O tango em cimeira mundial

14-09-1999
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Néstor Marconi regressa a Lisboa

Para além de «resmungo de Buenos Aires e seus exilados, sua aflição musical, seu estertor sentimental, seu tremor neurótico, seu fragor sensual, seu arco-íris privativo»(na expressiva síntese de Ramón Gómez de La Serna), o tango constitui hoje uma expressão artística de consagração universal (por exemplo, adoptado como música nacional na Finlândia e, do outro lado do mundo, idolatrado no Japão).

Se um dos propósitos destas cimeiras é o do relacionamento entre cidades distantes ligadas por esta mesma criação essencialmente urbana, o melhor de tudo é a possibilidade do encontro com alguns dos seus grandes criadores. Vamos lá então, sem mais delongas, ao programa das festas.

O espectáculo inaugural será no Teatro da Trindade (como todos os principais), às 21h30 de 14 de Maio (quinta-feira). Na primeira parte actuará Oscar D'Auria y su Afro Tango. D'Auria é argentino, baterista - e não se pense que a bateria no tango é um fenómeno recente, pois já em 1924 existia na orquestra de Osvaldo Fresedo -, andou por outras áreas musicais, dedica-se ao tango desde 1985, procurando, à testa do seu grupo, aprofundar-lhe as raízes rítmicas pela incorporação de muita percussão afrocaribenha na melodia (sempre respeitada) do tango à da milonga, e criar um novo estilo, uma pulsação diferente da música de Buenos Aires. Preencherá a segunda parte o Quarteto de Los Maestros (Agri-Marconi). Mesmo sem saber quem são os outros dois, a mestria é certa. Antonio Agri (n. 1932) é, a par de Fernando Suárez Paz (já não se pode contar com Reynaldo Nichele, falecido recentemente), o maior violinista de tango vivo. Idêntica posição ocupa Néstor Marconi (n. 1942) no bandoneón. Ambos tocaram já em Lisboa (e a Maconi entrevistei-o para o EXPRESSO de 16/03/96).

Na noite de sexta-feira, 15 de Maio, teremos primeiro, sob o lema «Saudade de Piazzolla», o Duo Atlântico, formado pelo português José Rui Fernandes (flauta) e pelo argentino Carlos Gutkin (guitarra), e o conjunto Saxofonia, um quarteto de saxofones surgido em 1987 e constituído por José António Massarrão, José António Lopes, Mário Marques e Alberto Roque. Depois, acontecerá uma sessão magna de dança, entrecruzamento de «ballet» contemporâneo com tango. A grande bailarina clássica Eleanora Cassano integra-se na companhia TangoKinesis para a realização, sob direcção e coreografia de Ana María Stekelman, da obra Tango y Fuga, uma espécie de compaginação do tango (diversas versões de «El Choclo») com a música de J. S. Bach (Suite nº 1 para violino), seguida de «Concierto para Bongó», improvisação dançada sobre tema de Pérez Prado.

A função de 16 de Maio, sábado, abrirá com o trio israelita Opus 3, de Telavive, numa rara combinação de flauta, violoncelo e piano. E culminará com Eladia Blázquez acompanhada pelo grupo de Roberto Pansera. Senhora de idade já respeitável, Eladia Blázquez converteu-se integralmente ao tango em 1967, e desde então, como pianista, guitarrista, cantora, compositora e letrista («El Corazón al Sur», «A un Semejante», «Honrar la Vida», «Sueño de Barrilete» e mais 60), ocupa lugar cimento. Roberto Pansera (n. 1932), que também já actuou entre nós, é um bandoneósista e compositor de consagrados méritos, tendo integrado grandes orquestras e acompanhado os principais nomes do tango cantado (de Libertad Lamarque a Roberto Goyeneche).

O espectáculo de 17 de Maio, domingo, terá lugar às 16h30. De início, os alemães Tango Real Quartett, de Berlim. A seguir, a denominada «Tarde de Bailarinos». Aqui a figura principal é obviamente Maria Nieves que, ao longo de trinta anos, constitui, com Juan Carlos Copes, o par de baile mais importante da história do tango.

Depois do descanso de segunda-feira, o Teatro da Trindade volta a receber às 21h30 de terça, 19 de Maio. A primeira parte será estruturada na base da «Balade para un Loco», a genial composição de Astor Piazzolla e Horacio Ferrer. Além do trio El Borde (residente em Lisboa e liderado pelo pianista argentino Daniel Schvetz) e do cantor Juan Carlos Tajes, intervirá o próprio Horácio Ferrer (n. 1933), o mais dotado, imaginativo e revolucionário dos poetas modernos do tango, e o seu maior historiador. A encerrar, novamente a dança dos TangoKinesis.

