As fontes de Pacheco

06-10-1999
marcar artigo

As fontes de Pacheco

Por JOSÉ CASANOVA

Membro da Comissão Política

A pretexto da visita de José Saramago a Cuba, Pacheco Pereira escreveu e mandou publicar no «Diário de Notícias» um texto que, pelo conteúdo, se assemelha a uma sentença do Tribunal Plenário de outros tempos e, pela forma, nos traz à memória o «Diário da Manhã» da mesma época. Trata-se de um grito de desespero e, simultâneamente, de um disparo de raivas e rancores, tudo isto em mau Português e confirmando os preocupantes sintomas patentes em vários dos seus recentes artigos.

Desta vez, os alvos das pachecais iras são três dos seus ódios de estimação: os comunistas em geral e Saramago e Cuba em particular.

A Saramago, Pacheco jamais perdoará o sacrilégio de ter ido a Estocolmo dizer o que disse. De facto, não há direito: anda o diligente Pacheco numa roda viva, há anos e anos, a fazer o desbragado elogio do capitalismo e das suas paradisíacas decorrências e eis que Saramago, em escassos minutos, de Nobel na mão, diz ao Mundo que tudo aquilo são tretas. E o Mundo, ingrato, ouve Saramago e, cruel, ri-se de Pacheco. Que ferro! Acresce que Pacheco é pequenino e sabe-o; é baixinho e sabe-o; é minúsculo e sabe-o; não é sábio e sabe-o ; e sabe, ainda, que nem subindo ao mais alto degrau do mais alto escadote disponibilizado por qualquer daquelas fundações norte-americanas, género Fundação Olin(1) - mesmo que instalado sobre uma plataforma composta pelo DN, pela TSF, pela Vinda Mundial, pela SIC e por etc... - nem assim conseguirá chegar às proximidades dos calcanhares de Saramago. Pacheco sabe tudo isto - que é muito - e, pobre dele, sofre com tanto saber. Daí os desabafos públicos a que, cada vez mais frequentemente, recorre.

Pacheco não admite a mínima contestação ao reino da nova ordem imperialista, modelo de democracia e liberdades que faz as suas delícias e preenche os seus sonhos. Muito menos suporta a existência de um país e de um povo que teimam no objectivo de construir uma sociedade socialista. «Cuba é governada por um partido único» - coisa que Pacheco não tolera e a que contrapõe o unipartidarismo bicéfalo em vigor nos EUA e em vias de exportação para todo o planeta; em Cuba «não há imprensa, nem rádio, nem televisão livre. Há censura e prisões políticas. Não há liberdade de expressão, de associação. Não há liberdade nenhuma» - coisas que Pacheco não tolera, satisfeito que está com a liberdade toda existente nos mesmos EUA (exemplo que adopto como termo de comparação por estar ali mesmo ao lado de Cuba e por ser a expressão mais avançada do modelo de sociedade que faz correr Pacheco). É claro que a «informação» de que Pacheco dispõe em relação a Cuba (e estou em crer que em relação a todas as áreas onde exerce a sua implacável investigação) é, essencialmente, bebida nas fontes onde se acotovela o cardume de especialistas na revisão contra-revolucionária da história das revoluções composto pelos seus irmãos de trajectória política (e não sei se só). É claro, também, que essas fontes são alimentadas por uma diversificada rede de caneiros da qual emergem aquelas fundações norte-americanas, género Fundação Olin (2), que sabem tudo sobre tudo o que lhes interessa saber e que fazem questão de divulgar planetáriamente todo esse saber. Ora, com tantas e tais fontes disponíveis para saciar a sua sede de saber estórias, Pacheco bebe e aprende, incha e aprende. Senhores, as estórias que este estoriador sabe!: era uma vez em Cuba, onde o Fidel era «campeão incontestado de basquetebol» porque os seus adversários «o deixavam ganhar» - vejam bem!; e era uma vez a URSS que convidou Bernard Shaw para a visitar... e por aí fora, num nunca acabar de estórias que fazem a estória e sempre com a fasquia colocada a este elevado nível de investigação, reflexão e análise... estóricas.

