velhos. Bem pelo contrário

06-11-2019
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José Caria

Pedro Maurício é um anfitrião exemplar. Sempre atento, cumprimenta os clientes do Cockpit com um aperto de mão, muitos dos quais até trata pelo nome, e tira os pedidos, dando sugestões sem hesitar. Os pratos de polvo na chapa, as várias tibornas (queijo de cabra, sardinha ou bacalhau com cebola e tomate, petinga com pimento), os pregos (de vaca com queijo da serra, de atum com cebola frita) e as ostras da ria Formosa já ganharam fama. Serve os tachinhos dos petiscos, os copos largos de gin ou as sobremesas improvisadas para alguém soprar as velas de aniversário. Com 52 anos, Pedro Maurício não liga nenhuma a futebol, nem nunca fomentou uma clientela ávida de um bom dérbi, apesar do televisor no interior do bar, com uma exígua mezzanine. E, no entanto, mesmo em noite de jogo importante entre Sporting e Benfica, a meio da semana, Pedro tem casa cheia. Há mesas só de raparigas, outras de casais estrangeiros e habitués de fato e gravata. A clientela tornou-se heterogénea ao longo dos anos – e já passaram 24 desde que ficou com o Cockpit, bar inaugurado por uma grupeta de pilotos da TAP, em 1974. “Ainda me lembro dos invernos aqui, à uma da manhã, sem nada nem ninguém à volta”, conta. Com a ajuda de um livro, aprendeu sozinho a fazer cocktails, cujas medidas ainda hoje ensina de cor aos empregados. Nos anos 90, as pessoas bebiam Bloody Mary, Irish Coffee, Manhattan, Margaritas e pouco mais. Há cerca de sete anos, quando a moda do gin pegou em Lisboa, Pedro Maurício adaptou a carta de bebidas do Cockpit, com mais de 150 referências. “Hoje 70% dos meus clientes vêm pelo gin”, garante. Com tanta procura, no ano passado inaugurou a República das Tapas na esquina oposta (Av. Sacadura Cabral, 17 A) e ali serve mais 30 pessoas.

Paulo Jorge Figueiredo

Apenas 110 metros e dois minutos a pé separam o Cockpit do Weekend Bar, onde tantas vezes Pedro Maurício vai depois de fechar a sua casa. Por estar aberto até às quatro da manhã, o Weekend tornou–se o bar onde muitas pessoas que trabalham na restauração vão comer fora de horas. Mas não só. Madrugada dentro, a casa enche-se com quem, depois de uma boa noite de copos, fica com um apetite voraz por uma tosta de presunto e queijo ou de salmão. Há 15 anos, quando João Figueira, 41 anos, ficou com o negócio, o bar servia só vodkas, cervejas, uísques, tostas, hambúrgueres e pouco mais. Depois, João acrescentou pregos, bifes, pica-pau, gambas à guillo, gins e novos cocktails.

Além de o Cockpit e o Weekend serem bares de bairro, onde novos e velhos sempre se misturaram, os seus donos também fazem vida de bairro – se o gelo acabar, pedem emprestado um ao outro e vão juntos às compras no supermercado. Sem rivalidades nem mexericos.

Com a palavra bar desenhada na pedra da calçada, para entrar no Weekend descem-se três degraus antes de tocar à campainha. A porta abre-se sozinha e só se a lotação estiver no seu máximo é que João Figueira vem cá fora. Mas a filosofia é “cabe sempre mais um”.

