«Avante!» Nº 1289

22-04-1999
marcar artigo

Os distraídos

É certo que já houve quem escrevesse que a memória política é, hoje em dia, ou uma coisa rara ou, quando muito, uma coisa que abrange para aí uma ou duas semanas.

Mas este facto de que o comum dos cidadãos dificilmente pode escapar, indefeso como está perante o culto do efémero e do superficial induzido pela maior parte dos «media» e dos agentes políticos, não pode entretanto absolver pessoas que, pelas suas responsabilidades ou intervenção públicas, têm o dever de uma melhor memória ou, na falta dela, têm pelo menos o dever de procurar informação rigorosa que os poupe a dislates e a fantásticas «descobertas».

E sta lenga-lenga pouco inspirada é suscitada pela avalanche de artigos e comentários a propósito da regionalização e do respectivo referendo onde, para além de muitas sonegações de factos essenciais, abundam sobretudo as referências a «complicações», a «absurdos» e a «trapalhadas».

A questão está em que, mesmo não dispondo do espaço que seria necessário para fazer uma demonstração exemplificada, não é possível deixar de dizer que muita desta gente andou positivamente a dormir na forma dois anos inteiros, preconceituosamente não ligou nenhuma às atempadas denúncias que o PCP fez precisamente das «complicações», «absurdos» e «trapalhadas» criados pelos entendimentos entre PS,PSD e PP nesta matéria e, por isso, foi objectivamente cúmplice de tudo aquilo de que agora tardia mas inflamadamente se queixa.

P orque, entre muitos outros lembretes, é preciso dizer, por exemplo, a estas legiões de distraídos que se é verdade que as perguntas deste referendo só foram formalmente votadas em 31 de Julho deste ano (e foram-no pelo PS, pelo PSD e pelo PP), a verdade é que elas já estavam configuradas em 13 de Maio de 96 por um acordo bilateral, feito em sede de revisão constitucional, entre PS e PP e a que o PSD depois aderiu pacificamente.

É também preciso dizer que, se as perguntas e o sistema deste referendo são o que são, é mais coisa menos coisa por causa precisamente das alterações acordadas mais uma vez entre PS,PSD e PP na revisão da Constituição praticamente fechada em Julho de 97 e nomeadamente nos artigos respeitantes à regionalização.

E, como única referência concreta a um grande distraído, é igualmente preciso dizer que o Prof. Vital Moreira teve mais de 15 meses para descobrir que não concordava com o mapa das oiro regiões e só o descobriu tarde demais e que esteve vários meses na Comissão de Revisão Constitucional e, infelizmente, nunca o vimos piar publicamente sobre os «absurdos» deste referendo. Mais, temos a nossa frente, recolhido do CD-ROM do insuspeito José Magalhães, o documento, datado de Março de 97, em que Vital Moreira transmitiu ao Grupo Parlamentar do PS os seus «pontos de discordância» quanto à revisão ensejada e, quanto à regionalização e ao seu referendo, nada, zero, nicles !

E é exactamente porque nos esfalfámos a denunciar quase tudo o que outros demoraram dois anos a descobrir que temos agora autoridade para defender que pelas «trapalhadas» devem pagar os seus autores em qualquer altura mas não deve pagar a regionalização enquanto necessária e útil reforma democrática. — Vítor Dias.

«Avante!» Nº 1289 - 13.Agosto.1998

Os distraídos

É certo que já houve quem escrevesse que a memória política é, hoje em dia, ou uma coisa rara ou, quando muito, uma coisa que abrange para aí uma ou duas semanas.

Mas este facto de que o comum dos cidadãos dificilmente pode escapar, indefeso como está perante o culto do efémero e do superficial induzido pela maior parte dos «media» e dos agentes políticos, não pode entretanto absolver pessoas que, pelas suas responsabilidades ou intervenção públicas, têm o dever de uma melhor memória ou, na falta dela, têm pelo menos o dever de procurar informação rigorosa que os poupe a dislates e a fantásticas «descobertas».

E sta lenga-lenga pouco inspirada é suscitada pela avalanche de artigos e comentários a propósito da regionalização e do respectivo referendo onde, para além de muitas sonegações de factos essenciais, abundam sobretudo as referências a «complicações», a «absurdos» e a «trapalhadas».

A questão está em que, mesmo não dispondo do espaço que seria necessário para fazer uma demonstração exemplificada, não é possível deixar de dizer que muita desta gente andou positivamente a dormir na forma dois anos inteiros, preconceituosamente não ligou nenhuma às atempadas denúncias que o PCP fez precisamente das «complicações», «absurdos» e «trapalhadas» criados pelos entendimentos entre PS,PSD e PP nesta matéria e, por isso, foi objectivamente cúmplice de tudo aquilo de que agora tardia mas inflamadamente se queixa.

P orque, entre muitos outros lembretes, é preciso dizer, por exemplo, a estas legiões de distraídos que se é verdade que as perguntas deste referendo só foram formalmente votadas em 31 de Julho deste ano (e foram-no pelo PS, pelo PSD e pelo PP), a verdade é que elas já estavam configuradas em 13 de Maio de 96 por um acordo bilateral, feito em sede de revisão constitucional, entre PS e PP e a que o PSD depois aderiu pacificamente.

É também preciso dizer que, se as perguntas e o sistema deste referendo são o que são, é mais coisa menos coisa por causa precisamente das alterações acordadas mais uma vez entre PS,PSD e PP na revisão da Constituição praticamente fechada em Julho de 97 e nomeadamente nos artigos respeitantes à regionalização.

E, como única referência concreta a um grande distraído, é igualmente preciso dizer que o Prof. Vital Moreira teve mais de 15 meses para descobrir que não concordava com o mapa das oiro regiões e só o descobriu tarde demais e que esteve vários meses na Comissão de Revisão Constitucional e, infelizmente, nunca o vimos piar publicamente sobre os «absurdos» deste referendo. Mais, temos a nossa frente, recolhido do CD-ROM do insuspeito José Magalhães, o documento, datado de Março de 97, em que Vital Moreira transmitiu ao Grupo Parlamentar do PS os seus «pontos de discordância» quanto à revisão ensejada e, quanto à regionalização e ao seu referendo, nada, zero, nicles !

E é exactamente porque nos esfalfámos a denunciar quase tudo o que outros demoraram dois anos a descobrir que temos agora autoridade para defender que pelas «trapalhadas» devem pagar os seus autores em qualquer altura mas não deve pagar a regionalização enquanto necessária e útil reforma democrática. — Vítor Dias.

«Avante!» Nº 1289 - 13.Agosto.1998

marcar artigo