A espuma das palavras

23-03-2020
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Terça - 10/3/20



Somos uma tragédia? Tem dias

Francisco Louçã

Não
sei se o pânico instalado com o coronavírus alterará a agenda do
segundo congresso de um pomposo Movimento Europa e Liberdade (MEL), que
se propõe nada menos do que refundar a direita na Culturgest, esta
terça-feira mesmo. Seria pena, essa refundação faz tanta falta. Ao que
informa o Expresso, a promoção do evento invoca as questões fundamentais
da nossa existência coletiva: “Estará Portugal condenado? As novas
desigualdades são superáveis? Somos uma tragédia? O Estado de Direito
foi capturado pelos interesses? A ditadura do politicamente correto está
a destruir-nos? Há saídas?.” O MEL não se limita a questionar, quer
abrir soluções e, por isso, lança ainda a pergunta tremenda: “E quem é
que protagoniza a alternativa à extrema-esquerda e ao socialismo
radical?” Quem se oferece parece que tem de picar o ponto no congresso.

São linguagens dos dias que correm, quem ligaria a estas “primárias” se elas não prometessem sangue, Europa e liberalismo?

Candidatáveis,
são bastantes. Diz-se que Portas, Júdice, Ventura, Cotrim de
Figueiredo, o novel líder do CDS, Paulo Mota Pinto e Poiares Maduro
abrilhantarão o evento, a que os organizadores chamam “primárias da
direita”, sabe-se lá porquê. Mesmo que não conste que vão a votos, ou
que apresentem currículos ou sequer propostas, os oradores passear-se-ão
por estas “primárias”, que serão pelo menos um evento social, coisa
grande quando se pergunta com inquietação se “somos uma tragédia”, claro
que tudo por causa da “ditadura do politicamente correto”.

Candidamente,
a convocatória repete os refrões brasileiros, nos termos exatos dos
bolsominions, desta vez com “Portugal condenado”, a penar uma feroz
“ditadura” sob um “socialismo radical”, que até foi ovacionado no dia
anterior pelas associações patronais por se dispor a facilitar o lay off
no contexto da epidemia. Ora, são linguagens dos dias que correm, quem
ligaria a estas “primárias” se elas não prometessem sangue, Europa e
liberalismo?

Há, no entanto, um sintoma curioso
neste congresso, que nos diz muito sobre a falta do tal guru que deve
“protagonizar a alternativa à extrema-esquerda e ao socialismo radical”.
É que não são os partidos que juntam a congregação, aliás seriam
incapazes de o fazer, mas sim personalidades ilustres do mundo dos
negócios. Neste caso, é Jorge Marrão, nada menos do que o Real Estate
Sector Leader Head of Clients & Markets, Head of Innovation and Head
of Marketing, Communications and Business Development da Deloitte. A
consultora até sugere que criou uma associação para preparar propostas
deste tipo: “O Jorge Marrão lidera o sector de Real Estate em Portugal.
Além dos segmentos tradicionais de Real Estate, tem ainda a
responsabilidade de Mergers & Acquisitions (fusões e aquisições) em
Hotelaria. Ainda a seu cargo está a área de Marketing, Communications
and Business Development. Adicionalmente, representa a Deloitte Portugal
na rede global, pela área de Clients & Industries. É presidente da
Associação Projeto Farol, uma iniciativa lançada pelo think tank
Deloitte Circle, focada em apresentar um conjunto de propostas sobre a
economia portuguesa, na próxima década.” Pois eis as propostas, numa
sala de congressos perto de si.

Noutras
encarnações, já houve tentativas deste tipo, a mais nobre tendo sido o
Compromisso Portugal, que juntou centenas de empresários, a nata do
capital, para lançar o que então foi anunciado como “uma nova geração”
de decisores. Apregoava-se que produziriam um modelo económico para sair
da “cauda da Europa” em dez anos. Passaram dezasseis e continuamos
instalados na cauda da Europa, mesmo que os compromissórios tivessem
tido todo o poder, uma maioria absoluta com Durão Barroso e depois
Santana Lopes, um governo afável aos grandes projetos com a maioria
absoluta do PS e, depois, o poder mais absoluto com a troika e a maioria
PSD-CDS. Não lhes faltou nada, mas o melhor resultado do Compromisso
Portugal foi António Mexia passar da presidência da GALP para a da EDP, a
Somague de Diogo Vaz Guedes ser integrada na Sacyr e o resto ter ido à
sua vida. Até ao dia em que o Real Estate Sector Leader Head of Clients
& Markets, Head of Innovation and Head of Marketing, Communications
and Business Development da Deloitte retoma a candeia e lança as suas
“primárias”. Espero que os barões não faltem, seria um desgosto.