Também no Old Vic ninguém entra sem tocar à campainha. Paulo Magalhães, 61 anos, e o seu filho Marcelo recebem as pessoas com um sorriso aberto. “É uma surpresa ir abrir a porta. Gosto de descobrir quem lá vem”, diz Marcelo, 30 anos, um relações públicas à antiga. De camisa branca, colete e laço vermelhos, pai e filho orgulham–se do lugar que é uma verdadeira viagem no tempo, impondo até uma certa cerimónia à informalidade dos tempos modernos. O bar fica na mesma rua do restaurante italiano Lucca, com a entrada a fazer-se pela lateral do prédio de dois andares. A fachada principal fica assim reservada para as portadas de madeira escura, com os vitrais amarelos e vermelhos a colorirem este rés do chão. E se há elemento que distingue o Old Vic de outros bares antigos é, sem dúvida, a sua decoração original. As mobílias vieram de Inglaterra, incluindo o bar de madeira escura, desmontado em contentores. Nas mesas, com sofás de veludo bordeaux, mantêm-se os botões à inglesa: um serve para chamar o empregado, o outro para regular a intensidade da luz dos apliques.

Há quem ali vá para comer um bife ou um prego do lombo, ovos com farinheira e, só por encomenda, um prato de bacalhau à Zé do Pipo, com puré de batata e gratinado no forno. Os cocktails também são especiais e o Old Vic, um long drink, até natas leva, além de gin, Pisang Ambon e sumos de laranja, limão e ananás. A coleção de canecas com os reis de Inglaterra, algumas garrafas raras, como a de aguardente francesa Calvados e a de uísque escocês James Martin’s, os mármores italianos e as torneiras de bronze das casas de banho são outros motivos de orgulho para Paulo Magalhães que, há três anos, ampliou o Old Vic, abrindo a sala com a mesa de snooker e mais uns quantos lugares, passando a sentar uma centena de pessoas.

Paulo Jorge Figueiredo

Quando, em 1982, Frederico Azinhais inaugurava o Old Vic, inspirado nos pubs londrinos, Paulo Magalhães era empregado no bar Foxtrot. Mais tarde, ainda passou pelo Pavilhão Chinês, outro clássico, antes de ficar com o Old Vic, em 1994. O bar começou por ter admissão reservada, só para membros com cartão, como embaixadores, políticos, banqueiros, gente muito influente da nossa praça. Hoje, o ambiente continua seleto, mas as gerações cruzam-se ao longo da noite, que pode bem terminar a assistir a um concerto ou a dar um pezinho de dança, na Primorosa d’Alvalade.

Paulo Jorge Figueiredo

Um palco para as bandas

Há 27 anos que a música ao vivo se faz ouvir no Templários Bar, na Rua Flores de Lima, bem perto da Avenida Estados Unidos da América. Ali, as noites de segunda a sábado são sempre animadas por uma banda diferente. À quarta, uma vez por mês, pode ouvir-se tocar e cantar João Oliveira, o anfitrião desta casa icónica de Alvalade. “Já tive várias fases, mas agora dedico-me à música portuguesa”, diz. A primeira quarta deste mês – noite solidária dedicada à atleta Sara Duarte, campeã pela 13ª vez, em 2017, na modalidade de hipismo – não foi exceção para o artista e muitos outros músicos, que atuaram para angariar fundos para a cavaleira ir aos Paralímpicos de Tóquio, em 2020. “Em Lisboa, há pouquíssimos bares de música ao vivo, mas há muita oferta de bandas. Podemos estar a perder imensas oportunidades”, afirma João Oliveira, 56 anos, explicando que o bar foi vivendo diferentes etapas, desde música brasileira a outra meio indefinida, assentando bandeiras no rock português e internacional.

O Templários é, também, um palco onde muitos artistas se estreiam, como é o caso dos D GANG que ali tocam à quinta, uma vez por mês, por volta da meia-noite. “Já vinha como cliente, ainda antes de ter uma banda”, conta David Ripado, vocalista da banda de covers, com nove anos de existência, numa curta pausa entre testes de som e afinações. “Temos um repertório eclético, diria até esquizofrénico, tocamos desde rock a pop rock, punk, entre outras ondas mais modernas.” Na lista, liderada por Queen, Bryan Adams e Dire Straits, há ainda espaço para temas dos Doors e dos Rolling Stones, mas “estamos a renovar o repertório para trazer também a malta mais nova”, garante. “Até porque se fôssemos só ao encontro do que as pessoas querem ouvir, estávamos sempre a tocar AC/DC e todas as bandas de rock dos anos 80.”

