JORNAL PUBLICO: Como se forma a onda de que fala Guterres?

10-10-1999
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27/08/95

Caravana radical da JS

Como se forma a onda de que fala Guterres?

Graça Barbosa Ribeiro

São 18, têm menos de 30 anos, e desde o fim de Julho que não dormem mais de meia dúzia de horas por noite. Já com um dia de glória para as suas histórias pessoais - nenhum deles esquecerá os elogios feitos à mobilização da juventude no comício da Pontinha -, os jovens socialistas trocaram o mês de férias pela convicção de que podem "contribuir para mudar as coisas". Não através do discurso político, mas da imagem de dinamismo que querem transmitir com a sua "caravana radical". "Assim se forma a onda que transporta o PS", diz o líder da Juventude Socialista.

Primeiro juntam-se grupinhos de miúdos, a tentar avaliar com um olhar guloso a dificuldade dos desportos radicais que a JS lhes oferece. Meia hora depois, há um que se encaminha com ar tímido para o "guichet" de informações. Só para saber se é preciso ter cartão do PS para dar um saltinho na cama elástica ou dar uma volta de patins em linha. "E paga-se?" Nem uma coisa nem outra, informa Sara Gil, ainda ensonada. Tal como os restantes elementos do grupo de jovens socialistas que há várias horas trabalham na montagem dos equipamentos, Sara não resiste a um suspiro. Quinta-feira, 12h30, na Praia do Pedrógão, Leiria - é mais um dia que começa na "caravana radical".

"Olha, Ricardo: não vais para a estrada com os patins, é perigoso. E sabes andar com isso? Anda cá, eu ensino-te." Ricardo, de 10 anos, tenta controlar o sorriso de orelha a orelha, enquanto se aventura nos primeiros passos em cima de rodas. Sara Gil, 12 anos mais velha, investe toda a sua paciência na explicação das regras aos garotos que pulam à sua volta. Está no 3º ano de Gestão e é um dos 18 elementos fixos da "caravana radical" da JS que, dando corpo a um investimento de mais de uma dezena de milhares de contos, percorre as praias do país desde os últimos dias de Julho.

Tal como todos os outros, Sara foi escolhida a dedo por Rui Pereira, o jovem socialista já batido em campanhas eleitorais e coordenador da caravana. A ideia surgiu ainda 1995 não tinha começado e desde então o trabalho tem sido imparável. Oito meses depois, o PS não pode dar por perdido o investimento. Mobilizada ou não pela caravana, a JS foi um elemento decisivo no êxito do comício da Pontinha, em Faro, reconhecido pelos dirigentes socialistas e até por comentadores políticos da área social-democrata. "Foi emocionante", diz Sara com um sorriso.

Mas o dia-a-dia da caravana não é feito de arrepios de emoção. Uma semana depois do comício, os jovens não escondem o cansaço. Sujeitos a um curso intensivo de quatro dias em todas as áreas do desporto radical, desde o início de Agosto que dormem menos de meia dúzia de horas por noite, entre uma e outra praia. Monta equipamento, desmonta equipamento, pouco sobra para a única obrigação familiar deste mês que deveria ser de descanso: telefonar para casa uma vez por dia só para dizerem "se estão vivos".

"Férias, isto?"

À hora de almoço, o movimento intensifica-se: a parede de escalada está montada e no ginásio instalado no palco improvisado do camião TIR os candidatos a exercícios de musculação formam fila; já há quem salte sobre a cama elástica e o enorme balão começa a ganhar forma. "Férias, isto?", desafia Carlos Nogueira, bancário. Estende as mãos calejadas e esfoladas pela corda de escalada e abre-se num sorriso: "Não, férias é que não são." Militante da JS do Cacém, não deixa de acrescentar, para que não fiquem mal-entendidos, que "quem corre por gosto não cansa".

Mas a verdade é que cansa. Nesse momento, Albano Marques, um jovem socialista e comerciante, sofre um violento puxão provocado pela queda da parede de escalada de um desportista atado na outra ponta da corda. Albano também é do Cacém e, à semelhança de Carlos, acredita que esta "é uma forma de contribuir para a mudança das coisas no país".

