É possível reformar o PCP?

03-10-1999
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Cunhal e Carvalhas: o líder histórico do PCP mantém-se intransigente na recusa da renovação a que o seu sucessor manifesta abertura. Resta saber quem, hoje, tem a «força do PC»

Em Sacavém, no sábado passado, Cunhal foi peremptório na defesa da linha ortodoxa: «Sou membro do PCP desde os 17 anos e morrerei dentro do PCP como grande partido revolucionário». E, assim, o líder histórico dos comunistas resumiu a oposição do «núcleo duro» do partido às teses dos defensores da mudança como única alternativa de futuro para o PCP.

A alternativa Vítor Dias

O confronto entre «conservadores» e «renovadores» ficou, aliás, bem patente na acalorada discussão na última reunião da Comissão Política, no princípio da semana. Especialmente depois das declarações de Carlos Carvalhas, no domingo - não se demarcando dos movimentos reformadores e, antes pelo contrário, defendendo a necessidade de «rejuvenescimento» do partido num discurso muito idêntico ao de João Amaral -, que geraram muito mal-estar entre os dirigentes da «linha dura». Ao ponto de se avançar já com o nome de Vítor Dias (o «delfim» de Cunhal) para eventualmente se afirmar como candidato à sucessão de Carvalhas caso o secretário-geral mantenha a sua abertura aos movimentos pró-renovação.

Apesar da resistência de Cunhal e seus seguidores são cada vez mais os sinais da irreversibilidade do movimento reformador. Essa é, aliás, a mesma leitura de destacados ex-militantes do PCP, como Zita Seabra, José Magalhães ou Raimundo Narciso, que afastam qualquer possibilidade de reedição do processo que - há anos - os conduziu à expulsão do partido.

A conclusão de que já não há «condições políticas» ou «espaço» para «novas purgas» é unânime. Não obstante, as expectativas dos que estão de fora quanto ao sucesso dos movimentos reformadores dos que estão dentro não são excessivamente optimistas.

As reservas dos ex-PC's

«O PCP, como qualquer outro partido comunista, não é renovável» (Zita Seabra)

Posição oposta à da ex-camarada tem o actual vice-presidente da bancada parlamentar do PS, José Magalhães - outro ex-destacado deputado comunista -, para quem a reforma no PCP não só não é questionável como é um facto. A prová-lo, como disse ao EXPRESSO, é que «ela está em curso».

E, bem assim, para o também ex-PCP e hoje deputado socialista Raimundo Narciso, que acredita que «a transformação do PCP é possível».

A questão, porém, como argumentou Zita Seabra, é que, estando em causa o futuro do partido, resta saber como deve interpretar-se essa mudança. «Se, de facto, o PCP inicia um processo de democratização, muito provavelmente deixará de ser comunista. Começa por retirar a foice e o martelo, depois abandona a bandeira e, finalmente, mudará de nome», declarou. Mas, para isso, e para evitar que o PCP se vá «reduzindo cada vez mais a um 'ghetto'» (uma «imagem» a que o ex-comunista e actual eurodeputado socialista Barros Moura recorreu no seu artigo publicado no EXPRESSO da semana passada), Zita Seabra acha que é «demasiado tarde». Ou, desvalorizando a contradição, demasiado cedo se se considerar que a antiga activista do PCP é de opinião que «o processo de refundação do partido nunca se fará com a vontade de Cunhal» mas, «quando muito, contra a vontade dele e contra toda a sua herança histórica».

A «técnica» de Álvaro Cunhal

A «presença física» de Álvaro Cunhal e seus pares da «geração da clandestinidade» e, bem assim, de «muitos outros, mais novos, mas não menos ortodoxos», é igualmente considerada por Raimundo Narciso como «um estrangulamento» e um «forte obstáculo» à renovação. É que, salienta, não só o «peso» do «núcleo duro» continua a ser «muito grande no aparelho», como os «quadros com maior capacidade de renovação terão de ultrapassar o problema de terem condescendido tanto e durante tanto tempo às teses ortodoxas que só agora questionam».

«A transformação do PCP não se questiona, está em curso!» (José Magalhães)

Magalhães mostra-se, no entanto, «optimista» relativamente ao processo de renovação em curso. Até porque, na sua observação, o debate já atingiu proporções que o levam a classificá-lo como «incontornável». «A técnica do dr. Cunhal era abortar tudo precocemente. Raspar cedo e não deixar nada», acrescenta Magalhães, recordando que «foi assim» no processo que conduziu à sua - e dos membros da «terceira via» e do «grupo dos seis» - saída do PCP.

O vice-presidente da bancada socialista admite ainda, porém, que todo este processo possa acabar por redundar na «transformação do PCP numa espécie de UDP».

Um risco para o qual, aliás, outros ex-comunistas, como Barros Moura e Vital Moreira, também advertem.

No último EXPRESSO, Barros Moura, teorizando sobre as alternativas de futuro para o PCP, considerava que as opções dos comunistas são apenas duas: ou a refundação à italiana e à francesa, ou a marginalização «alienando o apoio dos sectores sociais mais dinâmicos, como uma espécie de UDP em ponto circunstancialmente maior».

Por seu turno, Vital Moreira, titulando o seu artigo no «Público» de terça-feira com «A 'udepização' do PCP», mostra muitas reticências quanto à existência de uma solução para o que classificou de «dilema do PCP».

E fundamenta as suas reservas quanto ao êxito na renovação em dois obstáculos principais, que relaciona com a «persistente influência do antigo dirigente máximo do partido» e a «debilidade da actual liderança partidária».