Pretendendo-se mais clintonista que Clinton, Pacheco considera o «embargo americano» a Cuba «um erro político dos Estados Unidos». Porque o embargo - manifestação concreta da brutalidade imperialista, exibição arrogante da sua condição de dono do Mundo - é responsável pelo sofrimento de milhões de pessoas? Não: porque, segundo Pacheco, sem esse embargo a experiência socialista de Cuba já teria sido derrotada e a pátria de Martí e Fidel já teria entrado nos eixos da nova ordem imperialista de cariz totalitário que tanto agrada ao estoriador. Infelizmente, Clinton está-se borrifando para as opiniões de Pacheco... Quanto ao futuro de Cuba, não estou em condições de garantir, certeza certa, qual o desfecho final da brutal, violenta, desumana, antidemocrática, criminosa ofensiva dos amigos de Pacheco contra um país e um povo que assumem o direito de decidir o seu próprio destino. Estou convicto, no entanto - pelo que vi e pelo que ouvi - que a resistência do povo cubano prosseguirá, que Cuba será sempre um osso duro de roer para o imperialismo e que a funda de David se sobreporá à força bruta, à bestialidade de Golias. Pacheco, sempre bem informado, garante que «só um cego é que não percebe» que aquilo a que se chama «resistência do povo cubano não é resistência nem muito menos do povo cubano» - e face a tão categórica garantia produzida por pessoa de tantos saberes, reduzo-me à minha insignificância, limitando-me a anotar os maus tratos a que o estoriador submete a Língua Portuguesa e a sublinhar que há no povo cubano uma dignidade que Pacheco, por razões óbvias, jamais entenderá.

Mas onde o inimitável Pacheco se supera a si próprio é no que toca aos «crimes do comunismo», seu tema preferido desde que a Fundação Olin (3) encomendou a um francês, seu irmão gémeo, a feitura de uma coisa que deveria chamar-se «Livro Negro do Comunismo». Diz o estoriador que «os comunistas hoje admitem os crimes do passado» mas fazem-no «de forma ritual e pouco sincera» e apenas para «legitimar as críticas que fazem a seguir ao 'capitalismo', fautor de crimes 'semelhantes'»! Eis-nos perante um curiosíssimo método de investigação histórica, cujo pressupõe de duas uma: ou Pacheco passou a possuir um qualquer divino dom que lhe permite medir de forma objectiva essa coisa subjectivíssima que é a sinceridade dos outros (ou a falta dela) - hipótese que é de excluir visto que, se assim fosse, já se teria sabido e Pacheco teria lugar marcado na lista de beatificações para o próximo 13 de Maio; ou Pacheco adoptou, como método de investigação histórica aquele que é utilizado por milhões de portugueses no preenchimento semanal dos seus boletins de totobola e totoloto, ou seja, o cientificíssimo método do palpite ou da fèzada - hipótese que se me afigura a única possível.

Pacheco, ai dele!, sofre desalmadamente porque ninguém, em seu perfeito juízo, lhe compra «história», porque ninguém, em seu perfeito juízo, lhe aceita a tese de que «comunismo é igual a nazismo». E tamanho é o desespero de Pacheco que o pobre sujeita-se, mesmo, a passar pela vergonha de ter que vir a público suplicar que o acreditem quando jura que não há ideologia capitalista e que o capitalismo é a ordem natural das coisas. Quanto aos crimes, Pacheco vive o drama terrível de se sentir responsável por todos... Primeiro - enquanto revolucionário divulgador e panegirista da «revolução cultural» e do slogan «o imperialismo é um tigre de papel» - foi co-responsável pelos crimes daí decorrentes; depois - já ex-revolucionário ao serviço dos interesses do ex-tigre de papel e enquanto divulgador e panegirista do pensamento único - passou a carregar sobre os ombros a co-responsabilidade de todos os crimes diariamente cometidos pelos seus novos ídolos.

E já agora, é preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que os comunistas condenam e rejeitam todos os crimes praticados, em nome do comunismo (e de que foram vítimas muitos comunistas), em vários países onde houve tentativas de criação de sociedades socialistas. É preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que esses crimes constituiram frontais perversões do ideal e do projecto comunista. E é preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que o facto de todas as pessoas inteligentes e informadas se rirem dele quando pretende identificar comunismo com nazismo, reside entre muitas outras razões na seguinte: o capitalismo - quer na sua versão «democrática», quer nas suas variegadas derivas enquanto ditadura terrorista do capital - é, pela sua essência opressora e exploradora, um sistema do qual o crime é parte integrante, que traz o crime consigo e em si. Ou seja, e resumindo tudo o que acima é dito: enquanto no socialismo o crime resulta de afrontamentos e perversões de ideais, no capitalismo de Pacheco o crime é um ideal do sistema, é a ordem natural das coisas.

(1), (2), (3) - Mesmo presumindo que Pacheco conhece esta matéria muito melhor do que eu a conheço, um dia destes falarei aqui da Fundação Olin e da sua missão nos EUA e no Mundo, dos fundos de que dispõe e de como os distribui, dos resultados concretos dessa distribuição, etc, etc.

