OE em versão bolso: tudo o que precisa de saber se não viu o debate mais tenso do ano

08-11-2020
marcar artigo

A ordem parecia mesmo essa: malhar, malhar, malhar, no Bloco. De tal forma que culminou, no encerramento, com a líder parlamentar socialista a fazer uma espécie de salva de tiros ao Bloco de Esquerda, como que a reunir e a sintetizar todos os ataques desferidos pela sua bancada nos últimos dois dias. “O Bloco de Esquerda desertou do campo de batalha e coloca-se incompreensivelmente ao lado da direita”, disse Ana Catarina Mendes, enumerando todas as medidas de apoio social e de apoio ao rendimento a que o Bloco está a virar as costas. Os aplausos, do PS, iam aumentando a cada frase da líder parlamentar, que terminou com esta ideia chave: o BE fica fora no momento em que a situação é mais difícil, e fica fora porque não quer partilhar o risco eleitoral da gestão de uma crise económica e social destas dimensões. Nunca Ana Catarina Mendes tinha sido tão entusiasticamente ovacionada.

O momento mais tenso

Difícil de eleger um quando a discussão deste Orçamento começou, na terça-feira, com níveis elevados de tensão e terminou, na tarde de quarta, a rebentar a escala de intensidade. Poderia ser o momento em que António Costa, dirigindo-se à deputada bloquista Joana Mortágua, sobre as transferências do OE para o SNS (que o BE diz que estão abaixo do orçamentado no Suplementar), escolheu responder-lhe com uma frase apenas: “Concordo consigo quando diz que é preciso falar a verdade. Por isso, fale a verdade”. E sentou-se. A sala gelou. Já antes, o primeiro-ministro tinha sugerido que o antigo parceiro estava a ‘mentir’ poupando-se a usar essa palavra. Não usou, mas para bom entendedor…

Seria este o momento mais tenso, não fosse o encerramento do debate. Catarina Martins subiu à tribuna para explicar o voto contra do Bloco e repor a sua verdade. O Bloco não mudará de voz, disse, mantendo o que sempre disse: que o BE só viabilizará um orçamento que preveja a exclusividade dos médicos no SNS, que dê de facto apoio social a quem perdeu tudo com a crise, e que proteja os trabalhadores contra o despedimento. “Faça o senhor primeiro-ministro os jogos políticos que quiser”. Foi aqui que os apupos da bancada socialista foram evidentes. O hemiciclo tornou-se numa arena política: “Olha quem!”, gritou a socialista Isabel Moreira. Era preciso um esforço para ouvir as palavras de Catarina Martins, que continuava o seu discurso.

O duelo mais intenso

Foi nos apartes que se viveram os duelos mais intensos. É que o clima de tensão entre Governo e Bloco de Esquerda contagiou todo o plenário, levando dois deputados quase a vias de facto. Na última fila, junto à bancada de imprensa, o deputado socialista Ascenso Simões não suportou ouvir Catarina Martins falar, na tribuna, sobre o pai do SNS, o socialista António Arnaut, e atirou frases furiosas como: “Não confundam as coisas, não refaçam a história!”.

José Manuel Pureza, uns lugares ao lado, cruzou o olhar com o deputado enfurecido e depressa respondeu à letra: “Não vamos discutir isso aqui”, dizia, sugerindo, com ironia, que resolviam “lá fora”. O insólito chamou a atenção de todos na sala, aumentando drasticamente os níveis de ruído na bancada socialista com apupos e manifestações críticas perante a intervenção da coordenadora bloquista, que continuava a tentar falar na tribuna.

O deputado Ascenso Simões, do PS, aos berros, irritado com o Bloco de Esquerda. 2020. pic.twitter.com/pWVJJmXPGf — Arquivo Portugal (@arquivo_pt) October 28, 2020

O episódio já tinha tido um primeiro take no dia anterior, com os apartes da socialista Maria Antónia Almeida Santos perante a intervenção de Mariana Mortágua sobre a exclusividade dos médicos do SNS, que motivou trocas de argumentos com Luís Monteiro, do Bloco. “Era amarrá-los com cordas…”, sugeria Almeida Santos com ironia. Na fila mesmo à frente, o deputado do BE Luís Monteiro ripostava: “Isto não estava no vosso programa eleitoral?” E a socialista continuava, agora dirigindo-se ao deputado em questão: “E é esta a vossa preocupação em plena pandemia? Em plena pandemia??”