Nesta casa de inverno, como diz o músico e proprietário João Oliveira, os dias de semana são mais tranquilos. “Hoje em dia, as pessoas definem a sexta e o sábado para sair.” Olhando em redor da sala, constata-se que os frequentadores têm mais de 30 anos. “40, 50, 60, 70 anos”, afiança João. “Os jovens não têm este vício da música ao vivo, e isto é um bocadinho ao lado de tudo.” Ainda antes de o concerto terminar, batemos palmas e saímos do Templários com vontade de voltar em breve.

D.R.

Espírito do bairro

É com a frase, escrita na parede em frente à porta “… um bairro que é também história viva, testemunho da evolução da vida cultural portuguesa”, da autoria do escritor José Cardoso Pires, que se entra no Popular, gerido há seis anos pelos irmãos Ivo e Samuel Palitos (atualmente baterista dos GNR, já tocou com os Censurados, Rádio Macau, Sitiados). “Somos dois músicos de Alvalade, a terra onde nasceram as primeiras bandas de punk e de rock”, diz Ivo Palitos, antes de subir ao palco para dar início às Noites de Cantautor, nesta que tinha Tiago Jesus como artista convidado. “Há cerca de 15 anos, tivemos a ideia de fazer um levantamento do espólio cultural e musical que estava disperso, perdido e ao qual não foi dado o devido valor.” O projeto, chamado Alvalade, tinha como missão valorizar as bandas deste bairro, que ainda tocam e fazem música, mostrando o seu espólio e organizando concertos. Uma ideia “meio louca” que andou a vaguear na cabeça dos irmãos durante muito tempo. Foi quando estavam a terminar o projeto que surgiu a oportunidade de ficarem a gerir o Popular, “um lugar onde podíamos pôr em prática as nossas ideias”. As paredes, à entrada, do lado direito, estão dedicadas ao cinema. “Todos os realizadores que se podem ali ver, entre eles, Miguel Gomes e Fernando Lopes, frequentavam o café Vá-Vá, aqui perto, antigo ponto de encontro de intelectuais e onde nasceu o novo cinema português”, conta Ivo. Já nas restantes paredes faz-se um tributo à música. “Nem todos são oriundos de Alvalade, mas os projetos, como Peste & Sida, Xutos & Pontapés, Censurados, Tara Perdida, Trovante, Afonsinhos do Condado, e as Doce, nasceram neste bairro.” Nestes seis anos, já passaram pelo Popular cerca de 700 bandas de originais, de todo o mundo. Mas ali também há palco para bandas de covers e novos artistas revelarem os seus dotes.

Paulo Jorge Figueiredo

Um pezinho de dança

Voltamos à Avenida Estados Unidos da América para entrar na discoteca Primorosa d’Alvalade, gerida há 52 anos por Fernando Jorge, 80 anos. A sua longa história, conta o proprietário, divide–se em duas fases. Na primeira, ainda durante a ditadura, de 1966 a 1974, chamou-se POPe CLUBe, “isto porque na altura o nome tinha de ser em português”, daí até aos dias de hoje, Primorosa d’Alvalade/Bailes. Teve ainda um período intermédio, com o nome Sarabanda, virando-se para os ritmos africanos. De há dois anos para cá, recuperou o nome, a música rock dos anos 80, com João Alves, da estação de rádio M80, a liderar as noites de sexta, sábado e véspera de feriado. Mas também “resgatou” muitos clientes saudosistas. “Fui buscar novamente o nome Primorosa para ir ao encontro das memórias dos clientes que vinham cá em 1974, 84, 94, e por aí em diante, e que na altura andavam na universidade e namoravam. Hoje vêm com os filhos, netos e amigos para reviver esses tempos e esta é uma simbiose engraçada de se ver”, diz. “Chegam aqui e ficam com 18 anos.”