«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999

As fontes de Pacheco

Por JOSÉ CASANOVA

Membro da Comissão Política

A pretexto da visita de José Saramago a Cuba, Pacheco Pereira escreveu e mandou publicar no «Diário de Notícias» um texto que, pelo conteúdo, se assemelha a uma sentença do Tribunal Plenário de outros tempos e, pela forma, nos traz à memória o «Diário da Manhã» da mesma época. Trata-se de um grito de desespero e, simultâneamente, de um disparo de raivas e rancores, tudo isto em mau Português e confirmando os preocupantes sintomas patentes em vários dos seus recentes artigos.

Desta vez, os alvos das pachecais iras são três dos seus ódios de estimação: os comunistas em geral e Saramago e Cuba em particular.

A Saramago, Pacheco jamais perdoará o sacrilégio de ter ido a Estocolmo dizer o que disse. De facto, não há direito: anda o diligente Pacheco numa roda viva, há anos e anos, a fazer o desbragado elogio do capitalismo e das suas paradisíacas decorrências e eis que Saramago, em escassos minutos, de Nobel na mão, diz ao Mundo que tudo aquilo são tretas. E o Mundo, ingrato, ouve Saramago e, cruel, ri-se de Pacheco. Que ferro! Acresce que Pacheco é pequenino e sabe-o; é baixinho e sabe-o; é minúsculo e sabe-o; não é sábio e sabe-o ; e sabe, ainda, que nem subindo ao mais alto degrau do mais alto escadote disponibilizado por qualquer daquelas fundações norte-americanas, género Fundação Olin(1) - mesmo que instalado sobre uma plataforma composta pelo DN, pela TSF, pela Vinda Mundial, pela SIC e por etc... - nem assim conseguirá chegar às proximidades dos calcanhares de Saramago. Pacheco sabe tudo isto - que é muito - e, pobre dele, sofre com tanto saber. Daí os desabafos públicos a que, cada vez mais frequentemente, recorre.

Pacheco não admite a mínima contestação ao reino da nova ordem imperialista, modelo de democracia e liberdades que faz as suas delícias e preenche os seus sonhos. Muito menos suporta a existência de um país e de um povo que teimam no objectivo de construir uma sociedade socialista. «Cuba é governada por um partido único» - coisa que Pacheco não tolera e a que contrapõe o unipartidarismo bicéfalo em vigor nos EUA e em vias de exportação para todo o planeta; em Cuba «não há imprensa, nem rádio, nem televisão livre. Há censura e prisões políticas. Não há liberdade de expressão, de associação. Não há liberdade nenhuma» - coisas que Pacheco não tolera, satisfeito que está com a liberdade toda existente nos mesmos EUA (exemplo que adopto como termo de comparação por estar ali mesmo ao lado de Cuba e por ser a expressão mais avançada do modelo de sociedade que faz correr Pacheco). É claro que a «informação» de que Pacheco dispõe em relação a Cuba (e estou em crer que em relação a todas as áreas onde exerce a sua implacável investigação) é, essencialmente, bebida nas fontes onde se acotovela o cardume de especialistas na revisão contra-revolucionária da história das revoluções composto pelos seus irmãos de trajectória política (e não sei se só). É claro, também, que essas fontes são alimentadas por uma diversificada rede de caneiros da qual emergem aquelas fundações norte-americanas, género Fundação Olin (2), que sabem tudo sobre tudo o que lhes interessa saber e que fazem questão de divulgar planetáriamente todo esse saber. Ora, com tantas e tais fontes disponíveis para saciar a sua sede de saber estórias, Pacheco bebe e aprende, incha e aprende. Senhores, as estórias que este estoriador sabe!: era uma vez em Cuba, onde o Fidel era «campeão incontestado de basquetebol» porque os seus adversários «o deixavam ganhar» - vejam bem!; e era uma vez a URSS que convidou Bernard Shaw para a visitar... e por aí fora, num nunca acabar de estórias que fazem a estória e sempre com a fasquia colocada a este elevado nível de investigação, reflexão e análise... estóricas.

