Pulo do Lobo: Nicolau em Belém

05-05-2020
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Pode alguém sofrer de reacção epidérmica negativa a uma determinada pessoa e, ainda assim, desejar visceralmente a sua vitória numa eleição em que concorre sozinho - enquanto indivíduo que é, sem o conforto que seria para o eleitor relutante ver o seu nome dissipado numa lista plurinominal -, ao ponto de se dispor mesmo a por ele fazer campanha pública e incondicional?Pode.Nada de estranho. Política é isto mesmo: prudência, mas escolha; cepticismo, mas decisão. Se algo causa estranheza, é a atitude de gente conservadora com responsabilidades políticas que, nestas Presidenciais, avisou já que se demitirá da sua dupla qualidade política e conservadora. Invocam-se inúmeros argumentos de memória e outros tantos para provar que Cavaco Silva não pertence exactamente àquele tipo específico e esterilzado de direita que será, alegadamente, a nossa (a deles, a minha, whatever). Essa é uma atitude muito pouco de direita. Achar que um indivíduo se pode identificar totalmente com outro, que a vida não é assim tão contingente, que essa coisa do ser humano enquanto entidade irrepetível é boca da reacção. Quando o cenário alternativo se compõe de Soares, Alegre, Jerónimo, Louçã, Garcia Pereira, Carmelinda, o ilustre causídico que presta assessoria ao Bibi e a Manuela Magno, haverá alguma dúvida que possa razoavelmente impedir que à direita se vote Cavaco?(confesso: não referi Manuel João Vieira de propósito. Estragava-me o argumento) Conheço bem a origem das dúvidas. Convivo diariamente com quem lhes dá expressão e, bem vistas as coisas, essas são também as minhas dúvidas. Existe uma direita que se formou politicamente no anti-cavaquismo, contra o Estado paternalista que Cavaco promoveu, que lembra bem as responsabilidades do ex-PM na institucionalização da má moeda que agora critica com tom professoral e com alegorias fornecidas pela teoria económica. Existe uma direita que nasceu de ímpetos liberalizadores e moralizadores, contra a social-democracia vigente, contra a tentação tentacular e hegemónica do PSD de então. Conheço-a bem. Faço parte dela. Nada disso, porém, devia impedir que se votasse em Cavaco. Cavaco não é o cavaquismo. E, mesmo que o fosse, a memória, por muito cara que nos seja, não é para aqui chamada. Existe a possibilidade real de, pela primeira vez, termos um Presidente da República da área não socialista, que, a crer nas suas intervenções dos últimos anos (e na sua lista de apoiantes - Medina Carreira, por exemplo), tem bem ordenadas as prioridades do país, defendendo reiteradamente o processo de redução do peso do estado, de liberalização da economia e da sociedade civil. Não o faz por obrigação circunstancial, por um eventual banho de realidade (como o actual governo), mas por estrutura ideológica e por convicção de que esse é o grande objectivo nos dias aziagos que correm. Pela primeira vez, poderemos ter um Presidente que não desça a Avenida da Liberdade pelo alcatrão em dia feriado, que não divida o mundo com base na bafienta distinção fascista/anti-fascista, que não exiba os músculos ao lado dos sindicatos, que não grite que há mais vida para além do défice. Portugal não aguentaria quatro anos de Alegre ou Soares. Aliás, Sócrates não aguentaria um. Vamos ser claros. Portugal aproxima-se desse momento crucial em que terá obrigatoriamente de reformar profundamente a sua Constituição. É algo que a direita menos envergonhada defende desde 1974 e que hoje se afirma inevitável, em face da concorrência dentro e fora da Europa. Há muito que uma nova constituição deixou de ser um mero símbolo ideológico. Um destes dias, PS, PSD e CDS entender-se-ão nesse sentido. Fará algum sentido, dos que se candidatam, outro que não Cavaco na Presidência? Não faz. E o problema é que o perigo de a esquerda, unida na segunda volta, ganhar as eleições, é real. Se não o fosse, haveria tempo e disposição para floreados retóricos e afirmações sobre espaços vitais à direita. Como não é isso que sucede, o único espaço vital com que a direita em conjunto se deve preocupar, por ora, é a Presidência da República.Eu não me importo com as ego trips proclamatórias e irresponsáveis da direita. Acontece-me muitas vezes. O que me entristece é que ela deixe de ser maquiavélica.