Será? Vasco Rafael, de 15 anos, limpa o suor provocado mais pela adrenalina do que pelo esforço feito na tentativa frustrada de escalar a parede. "Eu quero lá saber de políticosÉ São todos iguais, querem é ganhar dinheiro e estão a marimbar-se prá malta." Sabe do que fala: "Eu, lá em Cantanhede, estou farto de pedir uma rampa de "skate" eÉ nada! Os políticos querem é ganhar dinheiro!" Ninguém o contradiz, que ali o discurso político é relegado para ultimíssimo plano.

Sérgio Sousa Pinto, de ar ensonado, barba de um mês - "desleixo sazonal", explica - e disfarçado com camisa aos quadradinhos, passa completamente despercebido entre o movimento frenético de "t-shirts" de coração encarnado. Ninguém o reconhece como líder nacional da JS e ele também não faz o menor esforço em sentido contrário. O seu desporto mais radical, confessa, é tentar impor a ordem entre os garotos que se agatanham para passar à frente na fila das inscrições. Quanto a política, fica para outra vez. "Não me vou pôr a discutir a política nacional com as pessoas entre um pinote na cama elástica e uma volta de patins", afirma com um sorriso.

Um apoio com factura pagaÉ

Mais do que o discurso político, interessa fazer passar a imagem de uma organização rejuvenescida e dinâmica. Desde que Sérgio Sousa Pinto foi eleito secretário-geral, há dois anos, a JS ganhou 10 mil militantes. "Somos 30 mil e aqui não há números-fantasma." Se hoje "o PS vai aos ombros de uma onda juvenil que não controla" - diz Sérgio roubando a imagem a Guterres - "é porque as pessoas começam a perceber que nós não somos uma aberração, que não deixamos de ser jovens por estarmos na política. O próprio PS não faria um investimento tão grande na nossa campanha se não acreditasse em nós."

Diz não ter a presunção de acreditar que a organização que lidera é o motor da História - "Há uma vaga de descrença relativamente ao cavaquismo" -, mas não deixa de fazer notar que o Partido Socialista "deve cada vez mais aos jovens". A factura, essa, diz com um sorriso, já começou a ser paga. "No bom sentido, claro", e através da participação dos jovens socialistas nas listas de candidatos a deputados e que, num cenário de vitória do PS, lhes poderá garantir dez presenças na Assembleia da República.

Sérgio é interrompido por uma voz que, aos microfones, se sobrepõe à música frenética anunciando o campeão na cama elástica. Não é maneira de falar. José Carlos Ferreira, da direcção nacional da JS, já foi seis vezes campeão nacional de duplo minitrampolim e é a excepção à regra nesta caravana. Na maior parte dos casos, o coordenador, Rui Pereira, preocupou-se em arranjar militantes da JS craques nas diversas modalidades. Como a Mónica, de 17 anos, que há vários anos faz musculação e pratica a aeróbica e que agora dirige o miniginásio instalado no TIR. No caso de José Carlos Ferreira, a dificuldade foi arranjar um clube disposto a ceder a cama elástica durante um mês, permitindo ao campeão ensaiar os amadores nos primeiros saltos.

É e um investimento a longo prazo

Mais para a fotografia do que para passear as criancinhas - as variações térmicas não permitem grandes voos -, o enorme balão está finalmente pronto. Francisco Morgado, de 49 anos, de boné e guarda-sol às costas, aprecia "o grande bicho". Não quer fazer a experiência, mas vai garantindo entre dentes que, de qualquer modo, "se não fosse do PS não punha aqui os pés". É o outro lado do problema que tem afectado os jovens socialistas: lidar com os pais que arrastam as crianças chorosas dos desportos radicais, porque "deixar os filhos pisar solo socialista, nem pensar"É

"Ah, não é um comícioÉ", Leonilde Lopes, de 57 anos, saiu da praia a correr e regressa agora à mesma velocidade. Ficou-lhe atravessado o comício de Faro, no qual não teve oportunidade de participar e, agora, nem queria crer que tinha outro ali, "à porta da praia". Afinal, nada mais se passa do que desporto radical, que atrai sobretudo os mais pequeninos. Atirado para cima de um caixote, Sérgio Sousa Pinto passeia o olhar pelos garotos que pulam, excitados, na escolha difícil entre as várias atracções. "É o chamado investimento a longo prazo. Passamos um dia inteiro com pessoas que não votarão nos próximos dez anosÉ"

27/08/95

Caravana radical da JS

Como se forma a onda de que fala Guterres?