Pretendendo-se mais clintonista que Clinton, Pacheco considera o «embargo americano» a Cuba «um erro político dos Estados Unidos». Porque o embargo - manifestação concreta da brutalidade imperialista, exibição arrogante da sua condição de dono do Mundo - é responsável pelo sofrimento de milhões de pessoas? Não: porque, segundo Pacheco, sem esse embargo a experiência socialista de Cuba já teria sido derrotada e a pátria de Martí e Fidel já teria entrado nos eixos da nova ordem imperialista de cariz totalitário que tanto agrada ao estoriador. Infelizmente, Clinton está-se borrifando para as opiniões de Pacheco... Quanto ao futuro de Cuba, não estou em condições de garantir, certeza certa, qual o desfecho final da brutal, violenta, desumana, antidemocrática, criminosa ofensiva dos amigos de Pacheco contra um país e um povo que assumem o direito de decidir o seu próprio destino. Estou convicto, no entanto - pelo que vi e pelo que ouvi - que a resistência do povo cubano prosseguirá, que Cuba será sempre um osso duro de roer para o imperialismo e que a funda de David se sobreporá à força bruta, à bestialidade de Golias. Pacheco, sempre bem informado, garante que «só um cego é que não percebe» que aquilo a que se chama «resistência do povo cubano não é resistência nem muito menos do povo cubano» - e face a tão categórica garantia produzida por pessoa de tantos saberes, reduzo-me à minha insignificância, limitando-me a anotar os maus tratos a que o estoriador submete a Língua Portuguesa e a sublinhar que há no povo cubano uma dignidade que Pacheco, por razões óbvias, jamais entenderá.

Mas onde o inimitável Pacheco se supera a si próprio é no que toca aos «crimes do comunismo», seu tema preferido desde que a Fundação Olin (3) encomendou a um francês, seu irmão gémeo, a feitura de uma coisa que deveria chamar-se «Livro Negro do Comunismo». Diz o estoriador que «os comunistas hoje admitem os crimes do passado» mas fazem-no «de forma ritual e pouco sincera» e apenas para «legitimar as críticas que fazem a seguir ao 'capitalismo', fautor de crimes 'semelhantes'»! Eis-nos perante um curiosíssimo método de investigação histórica, cujo pressupõe de duas uma: ou Pacheco passou a possuir um qualquer divino dom que lhe permite medir de forma objectiva essa coisa subjectivíssima que é a sinceridade dos outros (ou a falta dela) - hipótese que é de excluir visto que, se assim fosse, já se teria sabido e Pacheco teria lugar marcado na lista de beatificações para o próximo 13 de Maio; ou Pacheco adoptou, como método de investigação histórica aquele que é utilizado por milhões de portugueses no preenchimento semanal dos seus boletins de totobola e totoloto, ou seja, o cientificíssimo método do palpite ou da fèzada - hipótese que se me afigura a única possível.

Pacheco, ai dele!, sofre desalmadamente porque ninguém, em seu perfeito juízo, lhe compra «história», porque ninguém, em seu perfeito juízo, lhe aceita a tese de que «comunismo é igual a nazismo». E tamanho é o desespero de Pacheco que o pobre sujeita-se, mesmo, a passar pela vergonha de ter que vir a público suplicar que o acreditem quando jura que não há ideologia capitalista e que o capitalismo é a ordem natural das coisas. Quanto aos crimes, Pacheco vive o drama terrível de se sentir responsável por todos... Primeiro - enquanto revolucionário divulgador e panegirista da «revolução cultural» e do slogan «o imperialismo é um tigre de papel» - foi co-responsável pelos crimes daí decorrentes; depois - já ex-revolucionário ao serviço dos interesses do ex-tigre de papel e enquanto divulgador e panegirista do pensamento único - passou a carregar sobre os ombros a co-responsabilidade de todos os crimes diariamente cometidos pelos seus novos ídolos.

E já agora, é preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que os comunistas condenam e rejeitam todos os crimes praticados, em nome do comunismo (e de que foram vítimas muitos comunistas), em vários países onde houve tentativas de criação de sociedades socialistas. É preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que esses crimes constituiram frontais perversões do ideal e do projecto comunista. E é preciso explicar a Pacheco, mais uma vez e pacientemente, que o facto de todas as pessoas inteligentes e informadas se rirem dele quando pretende identificar comunismo com nazismo, reside entre muitas outras razões na seguinte: o capitalismo - quer na sua versão «democrática», quer nas suas variegadas derivas enquanto ditadura terrorista do capital - é, pela sua essência opressora e exploradora, um sistema do qual o crime é parte integrante, que traz o crime consigo e em si. Ou seja, e resumindo tudo o que acima é dito: enquanto no socialismo o crime resulta de afrontamentos e perversões de ideais, no capitalismo de Pacheco o crime é um ideal do sistema, é a ordem natural das coisas.

(1), (2), (3) - Mesmo presumindo que Pacheco conhece esta matéria muito melhor do que eu a conheço, um dia destes falarei aqui da Fundação Olin e da sua missão nos EUA e no Mundo, dos fundos de que dispõe e de como os distribui, dos resultados concretos dessa distribuição, etc, etc.

«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999

marcar artigo