Pode alguém sofrer de reacção epidérmica negativa a uma determinada pessoa e, ainda assim, desejar visceralmente a sua vitória numa eleição em que concorre sozinho - enquanto indivíduo que é, sem o conforto que seria para o eleitor relutante ver o seu nome dissipado numa lista plurinominal -, ao ponto de se dispor mesmo a por ele fazer campanha pública e incondicional?Pode.Nada de estranho. Política é isto mesmo: prudência, mas escolha; cepticismo, mas decisão. Se algo causa estranheza, é a atitude de gente conservadora com responsabilidades políticas que, nestas Presidenciais, avisou já que se demitirá da sua dupla qualidade política e conservadora. Invocam-se inúmeros argumentos de memória e outros tantos para provar que Cavaco Silva não pertence exactamente àquele tipo específico e esterilzado de direita que será, alegadamente, a nossa (a deles, a minha, whatever). Essa é uma atitude muito pouco de direita. Achar que um indivíduo se pode identificar totalmente com outro, que a vida não é assim tão contingente, que essa coisa do ser humano enquanto entidade irrepetível é boca da reacção. Quando o cenário alternativo se compõe de Soares, Alegre, Jerónimo, Louçã, Garcia Pereira, Carmelinda, o ilustre causídico que presta assessoria ao Bibi e a Manuela Magno, haverá alguma dúvida que possa razoavelmente impedir que à direita se vote Cavaco?(confesso: não referi Manuel João Vieira de propósito. Estragava-me o argumento) Conheço bem a origem das dúvidas. Convivo diariamente com quem lhes dá expressão e, bem vistas as coisas, essas são também as minhas dúvidas. Existe uma direita que se formou politicamente no anti-cavaquismo, contra o Estado paternalista que Cavaco promoveu, que lembra bem as responsabilidades do ex-PM na institucionalização da má moeda que agora critica com tom professoral e com alegorias fornecidas pela teoria económica. Existe uma direita que nasceu de ímpetos liberalizadores e moralizadores, contra a social-democracia vigente, contra a tentação tentacular e hegemónica do PSD de então. Conheço-a bem. Faço parte dela. Nada disso, porém, devia impedir que se votasse em Cavaco. Cavaco não é o cavaquismo. E, mesmo que o fosse, a memória, por muito cara que nos seja, não é para aqui chamada. Existe a possibilidade real de, pela primeira vez, termos um Presidente da República da área não socialista, que, a crer nas suas intervenções dos últimos anos (e na sua lista de apoiantes - Medina Carreira, por exemplo), tem bem ordenadas as prioridades do país, defendendo reiteradamente o processo de redução do peso do estado, de liberalização da economia e da sociedade civil. Não o faz por obrigação circunstancial, por um eventual banho de realidade (como o actual governo), mas por estrutura ideológica e por convicção de que esse é o grande objectivo nos dias aziagos que correm. Pela primeira vez, poderemos ter um Presidente que não desça a Avenida da Liberdade pelo alcatrão em dia feriado, que não divida o mundo com base na bafienta distinção fascista/anti-fascista, que não exiba os músculos ao lado dos sindicatos, que não grite que há mais vida para além do défice. Portugal não aguentaria quatro anos de Alegre ou Soares. Aliás, Sócrates não aguentaria um. Vamos ser claros. Portugal aproxima-se desse momento crucial em que terá obrigatoriamente de reformar profundamente a sua Constituição. É algo que a direita menos envergonhada defende desde 1974 e que hoje se afirma inevitável, em face da concorrência dentro e fora da Europa. Há muito que uma nova constituição deixou de ser um mero símbolo ideológico. Um destes dias, PS, PSD e CDS entender-se-ão nesse sentido. Fará algum sentido, dos que se candidatam, outro que não Cavaco na Presidência? Não faz. E o problema é que o perigo de a esquerda, unida na segunda volta, ganhar as eleições, é real. Se não o fosse, haveria tempo e disposição para floreados retóricos e afirmações sobre espaços vitais à direita. Como não é isso que sucede, o único espaço vital com que a direita em conjunto se deve preocupar, por ora, é a Presidência da República.Eu não me importo com as ego trips proclamatórias e irresponsáveis da direita. Acontece-me muitas vezes. O que me entristece é que ela deixe de ser maquiavélica.

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