Auditoria. Ferro Rodrigues quer alterar regras do parlamento até às legislativas

02-08-2020
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O clima da conferência de líderes extraordinária foi tudo menos ameno. Além do caso das falsas presenças no parlamento, Ferro Rodrigues tinha em mãos um parecer do Tribunal de Contas com várias críticas aos procedimentos da Assembleia da República. Como o i revelou na edição de ontem, os auditores do TdC apontaram várias ilegalidades e irregularidades no parlamento no que diz respeito ao controlo de ajudas de custo aos deputados das ilhas.

Ferro Rodrigues teceu duras críticas à conduta de “alguns” deputados – salientando os casos das falsas presenças – que diz porem em causa “o prestígio do parlamento e da democracia representativa”. (ver página 4)

Mas, além das falsas presenças, a conferência de líderes extraordinária discutiu as regras em vigor para as ajudas de custo para as viagens dos deputados das ilhas, que foram objeto de crítica na auditoria do TdC.

Os juízes alertam os serviços do parlamento para o risco de fraude fiscal – sobretudo nos pagamentos indevidos de viagens aos deputados das ilhas – mas também para falhas no controlo das presenças e na desatualização de dados. Um dos problemas prende-se com as moradas de residência fornecidas pelos deputados e que servem de base para que os parlamentares recebam as ajudas de custo para as deslocações às ilhas. Segundo o TdC, há o “risco elevado” de terem sido autorizados pagamentos de viagens que não foram realizadas.

Os juízes concluíram ainda que o parlamento pagou em 2017, o ano a que se refere a auditoria, 16 mil euros para que os deputados beneficiem de um seguro de saúde que garantem estar ilegal. Isto quando os deputados já estão abrangidos pela ADSE e têm acesso a um gabinete médico e de enfermagem na Assembleia da República, onde são realizadas consultas.

Sobre o seguro de saúde que os juízes do TdC garantem que a lei proíbe e que, por isso, “deveria já ter cessado”, Ferro Rodrigues nada disse. Mas sobre as ajudas de custo para as viagens às ilhas, o Presidente da Assembleia da República continua a sublinhar que os deputados “cumprem integralmente o disposto na lei”.

No entanto, ontem, após ser conhecida a auditoria do Tribunal de Contas, Ferro Rodrigues, mudou o tom do seu discurso. Se em abril saiu em defesa dos deputados neste assunto, agora lembra que, tanto para as viagens como para as presenças, “não é e nem pode ser o polícia dos deputados”.

O presidente do TdC, Vítor Caldeira, salienta que a auditoria alerta que os juízes precisam de evidências que permitam ao tribunal “assegurar-se com toda a certeza de que essa despesa foi efetivamente realizada para os fins a que se destina”. Por isso, a auditoria recomenda ao parlamento que reveja as regras em vigor para disciplinar o pagamento dessas despesas. Os juízes recomendam ainda que o valor, hoje fixado em 500 euros por semana, seja reduzido tendo em conta o subsídio de mobilidade social pago pelo Estado, através do qual os cidadãos das ilhas recebem o reembolso de parte do valor pago pelo bilhete de avião.

Para o Presidente da República, toda a fiscalização perante suspeitas de irregularidades “é positiva”. Marcelo Rebelo de Sousa sublinha que deve ser dado aos portugueses “um exemplo de atenção, de fiscalização, de controlo e também de compreensão daquilo que deve ser mudado para garantir a ética”.

Novas regras antes das legislativas Para resolver estas duas polémicas, Ferro Rodrigues anunciou que vai ser criado um grupo de trabalho para que, num prazo de três meses, “com a máxima urgência”, sejam revistas as regras para o sistema de presenças e para o pagamento das ajudas de custo. O presidente do parlamento lembrou, em comunicado, que é de “toda a conveniência a atualização e ajuste de alguns procedimentos e conceitos”.

A meta de Ferro Rodrigues é que até às próximas legislativas (outubro) entrem em vigor novas regras para as ajudas de custo das viagens dos deputados da Madeira e dos Açores.

O i sabe que o grupo de trabalho vai ser coordenado por Jorge Lacão, ex-ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de José Sócrates. Os partidos têm até segunda-feira para indicar os nomes dos deputados que vão integrar o grupo.

ajudas de custo duplas As regras em vigor ditam que todos os deputados dos Açores e da Madeira recebam a cada semana 500 euros como ajudas de custo para viagens de avião, sem que lhes seja exigido qualquer comprovativo da compra do bilhete de avião. Todos os meses estes 12 deputados – onde se inclui o presidente do PS, Carlos César – recebem mais dois mil ou 2500 euros em ajudas de custo. Em 2017, o parlamento pagou 3,1 milhões de euros em ajudas de custo com viagens às ilhas, sem comprovativos.

Além disso, os deputados das ilhas podem, tal como todos os residentes da Madeira e dos Açores, reclamar junto dos CTT a devolução de parte do valor pago pelo bilhete do avião. Os deputados madeirenses pagam apenas 86 euros pela viagem de avião, caso o valor do bilhete fique abaixo dos 400. E o mesmo acontece com os deputados açorianos, com o Estado a reembolsar as despesas acima dos 134 euros, sem qualquer teto.