Graça Barbosa Ribeiro

São 18, têm menos de 30 anos, e desde o fim de Julho que não dormem mais de meia dúzia de horas por noite. Já com um dia de glória para as suas histórias pessoais - nenhum deles esquecerá os elogios feitos à mobilização da juventude no comício da Pontinha -, os jovens socialistas trocaram o mês de férias pela convicção de que podem "contribuir para mudar as coisas". Não através do discurso político, mas da imagem de dinamismo que querem transmitir com a sua "caravana radical". "Assim se forma a onda que transporta o PS", diz o líder da Juventude Socialista.

Primeiro juntam-se grupinhos de miúdos, a tentar avaliar com um olhar guloso a dificuldade dos desportos radicais que a JS lhes oferece. Meia hora depois, há um que se encaminha com ar tímido para o "guichet" de informações. Só para saber se é preciso ter cartão do PS para dar um saltinho na cama elástica ou dar uma volta de patins em linha. "E paga-se?" Nem uma coisa nem outra, informa Sara Gil, ainda ensonada. Tal como os restantes elementos do grupo de jovens socialistas que há várias horas trabalham na montagem dos equipamentos, Sara não resiste a um suspiro. Quinta-feira, 12h30, na Praia do Pedrógão, Leiria - é mais um dia que começa na "caravana radical".

"Olha, Ricardo: não vais para a estrada com os patins, é perigoso. E sabes andar com isso? Anda cá, eu ensino-te." Ricardo, de 10 anos, tenta controlar o sorriso de orelha a orelha, enquanto se aventura nos primeiros passos em cima de rodas. Sara Gil, 12 anos mais velha, investe toda a sua paciência na explicação das regras aos garotos que pulam à sua volta. Está no 3º ano de Gestão e é um dos 18 elementos fixos da "caravana radical" da JS que, dando corpo a um investimento de mais de uma dezena de milhares de contos, percorre as praias do país desde os últimos dias de Julho.

Tal como todos os outros, Sara foi escolhida a dedo por Rui Pereira, o jovem socialista já batido em campanhas eleitorais e coordenador da caravana. A ideia surgiu ainda 1995 não tinha começado e desde então o trabalho tem sido imparável. Oito meses depois, o PS não pode dar por perdido o investimento. Mobilizada ou não pela caravana, a JS foi um elemento decisivo no êxito do comício da Pontinha, em Faro, reconhecido pelos dirigentes socialistas e até por comentadores políticos da área social-democrata. "Foi emocionante", diz Sara com um sorriso.

Mas o dia-a-dia da caravana não é feito de arrepios de emoção. Uma semana depois do comício, os jovens não escondem o cansaço. Sujeitos a um curso intensivo de quatro dias em todas as áreas do desporto radical, desde o início de Agosto que dormem menos de meia dúzia de horas por noite, entre uma e outra praia. Monta equipamento, desmonta equipamento, pouco sobra para a única obrigação familiar deste mês que deveria ser de descanso: telefonar para casa uma vez por dia só para dizerem "se estão vivos".

"Férias, isto?"

À hora de almoço, o movimento intensifica-se: a parede de escalada está montada e no ginásio instalado no palco improvisado do camião TIR os candidatos a exercícios de musculação formam fila; já há quem salte sobre a cama elástica e o enorme balão começa a ganhar forma. "Férias, isto?", desafia Carlos Nogueira, bancário. Estende as mãos calejadas e esfoladas pela corda de escalada e abre-se num sorriso: "Não, férias é que não são." Militante da JS do Cacém, não deixa de acrescentar, para que não fiquem mal-entendidos, que "quem corre por gosto não cansa".

Mas a verdade é que cansa. Nesse momento, Albano Marques, um jovem socialista e comerciante, sofre um violento puxão provocado pela queda da parede de escalada de um desportista atado na outra ponta da corda. Albano também é do Cacém e, à semelhança de Carlos, acredita que esta "é uma forma de contribuir para a mudança das coisas no país".