Muito ligada à vida do bairro de Alvalade, a discoteca de arquitetura original, cheia de recantos, tetos aos ziguezagues e bonitos candeeiros, enche-se de moradores, como João Borrega, 28 anos, que, há dois, deixou de escolher o Cais do Sodré e o Bairro Alto para sair à noite. “Venho sempre à sexta e ao sábado, porque não há confusão e gosto do ambiente.” Durante a conversa, ao som de Wake Me Up…, dos Wham, de Valery, de Amy Winehouse, e de Kiss, de Prince, João destaca a simpatia e a amabilidade dos funcionários, sempre prontos a dar dois dedos de conversa. “Hoje, vim sozinho mas não me sinto só.” E desengane-se quem pensar que não vai encontrar Fernando Jorge por estes lados. “Venho muitas vezes, gosto de me divertir e de falar com as pessoas. É uma rotina para mim”, diz o proprietário, que se sente um homem cheio de sorte. “Vive-se um certo revivalismo que não é inventado, nasceu e existe. Há coisas que são reinventadas, mas aqui não alterei uma vírgula.” Nesta que é “uma discoteca seletiva mas não elitista, não há confusões nem cenas macacas”. Só boa música e uma pista para dançar pela noite fora.

MORADAS

Old Vic

Tv. Henrique Cardoso, 41, Lisboa > T. 91 407 6170 / 21 797 8395 > seg-sáb 18h-2h

Primorosa D’Alvalade

Av. Estados Unidos da América, 128, Lisboa > T. 21 797 1913 > ter-sáb 23h-4h

Weekend Bar

R. Augusto Gil, 19, Lisboa > T. 91 412 5917 > seg-sáb 20h-4h

Templários Bar

R. Flores de Lima, 8, Lisboa > T. 21 797 0177 > seg-qui 22h30–2h, sex-sáb 22h30-3h

Popular

R. António Patrício, 11 B, Lisboa > T. 21 796 0216 > qua-qui 22h–1h, sex-sáb 22h-3h

Cockpit

Av. Sacadura Cabral, 18, Lisboa > T. 21 796 7856 > seg-sáb 18h-2h

José Caria

Pedro Maurício é um anfitrião exemplar. Sempre atento, cumprimenta os clientes do Cockpit com um aperto de mão, muitos dos quais até trata pelo nome, e tira os pedidos, dando sugestões sem hesitar. Os pratos de polvo na chapa, as várias tibornas (queijo de cabra, sardinha ou bacalhau com cebola e tomate, petinga com pimento), os pregos (de vaca com queijo da serra, de atum com cebola frita) e as ostras da ria Formosa já ganharam fama. Serve os tachinhos dos petiscos, os copos largos de gin ou as sobremesas improvisadas para alguém soprar as velas de aniversário. Com 52 anos, Pedro Maurício não liga nenhuma a futebol, nem nunca fomentou uma clientela ávida de um bom dérbi, apesar do televisor no interior do bar, com uma exígua mezzanine. E, no entanto, mesmo em noite de jogo importante entre Sporting e Benfica, a meio da semana, Pedro tem casa cheia. Há mesas só de raparigas, outras de casais estrangeiros e habitués de fato e gravata. A clientela tornou-se heterogénea ao longo dos anos – e já passaram 24 desde que ficou com o Cockpit, bar inaugurado por uma grupeta de pilotos da TAP, em 1974. “Ainda me lembro dos invernos aqui, à uma da manhã, sem nada nem ninguém à volta”, conta. Com a ajuda de um livro, aprendeu sozinho a fazer cocktails, cujas medidas ainda hoje ensina de cor aos empregados. Nos anos 90, as pessoas bebiam Bloody Mary, Irish Coffee, Manhattan, Margaritas e pouco mais. Há cerca de sete anos, quando a moda do gin pegou em Lisboa, Pedro Maurício adaptou a carta de bebidas do Cockpit, com mais de 150 referências. “Hoje 70% dos meus clientes vêm pelo gin”, garante. Com tanta procura, no ano passado inaugurou a República das Tapas na esquina oposta (Av. Sacadura Cabral, 17 A) e ali serve mais 30 pessoas.