A noite de 20 de Maio, quarta-feira, começará com Cacho Tirao (n. 1941), um dos grandes executantes de guitarra de tango de todos os tempos, com incursões igualmente virtuosísticas pela música clássica. Segue-se o agrupamento El Tango de Barcelona, com Elba Picó. O remate, denominado «Años de Glória», está a cargo do trio de Osvaldo Requena (n. 1931), pianista e compositor de sólida reputação e carreira vitoriosa, que já tocou em Lisboa, do cantor Néstor Fabián, da cantora Silvana Gregori, e dos bailarinos Leo (Calvelli) e Eugénia (Usandivaras).

Quinta-feira, 21 de Maio, será para escutar o grupo Tupambaé da cantora Mabel González (residentes na Holanda), de novo Juan Carlos Tajes, e por último, debaixo da designação «Asi Me Gusta el Tango», outra vez Roberto Pansera, o cantor Luis Filipelli e o Duo Vat-Macri, formado pelo saxofonista Julián Vat e pelo pianista e violoncelista Marcelo Macri, praticantes jovens de um tango de tipo experimental, à procura de novos caminhos tímbricos, harmónicos e rítmicos.

Em 22 de Maio, sexta-feira, os aperitivos, passe a expressão, são fornecidos pelo Cuarteto Almagro, vindo de Wiesbaden (Alemanha) e pelos finlandeses da Orquestra La Milonga. O prato forte leva o nome de «El Tango Es Rubén Juárez». É que, de facto, Rubén Juárez (n. 1947), cantor, bandoneósista e compositor, pela sua esplêndida voz de barítono e inconfundível estilo de entoação e fraseado, pela perfeita conjunção entre o canto e o som que extrai do bandoneón, pela riqueza temperamental, afirma-se não só como a figura mais importante da sua geração mas também como um gigante do tango de sempre.

Sábado, 23 de Maio é a noite de encerramento. Abertura com o grupo Tango A Três, de Roma, e finalização, ao jeito de girândola ou apoteose, denominada «Os Grandes com o Tango», em que actuarão os melhores instrumentistas, cantores e bailarinos dos precedentes, ou, pelo menos, os que nesta data ainda cá estiverem.

É claro que as actividades da 4ª Cimeira Mundial do Tango não se poderiam confirmar aos concertos no Teatro da Trindade. E aí está toda uma outra programação a complementá-los.

O Teatro Taborda (na Costa do Castelo) abrirá as suas portas, às 21h do dia 20, para a representação do monólogo teatral Adiós Muchachos (evocativo da última noite de vida de Carlos Gardel), da autoria de José Jorge Letria, interpretado por André Gago. O dia seguinte, a partir das 21h30, será por conta de músicos espanhóis: Cambalache, de Barcelona, Pucherito de Gallina, de Cádiz, e Carmen Garmendia, de San Sebastian. À mesma hora do dia 22, o conjunto Vertigo de Amor Y Celos, de Madrid, e os bailarinos argentinos Marcela (Amoedo) e Marcelo (Franceschi).

No Intitut Franco-Portugais, um concerto no dia 19 com os israelitas Opus 3 e os portugueses, de Águeda, 4 Portango. Outro, no dia 20, com os finlandeses La Milonga, os lisboetas Duo Atlântico e os Tango Tupambaé de Dordrecht (Hoplanda). Ambos às 21h.

O Goethe Institut recebe no dia 20, às 21h30, os 4 Portango e os berlinenses Tango Real Quartett. À mesma hora de 21, o Duo Atlântico e o Cuarteto Almagro, de Wiesbaden.

No Instituto Cervantes colóquios nos dias 20 e 21 (às 17h30), e uma actuação no mesmo 21, pelas 21h, intitulada «Sabor a Tango».

O mais que isto são bailes diários (de 13 a 23) no Mercado da Ribeira, ao dom da Orquestra Municipal de Rio Negro (Uruguai); são animações de rua (música e dança) no Castelo de S. Jorge (16, 12h30), nas Portas de Santo Antão (16, 12h30 e 22 à mesma hora), Miradouro de Santa Luzia (21, 12h30), Rua Augusta (15 e 22, 17h30) e Pátio Siza Vieira, ao Chiado (21, 17h30); são exposições no Teatro da Trindade; é a música ao vivo nos eléctricos dos circuitos do Tejo e das Colinas. E ainda uma conferência na Biblioteca-Museu República e Resistência, pelas 19h do dia 18, por Adolfo Gutkin e Ruben de Carvalho.

Parabéns, para já, à Câmara Municipal de Lisboa e ao seu pelouro de Turismo, que se propôs abrir os cordões à bolsa. Esperamos também poder dá-los a todos (IFICT, Eutaxia, Adolfo Gutkin, Horácio Rébora, Mário Vale Lima e Daniel Schvetz) os que organizaram e produziram este banquete para os amantes do tango.