Será? Vasco Rafael, de 15 anos, limpa o suor provocado mais pela adrenalina do que pelo esforço feito na tentativa frustrada de escalar a parede. "Eu quero lá saber de políticosÉ São todos iguais, querem é ganhar dinheiro e estão a marimbar-se prá malta." Sabe do que fala: "Eu, lá em Cantanhede, estou farto de pedir uma rampa de "skate" eÉ nada! Os políticos querem é ganhar dinheiro!" Ninguém o contradiz, que ali o discurso político é relegado para ultimíssimo plano.

Sérgio Sousa Pinto, de ar ensonado, barba de um mês - "desleixo sazonal", explica - e disfarçado com camisa aos quadradinhos, passa completamente despercebido entre o movimento frenético de "t-shirts" de coração encarnado. Ninguém o reconhece como líder nacional da JS e ele também não faz o menor esforço em sentido contrário. O seu desporto mais radical, confessa, é tentar impor a ordem entre os garotos que se agatanham para passar à frente na fila das inscrições. Quanto a política, fica para outra vez. "Não me vou pôr a discutir a política nacional com as pessoas entre um pinote na cama elástica e uma volta de patins", afirma com um sorriso.

Um apoio com factura pagaÉ

Mais do que o discurso político, interessa fazer passar a imagem de uma organização rejuvenescida e dinâmica. Desde que Sérgio Sousa Pinto foi eleito secretário-geral, há dois anos, a JS ganhou 10 mil militantes. "Somos 30 mil e aqui não há números-fantasma." Se hoje "o PS vai aos ombros de uma onda juvenil que não controla" - diz Sérgio roubando a imagem a Guterres - "é porque as pessoas começam a perceber que nós não somos uma aberração, que não deixamos de ser jovens por estarmos na política. O próprio PS não faria um investimento tão grande na nossa campanha se não acreditasse em nós."

Diz não ter a presunção de acreditar que a organização que lidera é o motor da História - "Há uma vaga de descrença relativamente ao cavaquismo" -, mas não deixa de fazer notar que o Partido Socialista "deve cada vez mais aos jovens". A factura, essa, diz com um sorriso, já começou a ser paga. "No bom sentido, claro", e através da participação dos jovens socialistas nas listas de candidatos a deputados e que, num cenário de vitória do PS, lhes poderá garantir dez presenças na Assembleia da República.

Sérgio é interrompido por uma voz que, aos microfones, se sobrepõe à música frenética anunciando o campeão na cama elástica. Não é maneira de falar. José Carlos Ferreira, da direcção nacional da JS, já foi seis vezes campeão nacional de duplo minitrampolim e é a excepção à regra nesta caravana. Na maior parte dos casos, o coordenador, Rui Pereira, preocupou-se em arranjar militantes da JS craques nas diversas modalidades. Como a Mónica, de 17 anos, que há vários anos faz musculação e pratica a aeróbica e que agora dirige o miniginásio instalado no TIR. No caso de José Carlos Ferreira, a dificuldade foi arranjar um clube disposto a ceder a cama elástica durante um mês, permitindo ao campeão ensaiar os amadores nos primeiros saltos.

É e um investimento a longo prazo

Mais para a fotografia do que para passear as criancinhas - as variações térmicas não permitem grandes voos -, o enorme balão está finalmente pronto. Francisco Morgado, de 49 anos, de boné e guarda-sol às costas, aprecia "o grande bicho". Não quer fazer a experiência, mas vai garantindo entre dentes que, de qualquer modo, "se não fosse do PS não punha aqui os pés". É o outro lado do problema que tem afectado os jovens socialistas: lidar com os pais que arrastam as crianças chorosas dos desportos radicais, porque "deixar os filhos pisar solo socialista, nem pensar"É

"Ah, não é um comícioÉ", Leonilde Lopes, de 57 anos, saiu da praia a correr e regressa agora à mesma velocidade. Ficou-lhe atravessado o comício de Faro, no qual não teve oportunidade de participar e, agora, nem queria crer que tinha outro ali, "à porta da praia". Afinal, nada mais se passa do que desporto radical, que atrai sobretudo os mais pequeninos. Atirado para cima de um caixote, Sérgio Sousa Pinto passeia o olhar pelos garotos que pulam, excitados, na escolha difícil entre as várias atracções. "É o chamado investimento a longo prazo. Passamos um dia inteiro com pessoas que não votarão nos próximos dez anosÉ"

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