Os duelos mais acesos foram, de facto, à margem do debate, o que prova o ponto: o debate foi de tal forma aceso entre o PS e o BE que contagiou todas as filas dos deputados. Da primeira à última.

Os ausentes citados

O passismo que a esquerda não esquece para lembrar a linha austeritária que diz ter imperado no Governo que antecedeu os socialistas apareceu pelo plenário aqui e ali. Porfírio Silva acusou mesmo Rui Rio de ter “voltado ao velho discurso de Pedro Passos” e, já no segundo dia, João Leão referiu o “FMI de Vítor Gaspar” para argumentar que nem essa instituição defendia prioridade às empresas nesta fase de crise.

Mas o passado mais emblemático que foi trazido à arena foi mesmo o do “irrevogável” de Paulo Portas, em 2013. O dia em que o ministro se demitiu de forma “irrevogável” e recuou horas depois foi relembrado pelo próprio primeiro-ministro para atingir o seu mais recente adversário político, o Bloco de Esquerda. “Não sei se a decisão do BE neste OE é tão irrevogável como a do CDS de abandonar o governo do PSD. Não me verá a ter menos consideração pela autonomia do BE quer vote à esquerda ou se junte à direita”, disse em resposta a Telmo Correia, do CDS que declarava a morte da “geringonça”.

Os insólitos

Primeiro momento do primeiro dia do debate do Orçamento: o primeiro-ministro entra de máscara vermelha e gravata no mesmo tom. Depois tira uma pasta também vermelha com a documentação de apoio ao debate, a sua caneta também ela vermelha e segue nos tons da esquerda no debate em que a esquerda que o apoia encolheu drasticamente. Sai do plenário, no final dessas primeiras horas de debate e deixa aparecer a cada passo nos Passos Perdidos um vislumbre de meias também vermelhas. Depois da polémica com a sua entrada na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira (que iria a votos no Benfica no dia seguinte), é pouco provável que fosse vermelho Benfica. Mas Costa acabou por também não esclarecer se a indumentária tão cuidadosamente vermelha era em homenagem ao PCP ou de despedida ao Bloco de Esquerda.

A ordem parecia mesmo essa: malhar, malhar, malhar, no Bloco. De tal forma que culminou, no encerramento, com a líder parlamentar socialista a fazer uma espécie de salva de tiros ao Bloco de Esquerda, como que a reunir e a sintetizar todos os ataques desferidos pela sua bancada nos últimos dois dias. “O Bloco de Esquerda desertou do campo de batalha e coloca-se incompreensivelmente ao lado da direita”, disse Ana Catarina Mendes, enumerando todas as medidas de apoio social e de apoio ao rendimento a que o Bloco está a virar as costas. Os aplausos, do PS, iam aumentando a cada frase da líder parlamentar, que terminou com esta ideia chave: o BE fica fora no momento em que a situação é mais difícil, e fica fora porque não quer partilhar o risco eleitoral da gestão de uma crise económica e social destas dimensões. Nunca Ana Catarina Mendes tinha sido tão entusiasticamente ovacionada.

O momento mais tenso

Difícil de eleger um quando a discussão deste Orçamento começou, na terça-feira, com níveis elevados de tensão e terminou, na tarde de quarta, a rebentar a escala de intensidade. Poderia ser o momento em que António Costa, dirigindo-se à deputada bloquista Joana Mortágua, sobre as transferências do OE para o SNS (que o BE diz que estão abaixo do orçamentado no Suplementar), escolheu responder-lhe com uma frase apenas: “Concordo consigo quando diz que é preciso falar a verdade. Por isso, fale a verdade”. E sentou-se. A sala gelou. Já antes, o primeiro-ministro tinha sugerido que o antigo parceiro estava a ‘mentir’ poupando-se a usar essa palavra. Não usou, mas para bom entendedor…

Seria este o momento mais tenso, não fosse o encerramento do debate. Catarina Martins subiu à tribuna para explicar o voto contra do Bloco e repor a sua verdade. O Bloco não mudará de voz, disse, mantendo o que sempre disse: que o BE só viabilizará um orçamento que preveja a exclusividade dos médicos no SNS, que dê de facto apoio social a quem perdeu tudo com a crise, e que proteja os trabalhadores contra o despedimento. “Faça o senhor primeiro-ministro os jogos políticos que quiser”. Foi aqui que os apupos da bancada socialista foram evidentes. O hemiciclo tornou-se numa arena política: “Olha quem!”, gritou a socialista Isabel Moreira. Era preciso um esforço para ouvir as palavras de Catarina Martins, que continuava o seu discurso.