JOSÉ QUITÉRIO

Néstor Marconi regressa a Lisboa

Para além de «resmungo de Buenos Aires e seus exilados, sua aflição musical, seu estertor sentimental, seu tremor neurótico, seu fragor sensual, seu arco-íris privativo»(na expressiva síntese de Ramón Gómez de La Serna), o tango constitui hoje uma expressão artística de consagração universal (por exemplo, adoptado como música nacional na Finlândia e, do outro lado do mundo, idolatrado no Japão).

Se um dos propósitos destas cimeiras é o do relacionamento entre cidades distantes ligadas por esta mesma criação essencialmente urbana, o melhor de tudo é a possibilidade do encontro com alguns dos seus grandes criadores. Vamos lá então, sem mais delongas, ao programa das festas.

O espectáculo inaugural será no Teatro da Trindade (como todos os principais), às 21h30 de 14 de Maio (quinta-feira). Na primeira parte actuará Oscar D'Auria y su Afro Tango. D'Auria é argentino, baterista - e não se pense que a bateria no tango é um fenómeno recente, pois já em 1924 existia na orquestra de Osvaldo Fresedo -, andou por outras áreas musicais, dedica-se ao tango desde 1985, procurando, à testa do seu grupo, aprofundar-lhe as raízes rítmicas pela incorporação de muita percussão afrocaribenha na melodia (sempre respeitada) do tango à da milonga, e criar um novo estilo, uma pulsação diferente da música de Buenos Aires. Preencherá a segunda parte o Quarteto de Los Maestros (Agri-Marconi). Mesmo sem saber quem são os outros dois, a mestria é certa. Antonio Agri (n. 1932) é, a par de Fernando Suárez Paz (já não se pode contar com Reynaldo Nichele, falecido recentemente), o maior violinista de tango vivo. Idêntica posição ocupa Néstor Marconi (n. 1942) no bandoneón. Ambos tocaram já em Lisboa (e a Maconi entrevistei-o para o EXPRESSO de 16/03/96).

Na noite de sexta-feira, 15 de Maio, teremos primeiro, sob o lema «Saudade de Piazzolla», o Duo Atlântico, formado pelo português José Rui Fernandes (flauta) e pelo argentino Carlos Gutkin (guitarra), e o conjunto Saxofonia, um quarteto de saxofones surgido em 1987 e constituído por José António Massarrão, José António Lopes, Mário Marques e Alberto Roque. Depois, acontecerá uma sessão magna de dança, entrecruzamento de «ballet» contemporâneo com tango. A grande bailarina clássica Eleanora Cassano integra-se na companhia TangoKinesis para a realização, sob direcção e coreografia de Ana María Stekelman, da obra Tango y Fuga, uma espécie de compaginação do tango (diversas versões de «El Choclo») com a música de J. S. Bach (Suite nº 1 para violino), seguida de «Concierto para Bongó», improvisação dançada sobre tema de Pérez Prado.

A função de 16 de Maio, sábado, abrirá com o trio israelita Opus 3, de Telavive, numa rara combinação de flauta, violoncelo e piano. E culminará com Eladia Blázquez acompanhada pelo grupo de Roberto Pansera. Senhora de idade já respeitável, Eladia Blázquez converteu-se integralmente ao tango em 1967, e desde então, como pianista, guitarrista, cantora, compositora e letrista («El Corazón al Sur», «A un Semejante», «Honrar la Vida», «Sueño de Barrilete» e mais 60), ocupa lugar cimento. Roberto Pansera (n. 1932), que também já actuou entre nós, é um bandoneósista e compositor de consagrados méritos, tendo integrado grandes orquestras e acompanhado os principais nomes do tango cantado (de Libertad Lamarque a Roberto Goyeneche).

O espectáculo de 17 de Maio, domingo, terá lugar às 16h30. De início, os alemães Tango Real Quartett, de Berlim. A seguir, a denominada «Tarde de Bailarinos». Aqui a figura principal é obviamente Maria Nieves que, ao longo de trinta anos, constitui, com Juan Carlos Copes, o par de baile mais importante da história do tango.

Depois do descanso de segunda-feira, o Teatro da Trindade volta a receber às 21h30 de terça, 19 de Maio. A primeira parte será estruturada na base da «Balade para un Loco», a genial composição de Astor Piazzolla e Horacio Ferrer. Além do trio El Borde (residente em Lisboa e liderado pelo pianista argentino Daniel Schvetz) e do cantor Juan Carlos Tajes, intervirá o próprio Horácio Ferrer (n. 1933), o mais dotado, imaginativo e revolucionário dos poetas modernos do tango, e o seu maior historiador. A encerrar, novamente a dança dos TangoKinesis.