Paulo Jorge Figueiredo

Apenas 110 metros e dois minutos a pé separam o Cockpit do Weekend Bar, onde tantas vezes Pedro Maurício vai depois de fechar a sua casa. Por estar aberto até às quatro da manhã, o Weekend tornou–se o bar onde muitas pessoas que trabalham na restauração vão comer fora de horas. Mas não só. Madrugada dentro, a casa enche-se com quem, depois de uma boa noite de copos, fica com um apetite voraz por uma tosta de presunto e queijo ou de salmão. Há 15 anos, quando João Figueira, 41 anos, ficou com o negócio, o bar servia só vodkas, cervejas, uísques, tostas, hambúrgueres e pouco mais. Depois, João acrescentou pregos, bifes, pica-pau, gambas à guillo, gins e novos cocktails.

Além de o Cockpit e o Weekend serem bares de bairro, onde novos e velhos sempre se misturaram, os seus donos também fazem vida de bairro – se o gelo acabar, pedem emprestado um ao outro e vão juntos às compras no supermercado. Sem rivalidades nem mexericos.

Com a palavra bar desenhada na pedra da calçada, para entrar no Weekend descem-se três degraus antes de tocar à campainha. A porta abre-se sozinha e só se a lotação estiver no seu máximo é que João Figueira vem cá fora. Mas a filosofia é “cabe sempre mais um”.

Também no Old Vic ninguém entra sem tocar à campainha. Paulo Magalhães, 61 anos, e o seu filho Marcelo recebem as pessoas com um sorriso aberto. “É uma surpresa ir abrir a porta. Gosto de descobrir quem lá vem”, diz Marcelo, 30 anos, um relações públicas à antiga. De camisa branca, colete e laço vermelhos, pai e filho orgulham–se do lugar que é uma verdadeira viagem no tempo, impondo até uma certa cerimónia à informalidade dos tempos modernos. O bar fica na mesma rua do restaurante italiano Lucca, com a entrada a fazer-se pela lateral do prédio de dois andares. A fachada principal fica assim reservada para as portadas de madeira escura, com os vitrais amarelos e vermelhos a colorirem este rés do chão. E se há elemento que distingue o Old Vic de outros bares antigos é, sem dúvida, a sua decoração original. As mobílias vieram de Inglaterra, incluindo o bar de madeira escura, desmontado em contentores. Nas mesas, com sofás de veludo bordeaux, mantêm-se os botões à inglesa: um serve para chamar o empregado, o outro para regular a intensidade da luz dos apliques.

Há quem ali vá para comer um bife ou um prego do lombo, ovos com farinheira e, só por encomenda, um prato de bacalhau à Zé do Pipo, com puré de batata e gratinado no forno. Os cocktails também são especiais e o Old Vic, um long drink, até natas leva, além de gin, Pisang Ambon e sumos de laranja, limão e ananás. A coleção de canecas com os reis de Inglaterra, algumas garrafas raras, como a de aguardente francesa Calvados e a de uísque escocês James Martin’s, os mármores italianos e as torneiras de bronze das casas de banho são outros motivos de orgulho para Paulo Magalhães que, há três anos, ampliou o Old Vic, abrindo a sala com a mesa de snooker e mais uns quantos lugares, passando a sentar uma centena de pessoas.

Paulo Jorge Figueiredo

Quando, em 1982, Frederico Azinhais inaugurava o Old Vic, inspirado nos pubs londrinos, Paulo Magalhães era empregado no bar Foxtrot. Mais tarde, ainda passou pelo Pavilhão Chinês, outro clássico, antes de ficar com o Old Vic, em 1994. O bar começou por ter admissão reservada, só para membros com cartão, como embaixadores, políticos, banqueiros, gente muito influente da nossa praça. Hoje, o ambiente continua seleto, mas as gerações cruzam-se ao longo da noite, que pode bem terminar a assistir a um concerto ou a dar um pezinho de dança, na Primorosa d’Alvalade.