Mário Ramires

Cunhal e Carvalhas: o líder histórico do PCP mantém-se intransigente na recusa da renovação a que o seu sucessor manifesta abertura. Resta saber quem, hoje, tem a «força do PC»

Em Sacavém, no sábado passado, Cunhal foi peremptório na defesa da linha ortodoxa: «Sou membro do PCP desde os 17 anos e morrerei dentro do PCP como grande partido revolucionário». E, assim, o líder histórico dos comunistas resumiu a oposição do «núcleo duro» do partido às teses dos defensores da mudança como única alternativa de futuro para o PCP.

A alternativa Vítor Dias

O confronto entre «conservadores» e «renovadores» ficou, aliás, bem patente na acalorada discussão na última reunião da Comissão Política, no princípio da semana. Especialmente depois das declarações de Carlos Carvalhas, no domingo - não se demarcando dos movimentos reformadores e, antes pelo contrário, defendendo a necessidade de «rejuvenescimento» do partido num discurso muito idêntico ao de João Amaral -, que geraram muito mal-estar entre os dirigentes da «linha dura». Ao ponto de se avançar já com o nome de Vítor Dias (o «delfim» de Cunhal) para eventualmente se afirmar como candidato à sucessão de Carvalhas caso o secretário-geral mantenha a sua abertura aos movimentos pró-renovação.

Apesar da resistência de Cunhal e seus seguidores são cada vez mais os sinais da irreversibilidade do movimento reformador. Essa é, aliás, a mesma leitura de destacados ex-militantes do PCP, como Zita Seabra, José Magalhães ou Raimundo Narciso, que afastam qualquer possibilidade de reedição do processo que - há anos - os conduziu à expulsão do partido.

A conclusão de que já não há «condições políticas» ou «espaço» para «novas purgas» é unânime. Não obstante, as expectativas dos que estão de fora quanto ao sucesso dos movimentos reformadores dos que estão dentro não são excessivamente optimistas.

As reservas dos ex-PC's

«O PCP, como qualquer outro partido comunista, não é renovável» (Zita Seabra)

Posição oposta à da ex-camarada tem o actual vice-presidente da bancada parlamentar do PS, José Magalhães - outro ex-destacado deputado comunista -, para quem a reforma no PCP não só não é questionável como é um facto. A prová-lo, como disse ao EXPRESSO, é que «ela está em curso».

E, bem assim, para o também ex-PCP e hoje deputado socialista Raimundo Narciso, que acredita que «a transformação do PCP é possível».

A questão, porém, como argumentou Zita Seabra, é que, estando em causa o futuro do partido, resta saber como deve interpretar-se essa mudança. «Se, de facto, o PCP inicia um processo de democratização, muito provavelmente deixará de ser comunista. Começa por retirar a foice e o martelo, depois abandona a bandeira e, finalmente, mudará de nome», declarou. Mas, para isso, e para evitar que o PCP se vá «reduzindo cada vez mais a um 'ghetto'» (uma «imagem» a que o ex-comunista e actual eurodeputado socialista Barros Moura recorreu no seu artigo publicado no EXPRESSO da semana passada), Zita Seabra acha que é «demasiado tarde». Ou, desvalorizando a contradição, demasiado cedo se se considerar que a antiga activista do PCP é de opinião que «o processo de refundação do partido nunca se fará com a vontade de Cunhal» mas, «quando muito, contra a vontade dele e contra toda a sua herança histórica».

A «técnica» de Álvaro Cunhal

A «presença física» de Álvaro Cunhal e seus pares da «geração da clandestinidade» e, bem assim, de «muitos outros, mais novos, mas não menos ortodoxos», é igualmente considerada por Raimundo Narciso como «um estrangulamento» e um «forte obstáculo» à renovação. É que, salienta, não só o «peso» do «núcleo duro» continua a ser «muito grande no aparelho», como os «quadros com maior capacidade de renovação terão de ultrapassar o problema de terem condescendido tanto e durante tanto tempo às teses ortodoxas que só agora questionam».

«A transformação do PCP não se questiona, está em curso!» (José Magalhães)

Magalhães mostra-se, no entanto, «optimista» relativamente ao processo de renovação em curso. Até porque, na sua observação, o debate já atingiu proporções que o levam a classificá-lo como «incontornável». «A técnica do dr. Cunhal era abortar tudo precocemente. Raspar cedo e não deixar nada», acrescenta Magalhães, recordando que «foi assim» no processo que conduziu à sua - e dos membros da «terceira via» e do «grupo dos seis» - saída do PCP.

O vice-presidente da bancada socialista admite ainda, porém, que todo este processo possa acabar por redundar na «transformação do PCP numa espécie de UDP».

Um risco para o qual, aliás, outros ex-comunistas, como Barros Moura e Vital Moreira, também advertem.

No último EXPRESSO, Barros Moura, teorizando sobre as alternativas de futuro para o PCP, considerava que as opções dos comunistas são apenas duas: ou a refundação à italiana e à francesa, ou a marginalização «alienando o apoio dos sectores sociais mais dinâmicos, como uma espécie de UDP em ponto circunstancialmente maior».

Por seu turno, Vital Moreira, titulando o seu artigo no «Público» de terça-feira com «A 'udepização' do PCP», mostra muitas reticências quanto à existência de uma solução para o que classificou de «dilema do PCP».

E fundamenta as suas reservas quanto ao êxito na renovação em dois obstáculos principais, que relaciona com a «persistente influência do antigo dirigente máximo do partido» e a «debilidade da actual liderança partidária».

Mário Ramires

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