A noite de 20 de Maio, quarta-feira, começará com Cacho Tirao (n. 1941), um dos grandes executantes de guitarra de tango de todos os tempos, com incursões igualmente virtuosísticas pela música clássica. Segue-se o agrupamento El Tango de Barcelona, com Elba Picó. O remate, denominado «Años de Glória», está a cargo do trio de Osvaldo Requena (n. 1931), pianista e compositor de sólida reputação e carreira vitoriosa, que já tocou em Lisboa, do cantor Néstor Fabián, da cantora Silvana Gregori, e dos bailarinos Leo (Calvelli) e Eugénia (Usandivaras).

Quinta-feira, 21 de Maio, será para escutar o grupo Tupambaé da cantora Mabel González (residentes na Holanda), de novo Juan Carlos Tajes, e por último, debaixo da designação «Asi Me Gusta el Tango», outra vez Roberto Pansera, o cantor Luis Filipelli e o Duo Vat-Macri, formado pelo saxofonista Julián Vat e pelo pianista e violoncelista Marcelo Macri, praticantes jovens de um tango de tipo experimental, à procura de novos caminhos tímbricos, harmónicos e rítmicos.

Em 22 de Maio, sexta-feira, os aperitivos, passe a expressão, são fornecidos pelo Cuarteto Almagro, vindo de Wiesbaden (Alemanha) e pelos finlandeses da Orquestra La Milonga. O prato forte leva o nome de «El Tango Es Rubén Juárez». É que, de facto, Rubén Juárez (n. 1947), cantor, bandoneósista e compositor, pela sua esplêndida voz de barítono e inconfundível estilo de entoação e fraseado, pela perfeita conjunção entre o canto e o som que extrai do bandoneón, pela riqueza temperamental, afirma-se não só como a figura mais importante da sua geração mas também como um gigante do tango de sempre.

Sábado, 23 de Maio é a noite de encerramento. Abertura com o grupo Tango A Três, de Roma, e finalização, ao jeito de girândola ou apoteose, denominada «Os Grandes com o Tango», em que actuarão os melhores instrumentistas, cantores e bailarinos dos precedentes, ou, pelo menos, os que nesta data ainda cá estiverem.

É claro que as actividades da 4ª Cimeira Mundial do Tango não se poderiam confirmar aos concertos no Teatro da Trindade. E aí está toda uma outra programação a complementá-los.

O Teatro Taborda (na Costa do Castelo) abrirá as suas portas, às 21h do dia 20, para a representação do monólogo teatral Adiós Muchachos (evocativo da última noite de vida de Carlos Gardel), da autoria de José Jorge Letria, interpretado por André Gago. O dia seguinte, a partir das 21h30, será por conta de músicos espanhóis: Cambalache, de Barcelona, Pucherito de Gallina, de Cádiz, e Carmen Garmendia, de San Sebastian. À mesma hora do dia 22, o conjunto Vertigo de Amor Y Celos, de Madrid, e os bailarinos argentinos Marcela (Amoedo) e Marcelo (Franceschi).

No Intitut Franco-Portugais, um concerto no dia 19 com os israelitas Opus 3 e os portugueses, de Águeda, 4 Portango. Outro, no dia 20, com os finlandeses La Milonga, os lisboetas Duo Atlântico e os Tango Tupambaé de Dordrecht (Hoplanda). Ambos às 21h.

O Goethe Institut recebe no dia 20, às 21h30, os 4 Portango e os berlinenses Tango Real Quartett. À mesma hora de 21, o Duo Atlântico e o Cuarteto Almagro, de Wiesbaden.

No Instituto Cervantes colóquios nos dias 20 e 21 (às 17h30), e uma actuação no mesmo 21, pelas 21h, intitulada «Sabor a Tango».

O mais que isto são bailes diários (de 13 a 23) no Mercado da Ribeira, ao dom da Orquestra Municipal de Rio Negro (Uruguai); são animações de rua (música e dança) no Castelo de S. Jorge (16, 12h30), nas Portas de Santo Antão (16, 12h30 e 22 à mesma hora), Miradouro de Santa Luzia (21, 12h30), Rua Augusta (15 e 22, 17h30) e Pátio Siza Vieira, ao Chiado (21, 17h30); são exposições no Teatro da Trindade; é a música ao vivo nos eléctricos dos circuitos do Tejo e das Colinas. E ainda uma conferência na Biblioteca-Museu República e Resistência, pelas 19h do dia 18, por Adolfo Gutkin e Ruben de Carvalho.

Parabéns, para já, à Câmara Municipal de Lisboa e ao seu pelouro de Turismo, que se propôs abrir os cordões à bolsa. Esperamos também poder dá-los a todos (IFICT, Eutaxia, Adolfo Gutkin, Horácio Rébora, Mário Vale Lima e Daniel Schvetz) os que organizaram e produziram este banquete para os amantes do tango.

JOSÉ QUITÉRIO

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