Paulo Jorge Figueiredo

Um palco para as bandas

Há 27 anos que a música ao vivo se faz ouvir no Templários Bar, na Rua Flores de Lima, bem perto da Avenida Estados Unidos da América. Ali, as noites de segunda a sábado são sempre animadas por uma banda diferente. À quarta, uma vez por mês, pode ouvir-se tocar e cantar João Oliveira, o anfitrião desta casa icónica de Alvalade. “Já tive várias fases, mas agora dedico-me à música portuguesa”, diz. A primeira quarta deste mês – noite solidária dedicada à atleta Sara Duarte, campeã pela 13ª vez, em 2017, na modalidade de hipismo – não foi exceção para o artista e muitos outros músicos, que atuaram para angariar fundos para a cavaleira ir aos Paralímpicos de Tóquio, em 2020. “Em Lisboa, há pouquíssimos bares de música ao vivo, mas há muita oferta de bandas. Podemos estar a perder imensas oportunidades”, afirma João Oliveira, 56 anos, explicando que o bar foi vivendo diferentes etapas, desde música brasileira a outra meio indefinida, assentando bandeiras no rock português e internacional.

O Templários é, também, um palco onde muitos artistas se estreiam, como é o caso dos D GANG que ali tocam à quinta, uma vez por mês, por volta da meia-noite. “Já vinha como cliente, ainda antes de ter uma banda”, conta David Ripado, vocalista da banda de covers, com nove anos de existência, numa curta pausa entre testes de som e afinações. “Temos um repertório eclético, diria até esquizofrénico, tocamos desde rock a pop rock, punk, entre outras ondas mais modernas.” Na lista, liderada por Queen, Bryan Adams e Dire Straits, há ainda espaço para temas dos Doors e dos Rolling Stones, mas “estamos a renovar o repertório para trazer também a malta mais nova”, garante. “Até porque se fôssemos só ao encontro do que as pessoas querem ouvir, estávamos sempre a tocar AC/DC e todas as bandas de rock dos anos 80.”

Nesta casa de inverno, como diz o músico e proprietário João Oliveira, os dias de semana são mais tranquilos. “Hoje em dia, as pessoas definem a sexta e o sábado para sair.” Olhando em redor da sala, constata-se que os frequentadores têm mais de 30 anos. “40, 50, 60, 70 anos”, afiança João. “Os jovens não têm este vício da música ao vivo, e isto é um bocadinho ao lado de tudo.” Ainda antes de o concerto terminar, batemos palmas e saímos do Templários com vontade de voltar em breve.

D.R.

Espírito do bairro

É com a frase, escrita na parede em frente à porta “… um bairro que é também história viva, testemunho da evolução da vida cultural portuguesa”, da autoria do escritor José Cardoso Pires, que se entra no Popular, gerido há seis anos pelos irmãos Ivo e Samuel Palitos (atualmente baterista dos GNR, já tocou com os Censurados, Rádio Macau, Sitiados). “Somos dois músicos de Alvalade, a terra onde nasceram as primeiras bandas de punk e de rock”, diz Ivo Palitos, antes de subir ao palco para dar início às Noites de Cantautor, nesta que tinha Tiago Jesus como artista convidado. “Há cerca de 15 anos, tivemos a ideia de fazer um levantamento do espólio cultural e musical que estava disperso, perdido e ao qual não foi dado o devido valor.” O projeto, chamado Alvalade, tinha como missão valorizar as bandas deste bairro, que ainda tocam e fazem música, mostrando o seu espólio e organizando concertos. Uma ideia “meio louca” que andou a vaguear na cabeça dos irmãos durante muito tempo. Foi quando estavam a terminar o projeto que surgiu a oportunidade de ficarem a gerir o Popular, “um lugar onde podíamos pôr em prática as nossas ideias”. As paredes, à entrada, do lado direito, estão dedicadas ao cinema. “Todos os realizadores que se podem ali ver, entre eles, Miguel Gomes e Fernando Lopes, frequentavam o café Vá-Vá, aqui perto, antigo ponto de encontro de intelectuais e onde nasceu o novo cinema português”, conta Ivo. Já nas restantes paredes faz-se um tributo à música. “Nem todos são oriundos de Alvalade, mas os projetos, como Peste & Sida, Xutos & Pontapés, Censurados, Tara Perdida, Trovante, Afonsinhos do Condado, e as Doce, nasceram neste bairro.” Nestes seis anos, já passaram pelo Popular cerca de 700 bandas de originais, de todo o mundo. Mas ali também há palco para bandas de covers e novos artistas revelarem os seus dotes.