Desta forma, para a mesma viagem os deputados podem receber uma dupla ajuda de custo: um subsídio fixo semanal (pago pelo parlamento), e o reembolso pago pelo Estado (via CTT).

Em abril, o “Expresso” avançou que, entre os 12 deputados das ilhas, pelo menos sete assumiram terem reclamado os dois apoios para a mesma viagem. Em causa estavam Carlos César, líder parlamentar do PS, assim como os deputados socialistas Lara Martinho, João Azevedo Castro, Luís Vilhena e Carlos Pereira. Somavam-se ainda Paulo Neves, do PSD, e José Paulino de Ascensão, do Bloco de Esquerda.

Na altura, os deputados do PSD Berta Cabral, Sara Madruga, Carlos Costa Neves e António Ventura não responderam se pediram o reembolso dos CTT. Entre todos estes deputados, apenas a social-democrata Rubina Berardo, vice-presidente da bancada social-democrata, disse ao “Expresso” que não pedia o reembolso do custo da viagem por “opção pessoal”.

Moradas falsas Além da falta de controlo das viagens, que pode levar ao pagamento indevido das ajudas de custo, os juízes do TdC alertam para o risco de fraude fiscal por parte dos deputados. A auditoria foi, aliás, enviada para a Autoridade Tributária e Aduaneira, “para se pronunciar sobre a questão fiscal referida”.

Para calcular os 500 euros semanais, fixados pelo conselho de administração da AR, foi tida em conta a distância em quilómetros do parlamento à residência do deputado, a que se soma o valor do bilhete de avião “com base no custo médio de uma passagem de ida e volta, após consulta às transportadoras aéreas”, lê-se no relatório.

No entanto, os juízes detetaram que os “registos biográficos dos deputados” estão “desatualizados”.

Entre os dados desatualizados estão, por exemplo, documentos de identificação fora de validade e a informação sobre dependentes, e pode estar ainda a morada de residência.

Sem mecanismos de controlo, só os deputados podem atestar se as viagens foram ou não realizadas e se “a residência indicada”, e que serviu de base ao pagamento da ajuda de custo, corresponde ou não “à residência efetiva”, salientam os juízes.

E se as ajudas de custo recebidas “não corresponderem a custos incorridos pelos deputados, com deslocações efetivamente realizadas (...) essas quantias podem ser consideradas rendimentos do trabalho dependente para efeitos de tributação em sede de IRS”. Tributação que, atualmente, pode não acontecer. Com C.R.

O clima da conferência de líderes extraordinária foi tudo menos ameno. Além do caso das falsas presenças no parlamento, Ferro Rodrigues tinha em mãos um parecer do Tribunal de Contas com várias críticas aos procedimentos da Assembleia da República. Como o i revelou na edição de ontem, os auditores do TdC apontaram várias ilegalidades e irregularidades no parlamento no que diz respeito ao controlo de ajudas de custo aos deputados das ilhas.

Ferro Rodrigues teceu duras críticas à conduta de “alguns” deputados – salientando os casos das falsas presenças – que diz porem em causa “o prestígio do parlamento e da democracia representativa”. (ver página 4)

Mas, além das falsas presenças, a conferência de líderes extraordinária discutiu as regras em vigor para as ajudas de custo para as viagens dos deputados das ilhas, que foram objeto de crítica na auditoria do TdC.

Os juízes alertam os serviços do parlamento para o risco de fraude fiscal – sobretudo nos pagamentos indevidos de viagens aos deputados das ilhas – mas também para falhas no controlo das presenças e na desatualização de dados. Um dos problemas prende-se com as moradas de residência fornecidas pelos deputados e que servem de base para que os parlamentares recebam as ajudas de custo para as deslocações às ilhas. Segundo o TdC, há o “risco elevado” de terem sido autorizados pagamentos de viagens que não foram realizadas.

Os juízes concluíram ainda que o parlamento pagou em 2017, o ano a que se refere a auditoria, 16 mil euros para que os deputados beneficiem de um seguro de saúde que garantem estar ilegal. Isto quando os deputados já estão abrangidos pela ADSE e têm acesso a um gabinete médico e de enfermagem na Assembleia da República, onde são realizadas consultas.

Sobre o seguro de saúde que os juízes do TdC garantem que a lei proíbe e que, por isso, “deveria já ter cessado”, Ferro Rodrigues nada disse. Mas sobre as ajudas de custo para as viagens às ilhas, o Presidente da Assembleia da República continua a sublinhar que os deputados “cumprem integralmente o disposto na lei”.

No entanto, ontem, após ser conhecida a auditoria do Tribunal de Contas, Ferro Rodrigues, mudou o tom do seu discurso. Se em abril saiu em defesa dos deputados neste assunto, agora lembra que, tanto para as viagens como para as presenças, “não é e nem pode ser o polícia dos deputados”.