O duelo mais intenso

Foi nos apartes que se viveram os duelos mais intensos. É que o clima de tensão entre Governo e Bloco de Esquerda contagiou todo o plenário, levando dois deputados quase a vias de facto. Na última fila, junto à bancada de imprensa, o deputado socialista Ascenso Simões não suportou ouvir Catarina Martins falar, na tribuna, sobre o pai do SNS, o socialista António Arnaut, e atirou frases furiosas como: “Não confundam as coisas, não refaçam a história!”.

José Manuel Pureza, uns lugares ao lado, cruzou o olhar com o deputado enfurecido e depressa respondeu à letra: “Não vamos discutir isso aqui”, dizia, sugerindo, com ironia, que resolviam “lá fora”. O insólito chamou a atenção de todos na sala, aumentando drasticamente os níveis de ruído na bancada socialista com apupos e manifestações críticas perante a intervenção da coordenadora bloquista, que continuava a tentar falar na tribuna.

O deputado Ascenso Simões, do PS, aos berros, irritado com o Bloco de Esquerda. 2020. pic.twitter.com/pWVJJmXPGf — Arquivo Portugal (@arquivo_pt) October 28, 2020

O episódio já tinha tido um primeiro take no dia anterior, com os apartes da socialista Maria Antónia Almeida Santos perante a intervenção de Mariana Mortágua sobre a exclusividade dos médicos do SNS, que motivou trocas de argumentos com Luís Monteiro, do Bloco. “Era amarrá-los com cordas…”, sugeria Almeida Santos com ironia. Na fila mesmo à frente, o deputado do BE Luís Monteiro ripostava: “Isto não estava no vosso programa eleitoral?” E a socialista continuava, agora dirigindo-se ao deputado em questão: “E é esta a vossa preocupação em plena pandemia? Em plena pandemia??”

Os duelos mais acesos foram, de facto, à margem do debate, o que prova o ponto: o debate foi de tal forma aceso entre o PS e o BE que contagiou todas as filas dos deputados. Da primeira à última.

Os ausentes citados

O passismo que a esquerda não esquece para lembrar a linha austeritária que diz ter imperado no Governo que antecedeu os socialistas apareceu pelo plenário aqui e ali. Porfírio Silva acusou mesmo Rui Rio de ter “voltado ao velho discurso de Pedro Passos” e, já no segundo dia, João Leão referiu o “FMI de Vítor Gaspar” para argumentar que nem essa instituição defendia prioridade às empresas nesta fase de crise.

Mas o passado mais emblemático que foi trazido à arena foi mesmo o do “irrevogável” de Paulo Portas, em 2013. O dia em que o ministro se demitiu de forma “irrevogável” e recuou horas depois foi relembrado pelo próprio primeiro-ministro para atingir o seu mais recente adversário político, o Bloco de Esquerda. “Não sei se a decisão do BE neste OE é tão irrevogável como a do CDS de abandonar o governo do PSD. Não me verá a ter menos consideração pela autonomia do BE quer vote à esquerda ou se junte à direita”, disse em resposta a Telmo Correia, do CDS que declarava a morte da “geringonça”.

Os insólitos

Primeiro momento do primeiro dia do debate do Orçamento: o primeiro-ministro entra de máscara vermelha e gravata no mesmo tom. Depois tira uma pasta também vermelha com a documentação de apoio ao debate, a sua caneta também ela vermelha e segue nos tons da esquerda no debate em que a esquerda que o apoia encolheu drasticamente. Sai do plenário, no final dessas primeiras horas de debate e deixa aparecer a cada passo nos Passos Perdidos um vislumbre de meias também vermelhas. Depois da polémica com a sua entrada na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira (que iria a votos no Benfica no dia seguinte), é pouco provável que fosse vermelho Benfica. Mas Costa acabou por também não esclarecer se a indumentária tão cuidadosamente vermelha era em homenagem ao PCP ou de despedida ao Bloco de Esquerda.

marcar artigo