Paulo Jorge Figueiredo

Um pezinho de dança

Voltamos à Avenida Estados Unidos da América para entrar na discoteca Primorosa d’Alvalade, gerida há 52 anos por Fernando Jorge, 80 anos. A sua longa história, conta o proprietário, divide–se em duas fases. Na primeira, ainda durante a ditadura, de 1966 a 1974, chamou-se POPe CLUBe, “isto porque na altura o nome tinha de ser em português”, daí até aos dias de hoje, Primorosa d’Alvalade/Bailes. Teve ainda um período intermédio, com o nome Sarabanda, virando-se para os ritmos africanos. De há dois anos para cá, recuperou o nome, a música rock dos anos 80, com João Alves, da estação de rádio M80, a liderar as noites de sexta, sábado e véspera de feriado. Mas também “resgatou” muitos clientes saudosistas. “Fui buscar novamente o nome Primorosa para ir ao encontro das memórias dos clientes que vinham cá em 1974, 84, 94, e por aí em diante, e que na altura andavam na universidade e namoravam. Hoje vêm com os filhos, netos e amigos para reviver esses tempos e esta é uma simbiose engraçada de se ver”, diz. “Chegam aqui e ficam com 18 anos.”

Muito ligada à vida do bairro de Alvalade, a discoteca de arquitetura original, cheia de recantos, tetos aos ziguezagues e bonitos candeeiros, enche-se de moradores, como João Borrega, 28 anos, que, há dois, deixou de escolher o Cais do Sodré e o Bairro Alto para sair à noite. “Venho sempre à sexta e ao sábado, porque não há confusão e gosto do ambiente.” Durante a conversa, ao som de Wake Me Up…, dos Wham, de Valery, de Amy Winehouse, e de Kiss, de Prince, João destaca a simpatia e a amabilidade dos funcionários, sempre prontos a dar dois dedos de conversa. “Hoje, vim sozinho mas não me sinto só.” E desengane-se quem pensar que não vai encontrar Fernando Jorge por estes lados. “Venho muitas vezes, gosto de me divertir e de falar com as pessoas. É uma rotina para mim”, diz o proprietário, que se sente um homem cheio de sorte. “Vive-se um certo revivalismo que não é inventado, nasceu e existe. Há coisas que são reinventadas, mas aqui não alterei uma vírgula.” Nesta que é “uma discoteca seletiva mas não elitista, não há confusões nem cenas macacas”. Só boa música e uma pista para dançar pela noite fora.

MORADAS

Old Vic

Tv. Henrique Cardoso, 41, Lisboa > T. 91 407 6170 / 21 797 8395 > seg-sáb 18h-2h

Primorosa D’Alvalade

Av. Estados Unidos da América, 128, Lisboa > T. 21 797 1913 > ter-sáb 23h-4h

Weekend Bar

R. Augusto Gil, 19, Lisboa > T. 91 412 5917 > seg-sáb 20h-4h

Templários Bar

R. Flores de Lima, 8, Lisboa > T. 21 797 0177 > seg-qui 22h30–2h, sex-sáb 22h30-3h

Popular

R. António Patrício, 11 B, Lisboa > T. 21 796 0216 > qua-qui 22h–1h, sex-sáb 22h-3h

Cockpit

Av. Sacadura Cabral, 18, Lisboa > T. 21 796 7856 > seg-sáb 18h-2h

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