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segundo congresso de um pomposo Movimento Europa e Liberdade (MEL), que
se propõe nada menos do que refundar a direita na Culturgest, esta
terça-feira mesmo. Seria pena, essa refundação faz tanta falta. Ao que
informa o Expresso, a promoção do evento invoca as questões fundamentais
da nossa existência coletiva: “Estará Portugal condenado? As novas
desigualdades são superáveis? Somos uma tragédia? O Estado de Direito
foi capturado pelos interesses? A ditadura do politicamente correto está
a destruir-nos? Há saídas?.” O MEL não se limita a questionar, quer
abrir soluções e, por isso, lança ainda a pergunta tremenda: “E quem é
que protagoniza a alternativa à extrema-esquerda e ao socialismo
radical?” Quem se oferece parece que tem de picar o ponto no congresso.

São linguagens dos dias que correm, quem ligaria a estas “primárias” se elas não prometessem sangue, Europa e liberalismo?

Candidatáveis,
são bastantes. Diz-se que Portas, Júdice, Ventura, Cotrim de
Figueiredo, o novel líder do CDS, Paulo Mota Pinto e Poiares Maduro
abrilhantarão o evento, a que os organizadores chamam “primárias da
direita”, sabe-se lá porquê. Mesmo que não conste que vão a votos, ou
que apresentem currículos ou sequer propostas, os oradores passear-se-ão
por estas “primárias”, que serão pelo menos um evento social, coisa
grande quando se pergunta com inquietação se “somos uma tragédia”, claro
que tudo por causa da “ditadura do politicamente correto”.

Candidamente,
a convocatória repete os refrões brasileiros, nos termos exatos dos
bolsominions, desta vez com “Portugal condenado”, a penar uma feroz
“ditadura” sob um “socialismo radical”, que até foi ovacionado no dia
anterior pelas associações patronais por se dispor a facilitar o lay off
no contexto da epidemia. Ora, são linguagens dos dias que correm, quem
ligaria a estas “primárias” se elas não prometessem sangue, Europa e
liberalismo?

Há, no entanto, um sintoma curioso
neste congresso, que nos diz muito sobre a falta do tal guru que deve
“protagonizar a alternativa à extrema-esquerda e ao socialismo radical”.
É que não são os partidos que juntam a congregação, aliás seriam
incapazes de o fazer, mas sim personalidades ilustres do mundo dos
negócios. Neste caso, é Jorge Marrão, nada menos do que o Real Estate
Sector Leader Head of Clients & Markets, Head of Innovation and Head
of Marketing, Communications and Business Development da Deloitte. A
consultora até sugere que criou uma associação para preparar propostas
deste tipo: “O Jorge Marrão lidera o sector de Real Estate em Portugal.
Além dos segmentos tradicionais de Real Estate, tem ainda a
responsabilidade de Mergers & Acquisitions (fusões e aquisições) em
Hotelaria. Ainda a seu cargo está a área de Marketing, Communications
and Business Development. Adicionalmente, representa a Deloitte Portugal
na rede global, pela área de Clients & Industries. É presidente da
Associação Projeto Farol, uma iniciativa lançada pelo think tank
Deloitte Circle, focada em apresentar um conjunto de propostas sobre a
economia portuguesa, na próxima década.” Pois eis as propostas, numa
sala de congressos perto de si.

Noutras
encarnações, já houve tentativas deste tipo, a mais nobre tendo sido o
Compromisso Portugal, que juntou centenas de empresários, a nata do
capital, para lançar o que então foi anunciado como “uma nova geração”
de decisores. Apregoava-se que produziriam um modelo económico para sair
da “cauda da Europa” em dez anos. Passaram dezasseis e continuamos
instalados na cauda da Europa, mesmo que os compromissórios tivessem
tido todo o poder, uma maioria absoluta com Durão Barroso e depois
Santana Lopes, um governo afável aos grandes projetos com a maioria
absoluta do PS e, depois, o poder mais absoluto com a troika e a maioria
PSD-CDS. Não lhes faltou nada, mas o melhor resultado do Compromisso
Portugal foi António Mexia passar da presidência da GALP para a da EDP, a
Somague de Diogo Vaz Guedes ser integrada na Sacyr e o resto ter ido à
sua vida. Até ao dia em que o Real Estate Sector Leader Head of Clients
& Markets, Head of Innovation and Head of Marketing, Communications
and Business Development da Deloitte retoma a candeia e lança as suas
“primárias”. Espero que os barões não faltem, seria um desgosto.

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