O presidente do TdC, Vítor Caldeira, salienta que a auditoria alerta que os juízes precisam de evidências que permitam ao tribunal “assegurar-se com toda a certeza de que essa despesa foi efetivamente realizada para os fins a que se destina”. Por isso, a auditoria recomenda ao parlamento que reveja as regras em vigor para disciplinar o pagamento dessas despesas. Os juízes recomendam ainda que o valor, hoje fixado em 500 euros por semana, seja reduzido tendo em conta o subsídio de mobilidade social pago pelo Estado, através do qual os cidadãos das ilhas recebem o reembolso de parte do valor pago pelo bilhete de avião.

Para o Presidente da República, toda a fiscalização perante suspeitas de irregularidades “é positiva”. Marcelo Rebelo de Sousa sublinha que deve ser dado aos portugueses “um exemplo de atenção, de fiscalização, de controlo e também de compreensão daquilo que deve ser mudado para garantir a ética”.

Novas regras antes das legislativas Para resolver estas duas polémicas, Ferro Rodrigues anunciou que vai ser criado um grupo de trabalho para que, num prazo de três meses, “com a máxima urgência”, sejam revistas as regras para o sistema de presenças e para o pagamento das ajudas de custo. O presidente do parlamento lembrou, em comunicado, que é de “toda a conveniência a atualização e ajuste de alguns procedimentos e conceitos”.

A meta de Ferro Rodrigues é que até às próximas legislativas (outubro) entrem em vigor novas regras para as ajudas de custo das viagens dos deputados da Madeira e dos Açores.

O i sabe que o grupo de trabalho vai ser coordenado por Jorge Lacão, ex-ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de José Sócrates. Os partidos têm até segunda-feira para indicar os nomes dos deputados que vão integrar o grupo.

ajudas de custo duplas As regras em vigor ditam que todos os deputados dos Açores e da Madeira recebam a cada semana 500 euros como ajudas de custo para viagens de avião, sem que lhes seja exigido qualquer comprovativo da compra do bilhete de avião. Todos os meses estes 12 deputados – onde se inclui o presidente do PS, Carlos César – recebem mais dois mil ou 2500 euros em ajudas de custo. Em 2017, o parlamento pagou 3,1 milhões de euros em ajudas de custo com viagens às ilhas, sem comprovativos.

Além disso, os deputados das ilhas podem, tal como todos os residentes da Madeira e dos Açores, reclamar junto dos CTT a devolução de parte do valor pago pelo bilhete do avião. Os deputados madeirenses pagam apenas 86 euros pela viagem de avião, caso o valor do bilhete fique abaixo dos 400. E o mesmo acontece com os deputados açorianos, com o Estado a reembolsar as despesas acima dos 134 euros, sem qualquer teto.

Desta forma, para a mesma viagem os deputados podem receber uma dupla ajuda de custo: um subsídio fixo semanal (pago pelo parlamento), e o reembolso pago pelo Estado (via CTT).

Em abril, o “Expresso” avançou que, entre os 12 deputados das ilhas, pelo menos sete assumiram terem reclamado os dois apoios para a mesma viagem. Em causa estavam Carlos César, líder parlamentar do PS, assim como os deputados socialistas Lara Martinho, João Azevedo Castro, Luís Vilhena e Carlos Pereira. Somavam-se ainda Paulo Neves, do PSD, e José Paulino de Ascensão, do Bloco de Esquerda.

Na altura, os deputados do PSD Berta Cabral, Sara Madruga, Carlos Costa Neves e António Ventura não responderam se pediram o reembolso dos CTT. Entre todos estes deputados, apenas a social-democrata Rubina Berardo, vice-presidente da bancada social-democrata, disse ao “Expresso” que não pedia o reembolso do custo da viagem por “opção pessoal”.

Moradas falsas Além da falta de controlo das viagens, que pode levar ao pagamento indevido das ajudas de custo, os juízes do TdC alertam para o risco de fraude fiscal por parte dos deputados. A auditoria foi, aliás, enviada para a Autoridade Tributária e Aduaneira, “para se pronunciar sobre a questão fiscal referida”.

Para calcular os 500 euros semanais, fixados pelo conselho de administração da AR, foi tida em conta a distância em quilómetros do parlamento à residência do deputado, a que se soma o valor do bilhete de avião “com base no custo médio de uma passagem de ida e volta, após consulta às transportadoras aéreas”, lê-se no relatório.

No entanto, os juízes detetaram que os “registos biográficos dos deputados” estão “desatualizados”.

Entre os dados desatualizados estão, por exemplo, documentos de identificação fora de validade e a informação sobre dependentes, e pode estar ainda a morada de residência.

Sem mecanismos de controlo, só os deputados podem atestar se as viagens foram ou não realizadas e se “a residência indicada”, e que serviu de base ao pagamento da ajuda de custo, corresponde ou não “à residência efetiva”, salientam os juízes.

E se as ajudas de custo recebidas “não corresponderem a custos incorridos pelos deputados, com deslocações efetivamente realizadas (...) essas quantias podem ser consideradas rendimentos do trabalho dependente para efeitos de tributação em sede de IRS”. Tributação que, atualmente, pode não acontecer. Com C.R.

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