A pandemia da precariedade não começou agora, sr. Primeiro-Ministro

19-07-2020
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A pandemia da precariedade não começou agora, sr. Primeiro-Ministro

Não era preciso uma pandemia para ver que o crescimento do emprego se estava a fazer à custa do salário mínimo e de contratos de curto prazo.

António Costa foi muito claro na conferência da Organização Internacional do Trabalho, “Covid-19 e o mundo do trabalho”, que se realizou no início deste mês: “ [a pandemia] pôs em evidência as fraturas profundas da nossa sociedade e o preço que pagamos pela excessiva desregulação do que nos habituámos a chamar de mercado de trabalho”.

A ideia que sustenta a afirmação é clara, a precariedade laboral tornou-se num dos maiores fatores de risco perante a pandemia de COVID-19. Em primeiro lugar, estes trabalhadores estão mais vulneráveis à doença porque são, em geral, os que têm piores condições de vida, menor acesso a cuidados de saúde, e estão mais expostos a formas de trabalho, habitabilidade e transporte que facilitam o contágio.

Em segundo lugar, a precariedade e a informalidade laboral destroem a proteção social, o que faz com que muitos destes trabalhadores não possam cumprir as quarentenas e prevenções sanitárias que lhes são impostas. Quantos casos haverá de pessoas que deixaram de se testar ou de denunciar sintomas com medo de perder umas horas, uns dias de salário?

Em terceiro, a crise social e económica. Os precários (e quantos deles voltarão a ser contratados assim que a economia retomar um pouco) são os primeiros a ser despedidos, independentemente das condições económicas da empresas, mesmo que a empresa esteja a ser financiada publicamente através de layoff. Vão engrossar as filas do desemprego e cobrar ao país a fatura social que daquilo que o patrão poupou, e que podia ser evitada com a preservação do seu posto de trabalho.

Os precários são o elo mais fraco, não restam dúvidas quanto à pertinência da afirmação do sr. Primeiro-Ministro. A questão é, quanto é que ela vale? Podemos interpretá-la como arrependimento por ter mantido o essencial do Código do Trabalho da troika, como a facilitação de despedimentos coletivos e caducidade de contratos coletivos de trabalho? Está implícita uma crítica ao PS e à sua herança de proteção das empresas de trabalho temporário? Pressupõe um reconhecimento que as novas leis laborais do governo minoritário do PS implicam uma discriminação de jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração em sede de período experimental?

É bom recordar que estas foram as questões que o Bloco de Esquerda colocou em cima da mesa para início de conversa com o PS após as eleições legislativas do ano passado. Não era preciso uma pandemia para perceber que, mesmo com crescimento, a nossa economia estava presa a um código laboral que facilitava a acumulação de lucros e a sustentação de setores económicos inteiros, como o turismo, nas costas precárias e mal pagas de dezenas de milhares de jovens.

Não era preciso uma pandemia para ver que o crescimento do emprego se estava a fazer à custa do salário mínimo e de contratos de curto prazo. E que isso tornava a economia, como um todo, mais frágil e a sociedade mais desigual. Não é de hoje que estes trabalhadores, que vão de atores a empregadas domésticas, não conseguem contrair um empréstimo nem pagar uma renda para viver com condições de dignidade. Não foi assim há tanto tempo que o Partido Socialista recusou tocar na legislação laboral.

Até que veio a pandemia e talvez, de tão mais grave, tudo pareça mais claro. Assim seja. Mas a pergunta mantém-se: quanto vale a afirmação de António Costa sobre a excessiva desregulação do mercado de trabalho? Vale o rompimento do acordo com os patrões que até agora impediu qualquer consenso com a esquerda sobre a lei laboral?

Deputada do Bloco de Esquerda

A pandemia da precariedade não começou agora, sr. Primeiro-Ministro

Não era preciso uma pandemia para ver que o crescimento do emprego se estava a fazer à custa do salário mínimo e de contratos de curto prazo.

António Costa foi muito claro na conferência da Organização Internacional do Trabalho, “Covid-19 e o mundo do trabalho”, que se realizou no início deste mês: “ [a pandemia] pôs em evidência as fraturas profundas da nossa sociedade e o preço que pagamos pela excessiva desregulação do que nos habituámos a chamar de mercado de trabalho”.

A ideia que sustenta a afirmação é clara, a precariedade laboral tornou-se num dos maiores fatores de risco perante a pandemia de COVID-19. Em primeiro lugar, estes trabalhadores estão mais vulneráveis à doença porque são, em geral, os que têm piores condições de vida, menor acesso a cuidados de saúde, e estão mais expostos a formas de trabalho, habitabilidade e transporte que facilitam o contágio.

Em segundo lugar, a precariedade e a informalidade laboral destroem a proteção social, o que faz com que muitos destes trabalhadores não possam cumprir as quarentenas e prevenções sanitárias que lhes são impostas. Quantos casos haverá de pessoas que deixaram de se testar ou de denunciar sintomas com medo de perder umas horas, uns dias de salário?

Em terceiro, a crise social e económica. Os precários (e quantos deles voltarão a ser contratados assim que a economia retomar um pouco) são os primeiros a ser despedidos, independentemente das condições económicas da empresas, mesmo que a empresa esteja a ser financiada publicamente através de layoff. Vão engrossar as filas do desemprego e cobrar ao país a fatura social que daquilo que o patrão poupou, e que podia ser evitada com a preservação do seu posto de trabalho.

Os precários são o elo mais fraco, não restam dúvidas quanto à pertinência da afirmação do sr. Primeiro-Ministro. A questão é, quanto é que ela vale? Podemos interpretá-la como arrependimento por ter mantido o essencial do Código do Trabalho da troika, como a facilitação de despedimentos coletivos e caducidade de contratos coletivos de trabalho? Está implícita uma crítica ao PS e à sua herança de proteção das empresas de trabalho temporário? Pressupõe um reconhecimento que as novas leis laborais do governo minoritário do PS implicam uma discriminação de jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração em sede de período experimental?

É bom recordar que estas foram as questões que o Bloco de Esquerda colocou em cima da mesa para início de conversa com o PS após as eleições legislativas do ano passado. Não era preciso uma pandemia para perceber que, mesmo com crescimento, a nossa economia estava presa a um código laboral que facilitava a acumulação de lucros e a sustentação de setores económicos inteiros, como o turismo, nas costas precárias e mal pagas de dezenas de milhares de jovens.

Não era preciso uma pandemia para ver que o crescimento do emprego se estava a fazer à custa do salário mínimo e de contratos de curto prazo. E que isso tornava a economia, como um todo, mais frágil e a sociedade mais desigual. Não é de hoje que estes trabalhadores, que vão de atores a empregadas domésticas, não conseguem contrair um empréstimo nem pagar uma renda para viver com condições de dignidade. Não foi assim há tanto tempo que o Partido Socialista recusou tocar na legislação laboral.

Até que veio a pandemia e talvez, de tão mais grave, tudo pareça mais claro. Assim seja. Mas a pergunta mantém-se: quanto vale a afirmação de António Costa sobre a excessiva desregulação do mercado de trabalho? Vale o rompimento do acordo com os patrões que até agora impediu qualquer consenso com a esquerda sobre a lei laboral?

Deputada do Bloco de Esquerda

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